Elementos de teoria do processo constitucional

AutorRonaldo Brêtas de Carvalho Dias
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas83-145
ELEM ENTOS DE TEOR IA DO PROCES SO
CONST ITUCIONA L
1. JURISDIÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Há consenso doutrinário no sentido de que os direitos essenciais do ser
humano inerentes à vida, à liberdade, à dignidade, à igualdade, à segurança,
ao valor e à natureza da própria condição humana, encarados na perspectiva
espiritual, corpórea e social, os chamados direitos humanos ou direitos do
homem, expressão secular, pois despontou na França, com a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, referidos em textos da literatu-
ra jurídica por direitos fundamentais, devem ser reconhecidos pelo Estado
Democrático de Direito ao povo, de sorte a limitar o poder estatal.
Pesquisa no assunto indica que a expressão direitos fundamentais despon-
tou na França (droits fondamentaux), por volta de 1770, em contexto cultural,
social e político que gerou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
em 1789. Posteriormente, o termo direitos fundamentais recebeu consagração
normativa expressa na Alemanha (Grundrechte), quando elaborados os textos
da Constituição de Weimar (1919) e da Lei Fundamental de Bonn (1949),
como era chamada a atual Constituição da República Federal da Alemanha.
A literatura jurídica francesa também tem adotado a terminologia liberdades
públicas (libertés publiques), como forma vocabular de consagração jurídica
dos direitos humanos, por inuência de textos constitucionais franceses (arti-
go 25, da Constituição de 1852; artigo 34, alínea 2, da Constituição de 1958).
Contudo, exame da doutrina constitucional contemporânea - à unanimidade
- revela propensão em se chamar de direitos fundamentais os direitos humanos
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que tenham adquirido positivação no ordenamento jurídico-constitucional
do Estado, atingindo, por conseguinte, grau maior de certeza e efetiva pos-
sibilidade de serem garantidos. Assim, direitos fundamentais do ser humano
são direitos constitucionalizados sob técnica especial de reconhecimento e de-
nição assentados nas Constituições dos Estados contemporâneos, não raro,
sob inuência dos pactos internacionais, formando uma categoria dogmática
do moderno Direito Constitucional. Como a fundamentalidade dos referi-
dos direitos tem espeque na sua constitucionalização, possuem sentido técni-
co-jurídico mais preciso e vigoroso, porque são direitos fundamentados em
enunciados expressos direta e claramente nas normas constitucionais ou por
inferência hermenêutica extraída do texto constitucional (as chamadas normas
adstritas). Portanto, em razão disso, a doutrina alemã divide as qualicadas
normas em dois grupos: 1º)- normas de direito fundamental direta e expressa-
mente estatuídas na Constituição; 2º)- normas de direito fundamental a elas
adstritas. De outro lado, também há tendência em se reservar as expressões di-
reitos do homem e direitos humanos para aqueles direitos inerentes à natureza
do ser humano reconhecidos e declarados nas normas das convenções, pactos
e tratados internacionais, criando um sistema de proteção internacional a tais
direitos, cujos enunciados, muitas vezes, são repetidos nas normas constitu-
cionais dos Estados ou incorporados nos seus direitos internos, por força de
preceito constitucional expresso, tendência jurídica contemporânea denomi-
nada constitucionalização do Direito Internacional. Como exemplos, podem
ser lembrados os casos das Constituições portuguesa, argentina e brasileira.
A Constituição portuguesa de 1976 recomenda, no seu artigo 16, nº 2, que
“os preceitos constitucionais e legais relativos a direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos
do Homem. A Constituição argentina, reformada em agosto de 1994, em
seu artigo 75, nº 22, determina que as normas dos tratados e instrumentos
de direitos humanos enumerados no seu texto têm hierarquia constitucional.
Por sua vez, a Constituição brasileira prevê, a partir de alteração que lhe foi
introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004, em seu artigo
5º, § 3º, que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas consti-
tucionais”. 1
1 Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales, p. 44-51.
TOBEÑAS, Jose Castan. Los Derechos del Hombre, p. 7-11. ALEXY, Robert. Teo -
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Os juristas franceses, quanto às referências constitucionais aos direitos fun-
damentais, ainda assinalam que, na França, a terminologia é bem heterogê-
nea, fazendo a seguinte comparação, em relação a outros Estados europeus:
“Na República Federal da Alemanha, os DF [Direitos Fundamentais] se cha-
mam ‘direitos fundamentais’ (Grundrechte), na Espanha ‘direitos fundamentais
e liberdades públicas’, na Itália ‘direitos e deveres dos cidadãos’, em Portugal
direitos, liberdades e garantias pessoais’, na Áustria ‘direitos constitucionalmente
garantidos’. No original: “Les noms des droits fondamentaux. Em République
fédérale d’Allemagne, les DF s’appellent ‘droits fondamentaux’ (Grundrechte), en
Espagne ‘ droits fondamentaux et libertés publiques’, en Italie ‘droits et devoirs des
citoyens’, au Portugal ‘droits, libertés et garanties personnelles’, en Autriche ‘ droits
constitutionnellement garantis.2
Sem dúvida, embora a noção de direitos do ser humano seja tão antiga
como o é a própria civilização, a doutrina dos direitos humanos é marca in-
delével do século XX, particularmente após o nal da segunda grande guerra,
no ano de 1945, em razão das atrocidades e das barbaridades cometidas pelos
regimes nazi-fascistas desmantelados à época, sob assombroso derramamento
de sangue.3
ria de los Derechos Fundamentales, p. 62-73. MIRANDA, Jorge. Manual de Direi-
to Constitucional, t. IV, p. 7, 49-52. CHINCHILLA HERRERA, Tulio Elí. Qué son
y cuales son los derechos fundamentales, p. 58-61. FAVOREU, Louis et alii. Droit des
libertés fondamentales, p. 36, 75-76 e 92. PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La ga-
rantía en el Estado constitucional de derecho, p. 111-114. CANOTILHO. Direi-
to Constitucional e Teoria da Constituição, p. 369-374 e 1.175. BARACHO, José
Alfredo de Oliveira. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 68-
72. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos
Direitos Humanos, p. 19 e 403-410. QUINTÃO SOARES, Mário Lúcio. Direitos Fun-
damentais e Direito Comunitário: por uma metódica de direitos fundamentais aplicada às
normas comunitárias, p. 24-29. BOSON, Gerson de Britto Mello. Constitucionalização
do direito internacional: internacionalização do direito constitucional – direito constitucional
internacional brasileiro, p. 189 e 201. GALUPPO, Marcelo Campos. Jurisdição Constitucio-
nal e Direitos Fundamentais, p. 233.
2 Cf. FAVOREU, Louis et alii. Droits de libertés fondamentales, p. 102.
3 Sobre o assunto, eis o relato de Eduardo Cambi, baseado em texto de Gustavo Zagrebelsk: “os
campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polônia, construídos pelo governo ale-
mão, comandado por Adolf Hitler, representam o símbolo do Holocausto, onde foram exterminados
mais de seis milhões de judeus. Auschwitz-Birkenau não é apenas um simples fato histórico, mas
um acontecimento que impõe reexões sobre a auto-consciência da condição humana. Mostra que
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