Os efeitos da quitação das obrigações pelo fiador, avalista e seguradoras nas recuperações judiciais - questões doutrinárias e a divergência jurisprudencial

AutorLutfe Mohamed Yunes
Páginas175-195
OS EFEITOS DA QUITAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
PELO FIADOR, AVALISTA E SEGURADORAS
NAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS – QUESTÕES
DOUTRINÁRIAS E A DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL
Lutfe Mohamed Yunes
Bacharel em direito e |Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade
de São Paulo – PUC/SP. Advogado em São Paulo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Do teor e das discrepâncias das jurisprudências do STJ; 2.1 Decisão
referente ao Recurso Especial 1.860.368-SP – 3ª Turma – Relatora Excelentíssima Ministra Nancy
Andrighi; 2.2 Decisão referente ao Recurso Especial 1.472.317-RJ – Decisão Monocrática – Relator
Excelentíssimo Ministro Luis Felipe Salomão – 3. Dos institutos de direito – ança, aval e seguro – e
de sua repercussão jurídica no processo de recuperação judicial – a sub-rogação de direitos; 3.1 A
ança e o instituto da sub-rogação; 3.2 O aval e o instituto da sub-rogação; 3.3 O seguro e o insti-
tuto da sub-rogação; 3.4 Dos efeitos da sub-rogação; 3.5 Do processo teórico de desconstrução,
por parte deste autor, que a quitação de obrigação pelo ador gera crédito novo – 4. O direito e
da responsabilidade do stj em ditar o tom e ser exemplo em termos da observância do formalismo
jurídico – 5. Conclusão – 6. Referências
1. INTRODUÇÃO
O espírito da criação da Lei 11.101/05 traz consigo, antes de tudo, como bem
maior a ser tutelado, sob o ponto de vista deste autor, a relação da preservação e
manutenção da continuidade da atividade das empresas1, com a consequência di-
reta de se contribuir com os demais agentes de mercado que circundam qualquer
empreendimento empresarial, denominados stakeholders2.
1. Parecer do falecido Senador Ramez Tebet da comissão de assuntos econômicos sobre o PLC 71, de 2003. Sobre
os princípios adotados na análise do PLC 71, de 2003, e nas modif‌icações propostas – item 1) Preservação
da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera
riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social
do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos
chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores,
know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros.
2. O Conceito de stakeholder foi criado na década de 1980, pelo f‌ilósofo norte-americano Robert Edward
Freeman, o qual expõe que o stakeholder é qualquer indivíduo ou organização que, de alguma forma, é
impactado pelas ações de uma determinada empresa ao seu redor. Em uma tradução livre para o português,
o termo signif‌ica “parte interessada”. Os stakeholders podem ser fornecedores, clientes, colaboradores e a
sociedade civil organizada como um todo que circunda a atividade empresarial de certa(s) empresa(s).
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LUTFE MOHAMED YUNES
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A incorporação de tal espírito pela Lei das Recuperações Judiciais e Falências3
não
quis trazer para o direito brasileiro uma condição de se preterir ou criar insegurança
jurídica para os credores4 das Recuperações Judiciais, os quais, com seus devidos
e respectivos créditos, deverão sempre estar sob a luz e foco da reestruturação da
dívida do devedor.
Neste diapasão, no que tange os direitos dos credores, o presente artigo traz à
tona, à luz do disposto no parágrafo primeiro do artigo 49 da Lei das R.J’s5, com base
na análise de duas jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça divergentes entre
si – uma decisão de turma e outra uma decisão monocrática – os efeitos da satisfação
de créditos, que estejam sob a égide de recuperações judiciais, por parte dos f‌iadores,
avalistas ou seguradoras, no que tange, especif‌icamente, como consequência, as
devidas e respectivas aplicações dos institutos jurídicos do direito civil, dentre eles,
os efeitos da sub-rogação.
Abordaremos a discrepância dos efeitos e da fundamentação legal entre os dois
julgados, tomando partindo, com base na doutrina pátria, para a necessária e correta
aplicação do instituto da sub-rogação, para que os f‌iadores, avalistas e seguradoras
possam fazer parte do quadro geral de credores, no caso da quitação das obrigações
de devedores, que estejam em recuperação judicial.
Por f‌im, haja vista uma característica deste autor, será ref‌letido o perigo da dis-
sonância das jurisprudências do STJ, principalmente pelos fundamentos, ou melhor,
pela escassez, data máxima vênia, da devida fundamentação no Recurso Especial
1.860.368 – SP, relacionada à desconsideração de enquadramento de crédito de f‌ia-
dor, originário do pagamento de obrigação para credor constituído em Recuperação
Judicial, em favor de devedor em recuperação judicial, para f‌ins de admissão dos
créditos (e do credor) no quadro geral de credores, haja vista que uma visão míope
do STJ pode fazer com que a ilustríssima instituição deixe de considerar as bases
enraizadas da Teoria do Direito e do Estado de Direito, indo, então, diretamente,
contra o espírito e dos princípios norteadores da criação da Lei das RJ’s, relacionados
ao “formalismo jurídico” a partir da teoria social de Max Weber6.
3. Para os f‌ins do presente texto def‌inida como Lei das RJ’s apenas.
4. Parecer do falecido Senador RAMEZ TEBET da comissão de assuntos econômicos sobre o PLC 71, de 2003.
Sobre os princípios adotados na análise do PLC 71, de 2003, e nas modif‌icações propostas – item 9) Parti-
cipação ativa dos credores: é desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e
de recuperação, a f‌im de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de
seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou
malversação dos recursos da empresa ou da massa falida.
5. Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coo-
brigados, f‌iadores e obrigados de regresso.
6. Vide BARZOTTO, Luis Fernando. Teoria do direito, p. 77 – “O tema central da teoria social de Max Weber é
o processo de racionalização que conferiu ao Ocidente sua f‌isionomia própria. O que diferencia o Ocidente
de outras civilizações é que somente ele alcançou uma organização política racional – o Estado racional; uma
organização econômica racional; o capitalismo racional; uma organização racional do saber: a ciência; e uma
conduta metodicamente orientada: a disciplina da vida prof‌issional. Embora Weber af‌irme o caráter polissêmico
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