Embargos do Devedor

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas491-539
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EXECUÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO
Capítulo VIII
Embargos do Devedor
1. Introdução
A Lei n. 11.232/2005 introduziu diversas modif‌icações no CPC de 1973, dentre
elas, a que consistiu na eliminação dos embargos à execução promovida contra devedor
privado, fundada em título judicial. A antiga execução passou a denominar-se “cumprimen-
to da sentença”, sendo deslocada para o Livro I, que tratava do processo de conhecimento
(arts. 475-I a 475-R). No sistema naquele processo, caberia ao devedor oferecer, no
prazo de quinze dias, impugnação (arts. 475-J, § 1.o e 475-L).
O cumprimento da sentença foi mantido pelo CPC de 2015 (arts. 513 a 538).
Esse sistema, consistente em um sincretismo entre cognição e execução, todavia,
não pode ser adotado pelo processo do trabalho, uma vez que a CLT não é omissa
quanto à matéria, como revelam os seus arts. 884 a 892. Logo, falta, para essa adoção
supletiva do sistema do CPC, o pressuposto indispensável da omissão (CLT, art. 769).
O que o processo do trabalho poderá fazer, isto sim, é, em suas lacunas, adotar, em caráter
subsidiário, algumas dessas disposições do processo civil. Entrementes, o sistema do
processo do trabalho, com seu procedimento específ‌ico, pertinente aos embargos à execução
traçado pelos arts. 884 a 892, deve ser preservado, pelas razões já expostas. Af‌inal, não
chegamos, ainda — e esperamos jamais chegar —, ao tempo em que normas legais, diri-
gidas ao processo civil, revoguem normas do processo do trabalho.
2. Generalidades
2.1. Execução de título judicial
No momento em que a sentença condenatória — dirimente do conf‌lito de interesses
— se submete ao fenômeno jurídico da coisa julgada material, encerra-se, em def‌initivo,
o processo de conhecimento, com seus particulares atributos do contraditório dialético
e da possibilidade de ampla defesa e no qual as partes se mantiveram em absoluta igual-
dade ontológica. A contar daí, desfeita a incerteza subjetiva quanto ao direito disputado
— que marcou aquele processo —, o Estado outorga preeminência jurídica ao credor e
coloca o devedor em estado de sujeição ao comando que se irradia da sentença passada
em julgado — agora convertida em título executivo, do qual se origina a obrigação a que
o devedor será coercitivamente chamado a adimplir.
Na sequência de atos processuais preordenados, tendentes a fazer com que o pa-
trimônio do devedor responda pelo cumprimento da obrigação, deverá o juiz observar,
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contudo, os princípios legais de que: a) a execução deve processar-se pelo modo menos
gravoso ao devedor (CPC, art. 805); b) certos bens são impenhoráveis (CPC, art. 833),
embora, à falta de outros bens, possam ser penhorados os frutos e os rendimentos dos
bens inalienáceis (CPC, art. 834); c) não devem ser realizadas apreensões patrimoniais
inúteis, assim entendidas as que sejam suf‌icientes apenas para o pagamento das custas
e não do principal (CPC, art. 836, caput).
Na execução, por isso, o devedor será citado, não para contestar, e sim para cumprir
a obrigação, no prazo e modo estabelecidos (CLT, art. 880, caput).
Embora o processo de execução não seja, profundamente, informado pelo princí-
pio do contraditório — uma vez que o seu escopo reside na prática de atos coercitivos,
destinados a levar o devedor a satisfazer o direito do credor, reconhecido pela sentença
exequenda —, isso não signif‌ica que, em dado momento desse processo, não possa sur-
gir controvérsia, suscitada pelo devedor, a respeito de fatos a que a lei atribui relevância
jurídica. Permite a norma legal, conseguintemente, que o devedor se oponha, de ma-
neira justif‌icada, à execução; essa oposição, a ser manifestada no momento processual
oportuno, tem como seu instrumento específ‌ico a f‌igura dos embargos do devedor.
Na execução não pode o devedor, contudo, impugnar o título executivo, pois isso
não se conforma à natureza e à estrutura desse processo; pondo à frente tais particulari-
dades da execução, o legislador instituiu, na verdade, um outro processo, distinto do de
execução, mas que a ele se vincula por uma íntima conexão. Os embargos do devedor
representam, pois, processo que não se confunde com o de execução, conquanto tenha,
neste, o seu pressuposto legal. Os embargos em exame traduzem característico processo
cognitivo, que se dirige ao proferimento de uma sentença de índole constitutiva, apta a
desfazer, total ou parcialmente, o título em que se funda a execução.
No processo dos embargos, o devedor assume a posição de autor (e não de con-
testante). Na execução não existirá, sempre, controvérsia — circunstância que motivou
alguns pensadores italianos a considerá-la de “contraditório eventual”. A eventualidade
está, aí, a insinuar que o litígio não é inerente ao processo de execução, nada obstante
esse litígio possa formar-se com o aparecimento dos embargos opostos pelo devedor.
Compreende-se o motivo por que a litigiosidade não é, em princípio, a marca do
processo de execução: é que, estando o credor na posse de um título executivo, con-
substanciado em sentença transitada em julgado, muito pouco ou quase nada tem a
discutir com o devedor, no que respeita ao dever de este adimplir a obrigação. Como
dissemos há pouco, a incerteza subjetiva quanto ao direito f‌icou sepultada no processo
de conhecimento, de que se originou o título executivo. Na execução, o credor tem a
certeza — que vem da declaração contida no pronunciamento jurisdicional exequendo —
do direito, sendo justif‌icável que invoque a tutela da jurisdição estatal para fazer com
que o devedor seja chamado a cumprir, espontaneamente, a obrigação, sob pena de
penhora e expropriação de bens. Daí, a assertiva de Amílcar de Castro de que, diante do
título executivo e estando a penhora autorizada pelo juiz, o devedor pode tomar a ini-
ciativa de instaurar outro procedimento contencioso, de cognição incidente, de verif‌icação
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positiva, ou negativa, alegando fatos extintivos de sua obrigação, supressivos, modif‌ica-
tivos ou elisivos do processo de execução: “Por outras palavras, o exequente visa apenas à
prática de atos processuais de execução; e o executado é que pretende entrar em processo de
conhecimento” (obra cit., p. 384).
Os embargos do devedor rendem, por isso mesmo, ensejo a uma fase de conheci-
mento, que lhe é própria, e que somente poderia ser chamada de incidental se levássemos
em conta o fato de que essa fase se estabelece quando em curso a execução — mas não
no curso da execução. Com efeito, pelo sistema adotado pelo diploma processual civil
em vigor os embargos em apreço não criam mais os “parênteses de cognição”, como se
dava no texto revogado (Frederico Marques, obra cit., p. 228). O próprio processo de
embargos do devedor não pode ser considerado como “incidente” da execução, pois se
trata de processo específ‌ico, embora conexo com aquele.
Anota Frederico Marques que o título executivo, por ser processualmente abstrato,
é suf‌iciente para dar causa à instauração do processo de igual nome, embora sujeito, quando
oferecidos embargos, à condição resolutiva, cujo implemento será a sentença constitutiva que
julgar esses embargos procedentes (sic). Inadmitidos, no entanto, os embargos, ou julgados
improcedentes (sic), não se registra o implemento da referida condição, pelo que a execução
prosseguirá(ibidem).
Sobre a posição do embargante como autor dessa demanda, vale ser reproduzida a
lição de Chiovenda: “uma demanda em juízo supõe duas partes: aquela que a propõe (sic)
e aquela em face da qual se propõe (sic). Temos, dessa forma, a posição do autor e a do réu.
Característica do autor não é somente o fato de articular uma demanda, porque o réu tam-
bém pode demandar a rejeição da demanda do autor; e, sim, a de fazer a primeira demanda
relativa a determinado objeto (rem in iudicium deducens). É de importância ressaltar que a
qualidade de autor ou de réu não depende necessariamente de nenhuma forma determinada
de demanda judicial. Procedimentos há em que o réu é compelido a assumir parte ativa,
sem por essa circunstância perder a f‌igura e a condição de réu. Essa parte ativa recebe a
denominação de oposição (equivalente aos nossos embargos) (...). É tarefa do intérprete
indagar, nesses casos, se se trata de formas especiais de procedimento, em que o réu, embora
conservando-se tal, deva tomar a iniciativa de provocar a decisão; ou se trata de atos com
ef‌icácia própria, que ao interessado caiba eliminar, caso em que será equiparado a verdadei-
ro autor (impugnação)” (“Istituzioni di Diritto Processuale Civile”, vol. 2, p. 215/216)
(destacamos).
2.2. Execução de título extrajudicial
Por mais de meio século, o processo do trabalho conheceu, apenas, a execução baseada
em título judicial, ou seja, em sentença ou acórdão — condenatórios ou homologatórios
de transação. Ainda hoje, a esmagadora maioria dos pronunciamentos doutrinários e
jurisprudenciais diz respeito a essa modalidade de execução. A Lei n. 9.958/2000, toda-
via, ao dar nova redação ao art. 876, caput, da CLT, introduziu signif‌icativa alteração no
sistema do processo do trabalho, ao prever, também, a execução de título extrajudicial.
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