Embargos de Declaração

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas381-426

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1. Antecedentes históricos

Os embargos de declaração não eram conhecidos no direito romano; em verdade, a origem do instituto é lusitana.

Estava, com efeito, no texto das Ordenações Afonsinas de 1446: “Pero nam tolhemos, que se o Julguador der alguuma Sentença duvidosa, por ter em sy alguumas palavras escuras, e intrincadas, porque em tal caso as poder bem declarar, e interpretar qualquer Sentença por elle dada, ainda que seja definitiva, se duvidosa for; e nem somente a esse Julguador, que essa sentença deu, mas ainda o seu sobcessar, que lhe sobcedeo o Officio de Julguar”.

Essa disposição foi, depois, reproduzida com pequenas nuanças de literalidade pelas Ordenações Manuelinas de 1512 (§ 5.º do Título 50) e pelas Filipinas de 1603, cujo § 6.º do Título 66 estabelecia: “Porém, se o Julgador der alguma sentença definitiva, que tenha em si algumas palavras escuras e intrincadas, bem poderá declarar; porque outorgado é por Direito do Julgador, que possa declarar e interpretar qualquer sentença por ele dada, ainda que definitivamente, se duvidosa for. E não somente a esse Julgador, que a sentença deu, mas ainda ao que lhe sucedeu no Ofício de Julgar”.

Esclareça-se que a sentença definitiva, várias vezes mencionada pelas Ordenações reinóis portuguesas, não correspondia à coisa julgada material (conceituada pelo legislador moderno como “a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (CPC, art. 502), e sim à sentença não interlocutória, que era proferida ao final de cada “instância” judiciária, vale dizer, era a sentença que punha fim ao processo com exame do mérito.

O Assento de 1.º de março de 1783, a propósito, declarou, em interpretação ao mencionado § 6.º do Título 66 das Ordenações Filipinas, que a sentença definitiva tornava-se irrevogável após a sua publicação, não podendo o julgador em consequência, substituí-la por outra, antagônica à anterior. Proibição dessa ordem é encontrada também no texto das outras Ordenações, valendo reproduzir o que estatuíam as Filipinas: “E depois que o Julgador der uma vez sentença definitiva em algum feito, e a publicar ou der ao Escrivão, ou Tabelião, para lhe pôr o termo da publicação, não tem mais poder de a revogar, dando outra contrária, a segunda ser nenhuma, salvo se a primeira fosse revogada por via de embargos, tais que por Direito pelo neles alegado ou provado a devesse revogar”.

O teor das disposições transcritas revela que ao tempo daquelas Ordenações lusitanas as hipóteses de solicitação de sentença declaratória se restringiam às de existência de

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pontos duvidosos (“se o Julguador der alguma Sentença duvidosa”) ou obscuros (“ter em sy alguumas palavras escuras, e intrincadas”) no texto, não se cogitando das eivas de contrariedade e de omissão previstas pelos modernos códigos processuais.

No direito brasileiro incipiente vamos localizar os embargos de declaração (já então com perfil mais próximo do que caracteriza o instituto na atualidade) no famoso Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, que dispunha: “Os embargos de declaração só terão lugar quando houver na sentença alguma obscuridade, ambiguidade, ou contradição, ou quando se tiver omitido algum ponto sobre que deveria haver consideração” (destacamos). Os pressupostos de admissibilidade dos embargos declaratórios, como se constata, foram ampliados pelo Regulamento n. 737, comparativamente àqueles contemplados pelo texto das Ordenações reinóis. Esse Regulamento era, em rigor, o Código de Processo Comercial que o Governo Imperial fez publicar em 1850, juntamente com o Código Comercial, este ainda em vigor. Desta maneira, na época, as causas comerciais eram regidas pelo Regulamento n. 737, ao passo que as causas civis continuaram a ser disciplinadas pelas Ordenações. Proclamada, porém, a República, o Governo Provisório, por intermédio do Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, determinou que o referido Regulamento fosse também aplicado às causas civis, com o que restabeleceu a primitiva unidade processual.

Dos embargos declaratórios cuidou, igualmente, o Decreto n. 3.083, de 5 de novembro de 1858 (Parte III, arts. 682, 683 e 687).

Embora com um tratamento inadequado, a matéria de embargos estava também inserida na “Praxe Brasileira” de Joaquim Inácio Ramalho, de 1869, que a ela não dispensou mais que breves linhas: “Quando se dirigirem a fazer declarar a sentença que omitiu algum ponto, ou se acha escura, duvidosa, ou contraditória”.

A Constituição republicana de 1891, por seu art. 34, n. 23, combinado com o art. 65, n. 2, atribuiu competência aos Estados-membros para legislarem sobre direito processual. Em razão disso, os embargos de declaração foram introduzidos no texto dos diversos Códigos estaduais; dentre eles, o do Rio Grande do Sul (Lei n. 15, de 16-1-1908, art. 510); o da Bahia (Lei n. 1.121, de 21-8-1915, arts. 1.239 a 1.241); o Código de Processo Civil e Comercial de Minas Gerais (arts. 1.439 a 1.441); o do Distrito Federal (Dec. n. 16.752, de 31-12-1924, art. 1.179); o de São Paulo (Lei n. 2.421, de 15-1-1930, art. 335); o do Rio de Janeiro (Lei n. 1.580, de 20-1-1919, art. 2.333); o de Pernambuco (arts. 1.434 a 1.438); o Código Judiciário de Santa Catarina (art. 1.385); o do Ceará (art. 1.401); o do Paraná (Lei n. 915, de 23-12-1920, arts. 697 e 756). Observa Alcides de Mendonça Lima (Introdução aos Recursos Cíveis, São Paulo: Edit. Rev. dos Tribs., 1974. p. 35) que o Código paranaense não é de 1892, conforme afirmou Eliézer Rosa, pois naquela data o que ocorreu foi mera “autorização legislativa para ser elaborado o Código, que nunca se concretizou”. Somente em 1920 é que o Código de Processo Civil e Comercial do Paraná veio a lume.

O Texto Constitucional de 1934, entretanto, reservou à União a competência exclusiva para legislar sobre direito processual, pondo fim, com isso, à competência que era atribuída aos Estados-membros.

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Conseguintemente, o Governo Federal editou o Decreto-lei n. 1.608, de 18 de novembro de 1939, instituindo o primeiro código processual unitário.

Após viger por mais de três décadas, o Decreto-lei n. 1.608/39 foi revogado pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu um novo CPC, no qual os embargos declaratórios se encontram regidos pelos arts. 535 a 538. Posteriormente, vem à tona outro CPC (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015), que cuida dos embargos declaratórios nos arts. 1.022 a 1.026).

2. Os embargos de declaração na CLT

Até o advento da Lei n. 2.244, de 23 de junho de 1954, não havia no corpo da CLT qualquer referência à figura de que estamos a tratar. É de lembrar-se que essa Lei deu redação, dentre outros artigos, ao 702, II, e § 2.º, “d”, estabelecendo serem oponíveis tais embargos aos acórdãos proferidos pelo Pleno ou pelas Turmas do TST. Esse artigo, porém, foi revogado pela Lei n. 7.701, de 21 de dezembro de 1988 (arts. 2.º, II, “d”; 3.º, III, “d”; 5.º, “d”).

Por evidente deslize técnico, entretanto, o legislador somente previu o cabimento dos embargos declaratórios a acórdãos proferidos pelo TST, silenciando quanto à possibilidade de utilização dessa medida em relação às decisões proferidas pelo Tribunais Regionais e pelas Varas do Trabalho. Essa omissão, como era de se esperar, rendeu ensejo ao surgimento de dúvida, mais ou menos generalizada, no âmbito da doutrina trabalhista quanto ao cabimento dos embargos de declaração no âmbito do primeiro e segundo graus de jurisdição. Superada, no entanto, essa fase inicial de compreensível hesitação, firmou-se a doutrina no sentido de admiti-los para todos os pronunciamentos jurisdicionais desta Justiça Especializada, pouco importando qual fosse o grau de jurisdição a que pertencesse o órgão emissor.

A Lei n. 2.244/54 limitou-se, todavia, a introduzir na CLT a figura dos embargos declaratórios sem cuidar — como seria desejável — de sistematizá-la e de estabelecer o correspondente procedimento; com isso, permitiu a aplicação supletiva das normas do processo civil concernentes à matéria, do que decorreu, por sua vez, o surgimento de controvérsias acerca da compatibilidade de algumas dessas disposições com o processo do trabalho. Basta lembrar a discussão a respeito da aplicabilidade, ou não, da multa de 1% e de 10% do valor da causa ao embargante protelador, que assim fosse considerado pela decisão judicial (CPC de 1973, art. 538, parágrafo único).

Nas edições anteriores deste livro, manifestamos a nossa esperança de que, de lege ferenda, a figura dos embargos declaratórios recebesse um tratamento compatível com as peculiaridades e com os princípios que animam o direito processual do trabalho; até lá — dizíamos —, a prudência sugeria que esses embargos fossem admitidos neste processo mediante a necessária adaptação (quando fosse o caso) das normas do processo civil, nas quais repousa essa figura de extrema utilidade para o depuramento formal das decisões judiciais.

A esperada regulamentação dos embargos declaratórios, no processo do trabalho, contudo, ainda não veio. O que tivemos, apenas, foi a edição da Lei n. 9.957, de 12 de

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janeiro de 2000, que inseriu o art. 897-A, na CLT...

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