Execução por Quantia Certa

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas344-484
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MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO
Capítulo VI
Execução por Quantia Certa
1. Generalidades
A Lei n. 11.232/2005 introduziu revolucionária alteração no sistema do processo
civil, ao trazer para o processo de conhecimento a clássica execução por quantia certa,
fundada em título judicial (arts. 475-A a 475-R no CPC de 1973) — fato que levou a
doutrina do período a aludir a um sincretismo processual realizada pela sobredita norma
legal. Em decorrência disso, instituiu-se o procedimento do cumprimento da sentença,
e foram reformulados tradicionais conceitos inscritos no texto original daquele CPC
como se deu, em particular, com o de sentença (art. 162, § 1.o). Em termos práticos, esse
sincretismo signif‌icou que, transitando em julgado a sentença condenatória — para co-
gitarmos, apenas, da execução def‌initiva —, o devedor não mais passou a ser citado para
o processo de execução, senão que intimado para, no prazo de quinze dias, cumprir,
de maneira espontânea, a sentença, sob pena de a condenação ser acrescida, de forma
automática, em dez por cento (CPC, art. 475-J).
O CPC de 2015 manteve a técnica do cumprimento da sentença (arts. 513 a 518),
reservando o processo de execução para a que se fundar em título extrajudicial, aí incluída
a Fazenda Pública (arts. 771 a 925). Conforme já deixamos consignado em linhas anterio-
res, o processo do trabalho não prevê o procedimento do cumprimento da sentença, mas,
apenas, o de execução, seja para títulos judiciais, seja para títulos extrajudiciais.
Por esse motivo, estaremos a falar, neste Capítulo de execução por quantia certa.
Pressuposto específ‌ico dessa execução é, portanto, a existência de quantia certa,
assim entendida a prestação pecuniária a que o devedor está obrigado, por força do título
executivo judicial. Estabelece, a propósito, o art. 783 do CPC que a execução para
cobrança de crédito se fundará sempre em “título de obrigação certa, líquida e exigível”,
sob pena de vir a ser declarada nula (CPC, art. 803, I), acrescentamos. Como pudemos
advertir, em Capítulo anterior (Primeira Parte, XI), a expressão legal “líquida e certa”
é marcada por injustif‌icável superfetação, porquanto se considera líquida a obrigação
que seja certa, quanto à sua existência, e determinada, no que toca ao seu objeto; sendo
assim, para atender ao rigor jurídico, bastaria dizer-se que o título exequendo deveria
ser líquido, pois o conceito de certeza está compreendido no de liquidez.
Caso a obrigação se apresente ilíquida, há necessidade de inaugurar-se uma fase
preparatória da execução propriamente dita, destinada a quantif‌icar o conteúdo obriga-
cional, sem o que o título executivo será declarado inexigível.
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EXECUÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO
O objetivo da execução por quantia certa é expropriar bens do devedor, a f‌im de
satisfazer o direito do credor (CPC, 824), pois o primeiro responde, com seu patri-
mônio (presente ou futuro), para o cumprimento das obrigações (CPC, art. 789). A
convergência dos atos executivos para a expropriação judicial dos bens do devedor foi
a sensata solução que os modernos sistemas processuais encontraram para substituir
alguns meios largamente postos em prática, no passado, em que a execução recaía,
muitas vezes, na pessoa física do devedor. Pela manus iniectio do direito romano, p. ex.,
o inadimplemento do devedor gerava para o credor o direito de aprisioná-lo, vendê-lo
como escravo ou mesmo assassiná-lo. Em respeito à dignidade humana do devedor,
portanto, a legislação — fortemente inf‌luenciada pela doutrina cristã — evoluiu para
a responsabilidade apenas patrimonial deste, anatematizando as práticas infamantes
outrora consagradas. Modernamente, pois, a execução por dívidas perdeu o seu caráter
corporal de outrora, para tornar-se, exclusivamente, patrimonial ou real.
Em nosso meio, o próprio texto constitucional — mantendo uma tradição elogiá-
vel — proíbe a prisão civil por dívida, exceto “a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário inf‌iel” (art. 5.o,
LXVII) — em que pese ao fato de a Súmula Vinculante n. 25, do STF, declarar ser “ilícita
a prisão civil de depositário inf‌iel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, cujo
teor, aliás, vem do Tema com Repercussão Geral n. 60. O STF baseou-se no pacto de San
José da Costa Rica. O art. 13 do CPC de 2015 parece legitimar essa posição do Excelso
Pretório. Tão somente, parece.
Justif‌iquemo-nos.
Mesmo anteriormente à Súmula Vinculativa n. 25, o Supremo Tribunal Federal
vinha entendendo que a prisão civil do depositário inf‌iel estaria em confronto com o
§ 7.o, do art. 7.o, da Convenção Americana de Direitos Humanos (adotada e aberta à
assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em
San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratif‌icada pelo Brasil em 25 de
setembro de 1992), motivo por que declarou ser ilegal essa prisão (RE n. 466.343-1-SP,
rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 5-6-2009).
Discordamos, data venia, desse entendimento. O § 7.o, do art. 7.o (que trata do
direito à liberdade pessoal), da mencionada Convenção dispõe: “Ninguém deve ser detido por
dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedi-
dos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (pusemos em destaque). Está
claro, portanto, que essa norma consagrou o princípio de que ninguém poderá sofrer
prisão civil por dívida, salvo o inadimplente de prestação alimentar. Esse mesmo prin-
cípio está enunciado no art. 5.o, inciso LXVII, da Constituição da República Federativa
do Brasil, assim como a referida exceção. Ocorre que o nosso texto constitucional, para
além disso, permite a prisão civil do depositário inf‌iel – prisão que, em rigor, não é moti-
vada por dívida, e sim, pela violação a deveres legais. Efetivamente, o depositário, como
auxiliar da justiça (CPC, arts. 149 e 159), possui, dentre outros deveres, os de guardar
e conservar a coisa que lhe foi conf‌iada e o de entregá-la a quem o juiz determinar. O
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depositário não é devedor, senão que auxiliar do juízo; logo, ao tornar-se inf‌iel, a sua pri-
são será ordenada não pelo fato de haver deixado de pagar alguma dívida, mas por haver
perpetrado violação a deveres legais. Por outras palavras, a prisão do depositário inf‌iel
em nada contravém o § 7.o, do art. 7.o, do Pacto de San José da Costa Rica. Ademais, a
prisão do depositário inf‌iel sempre funcionou, na prática — e nos raros casos em que
isso se impôs — como ef‌iciente instrumento judicial de pressão, fazendo com que este
entregasse os bens que lhe haviam sido conf‌iados, ou o equivalente em dinheiro. Sem
este instrumento, o depositário f‌iel haverá de sentir-se em boa sombra, pois eventual
ação civil destinada a fazê-lo reparar os prejuízos acarretados a terceiros consumirá longo
tempo. A nosso ver, o STF, interpretou mal a regra o § 7.o, do art. 7.o, do Pacto de San
José da Costa Rica, ao cotejá-la com o art. 5.o, inciso LXVII, da Constituição Federal.
O STJ, na mesma linha da Súmula Vinculante n. 25, do STF, adotou, em 2010, a
Súmula n. 419, assim enunciada: “Depositário Inf‌iel – Prisão Civil – Descabimento. Descabe
a prisão civil do depositário judicial inf‌iel”. Ao fazê-lo, incidiu no mesmo erro do STF.
Em decorrência dessas Súmulas — devemos reiterar —, os juízes perderam um
ef‌icaz instrumento coercitivo destinado a fazer com que os depositários inf‌iéis resti-
tuíssem os bens que haviam f‌icado sob sua guarda e conservação, ou apresentassem o
equivalente em dinheiro. Com isso, as perdas foram de grande espectro, pois: a) perdeu
o arrematante a oportunidade de ter a posse do bem em pouco tempo; b) perdeu a Jus-
tiça um instrumento ef‌icaz para constringir o depositário inf‌iel a honrar o seu encargo;
c) perdeu o Processo a efetividade e, talvez, o próprio prestígio.
A execução por quantia certa, de outro lado, pode ser convertida em sucedâneo
lógico e jurídico das execuções para a entrega de coisa certa, de fazer ou de não fazer,
sempre que for impraticável obter-se o cumprimento das obrigações mencionadas; essa
conversão é necessária para evitar que o credor não veja o seu direito, reconhecido pelo
pronunciamento jurisdicional passado em julgado, precipitar-se no vazio, em decorrência
da impossibilidade de exigir a sua satisfação concreta (sanctio iuris).
Qual seria, porém, o objeto da penhora judicial: o domínio ou a posse dos bens
penhorados? Nenhuma coisa nem outra. A penhora não retira do devedor a propriedade
ou a posse dos bens; dessa maneira, o que o Estado expropria, na verdade, é a faculdade
de o devedor dispor dos seus bens, transferindo-a ao juiz, que a exerce no interesse do
credor (CPC, art. 797). Nesse sentido, a lição de Amílcar de Castro: “O juiz, que é a
pessoa a quem se transfere a faculdade de dispor, não adquire, portanto, o direito que é
objeto da disposição: adquire somente a faculdade de dispor; mas a adquire como a sua.
O direito continua a pertencer ao titular, e o juiz, que ao titular se une e contrapõe,
exercita em nome próprio faculdade relativa ao direito alheio. Além disso, a expropria-
ção não se opera no interesse do titular, nem com o concurso de sua vontade; opera-se
ainda contra a sua vontade, no interesse da função jurisdicional, e por isso é que o juiz,
titular da faculdade de disposição, não age em nome do titular do direito, age sim em
nome próprio” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 2.a ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1976, vol. XVIII, p. 192).
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