Princípios diretivos da jurisdição no Estado Democrático de Direito

AutorRonaldo Brêtas de Carvalho Dias
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas147-204
PRINCÍPIOS DIRETIVOS DA JURISDIÇÃO
NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. OS PRINCÍPIOS COMO NORMAS JURÍDICAS
Em noção ampla, os princípios de direito devem ser entendidos como nor-
mas jurídicas que exprimem, sob enunciados sintéticos, o conteúdo complexo
de ideias cientícas e proposições fundamentais informadoras e componen-
tes do ordenamento jurídico. Tomando-se por base esta concepção tradicio-
nal, pode-se dizer que os princípios jurídicos se caracterizam como diretrizes
gerais induzidas e indutoras do direito, porque são inferidas de um sistema
jurídico e, após inferidas, se reportam ao próprio sistema jurídico para infor-
má-lo, como se fossem os alicerces de sua estrutura. Em outras palavras - e re-
sumindo - os princípios jurídicos, para que sejam reconhecidos como espécies
de normas jurídicas, têm de estar conectados às regras e a outros princípios
expressamente delineados e integrantes do ordenamento jurídico vigente.1
Nessa noção esboçada, os princípios são considerados normas jurídicas,
porque, ao que nos parece, depois das pesquisas analíticas desenvolvidas por
Jean Boulanger, considerado o mais insigne precursor da normatividade dos
princípios,2 seguidas das teorias formuladas por Josef Esser em torno de uma
reconstrução da principiologia jurídica, embora sofrendo algumas críticas
1 Cf. ARCE Y FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín. Los principios generales del Derecho y su formu-
lación constitucional, p. 99. BARACHO. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa v. XXXVIII, p. 46-47. DELGADO, Maurício Godinho. Revista da Faculdade
Mineira de Direito v. 4, p. 151 e 162.
2 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 266.
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por parte de Kelsen, posteriormente retomadas nos estudos atuais de Robert
Alexy, restou incontroverso o entendimento de que a expressão normas jurí-
dicas, em sentido amplo, abarca as ideias de regras jurídicas (normas-regras,
normas-disposições ou normas-preceitos) e de princípios jurídicos (normas-
-princípios). Esta a razão da armativa nos textos doutrinários, repetindo li-
ção de Alexy, de que “a distinção entre regras e princípios, é, pois, uma distinção
entre dois tipos de normas”. O que a doutrina discute são os critérios para se efe-
tuar a distinção precisa entre regras e princípios, embora considerando ambos
espécies do gênero normas jurídicas, o que têm suscitado debates e soluções
variadas. Contra o critério da generalização, informador da doutrina tradicio-
nal, que considerava os princípios gerais de direito o resultado do processo de
generalização crescente operado por outras normas do ordenamento jurídico
(Del Vecchio), posicionou-se Esser, sustentando que o princípio não se dis-
tingue da regra pelo caráter geral ou grau de abstração. Embora não negue
Esser que os princípios tenham grau maior de generalização, ao contrário das
regras, aqueles não se formariam por meio de um processo de generalização
crescente. O critério diferenciador residiria na possibilidade de se precisar os
casos de incidência, ou seja, na determinabilidade exata de suas aplicações.
Segundo Esser, os princípios deveriam ser considerados normas jurídicas,
não sendo somente mandamentos de conduta (preceitos), mas, também, fun-
damentos para a elaboração e a proteção do direito. Nessa mesma linha de
pensamento, Karl Larenz observou que, enquanto os princípios, mais vagos
e indeterminados, não seriam normas imediatamente aplicáveis aos casos con-
cretos, mas ideias diretrizes a exigirem mediações concretizadoras por parte
do legislador ou do juiz, as regras seriam normas suscetíveis de aplicação ime-
diata. Outro critério de diferenciação preconizado na doutrina estaria no grau
de proximidade axiológica à ideia de direito, segundo o qual o princípio seria
um modelo (standard) radicado na exigência de justiça ou de imparcialidade
ou de qualquer outra dimensão de moralidade ou dos ns da comunidade,
exprimindo os valores supremos de um determinado ordenamento jurídico,
mas comportando exceções sua aplicação, ao contrário da regra, aplicada na
base do “ou tudo ou nada – applicable in an all-or-nothing fashion” (Ronald
Dworkin). Para Alexy, regras e princípios seriam normas jurídicas, mas o pon-
to decisivo para a distinção entre ambas as espécies estaria em que os princí-
pios seriam aplicados na medida mais elevada possível, levando-se em conta
as possibilidades jurídicas e fáticas consideradas (adequabilidade). Na hipótese
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de colisão ou conito de princípios – situação que qualicamos como tensão
entre princípios - cada princípio teria de ceder perante o outro, de modo que
ambos atuassem em termos ótimos, ou seja, o melhor possível. Assim, para
Alexy, os princípios seriam enunciados, preceitos ou mandados de otimização
(Optimierungsgebote). Por outro lado, as regras conteriam determinações no
âmbito do fático e juridicamente possível, porque seriam normas que só pode-
riam ser cumpridas ou não, no sentido de que, se uma regra fosse considerada
válida, então dever-se-ia fazer exatamente o que ela exigiria, nem mais nem
menos. Se uma regra fosse considerada um preceito para um juízo concreto
do dever-ser, que teria de se pronunciar no caso de ser aplicada, sem qualquer
exceção, tal regra seria, pois, um preceito denitivo (denitive Gebote). Ao
contrário, os princípios, considerados em si próprios, seriam sempre preceitos
prima facie, neste ponto reportando-se Alexy à doutrina de Esser, para aduzir
que o princípio não é, em si próprio, diretriz, mas razão, critério e justica-
ção da diretriz. Resumindo, esclarece Alexy, os princípios seriam preceitos à
primeira vista (prima facie) enquanto as regras seriam preceitos denitivos, não
sendo os princípios aplicáveis integral e plenamente em qualquer situação. A
diferença entre regras e princípios, segundo Alexy, seria qualitativa e não de
grau, porque, anal de contas, conclui, toda norma é bem uma regra ou um
princípio. Em nota de pé de página, Alexy sustenta que a distinção por ele for-
mulada se identica com as ideias de Dworkin, delas somente se distanciando,
ao seu entendimento, quando caracteriza os princípios como exigências, pre-
ceitos, mandamentos ou mandados de otimização.3
3 Cf. DEL VECCHIO, Giorgio. Los principios generales del derecho, p. 51. ESSER, Josef. Princi-
pio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado, p. 51-67, 146-152. LARENZ,
Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 599. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriou-
sly, p. 22-53. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, p. 82-104. BONGIO-
VANNI, Giorgio. Teorie “costituzionalistiche” del diritto. Morale, diritto e interpretazione in R.
Alexy e R. Dworkin, p. 87-88. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas, p. 145-146. PEÑA
FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho, p. 116-118.
CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1.085-1.086, 1.107-1.109
e 1.177. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, t. II, p. 224. GALUPPO,
Marcelo Campos. Revista da Faculdade Mineira de Direito v. 1, p. 134-142. Revista de Direito
Comparado da Pós-graduação da UFMG v. 3, p. 227-243. Revista de Informação Legislativa v.
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