Os Fatos e o Controle Concentrado de Constitucionalidade

AutorAldo de Paula Junior
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Páginas137-220
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3. Os Fatos e o Controle Concentrado de
Constitucionalidade
Conforme expusemos no capítulo anterior, a norma de compe-
tência (NC) para instituição das contribuições de intervenção sobre
o domínio econômico (art. 149, CF/1988) condiciona seu exercício a
pressupostos fáticos (a) fato motivo (FM); b) fato de execução (FE); e
c) fato de destinação (FD)).
Na medida em que a competência é condicionada (programação
condicional) a estes pressupostos fáticos, a quebra desta dinâmica
contamina o exercício da competência constitucional.
Portanto, tais elementos podem (e devem) ser considerados no
controle concentrado da constitucionalidade das CIDES.
Esta constatação produz consequências e pontos de ref‌lexão:
a) Como o controle concentrado de constitucionalidade lida com
a análise ou discussão dos fatos? Ou, é possível a análise de pressu-
postos fáticos no controle concentrado de constitucionalidade?
b) Se a CIDE é um tributo qualif‌icado pela f‌inalidade, o atendi-
mento (ou não) a esta f‌inalidade é controlável?
c) Considerando que os fatos são dinâmicos, qual o efeito da
mudança dos fatos na validade da CIDE? Qual a técnica de decisão
de inconstitucionalidade deve ser aplicada? O sistema está preparado
para esta análise?
Por questões metodológicas e como delimitação do objeto, res-
tringiremos nossas investigações ao controle concentrado de
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constitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal regido
pela Lei no 9.868/1998.
3.1.
Controle de constitucionalidade: breve contexto
histórico
Apesar da visão luhmanniana de que legislação não signif‌ica
aplicação do direito”248, concordamos com HANS KELSEN quando
af‌irma que no ciclo de positivação normativa a criação da lei é ao
mesmo tempo ato de aplicação da Constituição, que lhe f‌ixa a forma
e os limites materiais.249
A visão luhmanniana justif‌ica-se pela concepção do legislador
como um decisor com âmbito de liberdade de escolha atrelada aos f‌ins
(programação f‌inalística) “a não ser na forma negativa de uma exclusão
constitucional de possibilidades”.250
A Constituição atuaria como um limite à atuação do legislador e
não como sua autorização para produção normativa.
Preferimos a perspectiva kelseniana porque por maior que seja
a liberdade de decisão do legislador ele sempre estará condicionado à
observância dos requisitos formais, materiais e temporais postos na
Constituição, principalmente em nosso país que adota uma Carta
analítica.
Neste contexto, o controle de constitucionalidade das normas
surge como um instrumento de validação e controle da aplicação da
Constituição, ou seja, uma garantia de sua supremacia.
Sem o controle de constitucionalidade, normas inferiores pode-
riam contradizer seus dispositivos e permanecer em vigor o que jogaria
por terra a força normativa da Constituição, transformando-a em uma
carta de intenções inútil.
Ademais, como o processo legislativo (ordinário) exige a maioria,
248. NIKLAS LUHMANN. Sociologia do Direito II, p. 42.
249. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 148.
250. NIKLAS LUHMANN, ob. cit., p. 41.
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O FUNDAMENTO FÁTICO DE VALIDADE DAS CIDES
E O CONTROLE CONCENTRADO DE SUA CONSTITUCIONALIDADE
o controle da constitucionalidade é em muitos casos o único instru-
mento de que dispõem as minorias, vencidas no processo legislativo,
para fazer valer a força da Constituição.
Em nosso país, conforme se depreende dos arts. 97, 102, III, “b”
e “c”, e arts. 102, I, “a”, § 2º, 103, a Constituição de 1988 adotou sistema
jurisdicional misto, ou seja, os juízes e tribunais judiciais podem apre-
ciar a constitucionalidade da norma frente a um caso concreto (con-
trole difuso) e o Supremo Tribunal Federal tem competência de Corte
Constitucional para julgar a ação direta de inconstitucionalidade e de
ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo fe-
deral com ef‌icácia geral e vinculante.251
O controle jurisdicional repressivo difuso tem como marco inicial
a decisão de JOHN MARSHALL proferida no julgamento pela Suprema
Corte norte-americana do caso WILLIAM MARBURY CONTRA
JAMES MADISON, na sessão realizada em fevereiro de
1803:
251. Registramos que há uma possibilidade de controle repressivo “políti-
co” de constitucionalidade, realizado pelo Legislativo com amparo no art.
49, V da Constituição que outorga ao Senado Federal competência para
“sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regu-
lamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Além desta possibilidade,
ALEXANDRE DE MORAES qualif‌ica a rejeição de medida provisória pelo
Congresso Nacional por motivo de inconstitucionalidade como espécie de
controle repressivo realizado pelo Legislativo (“...enquanto espécie norma-
tiva, a medida provisória, uma vez editada, está perfeita e acabada, já tendo
ingressado no ordenamento jurídico com força de lei independentemente de
sua natureza temporária. Assim, o fato de o Congresso Nacional rejeitá-la,
impedindo que converta-a em lei, ou mesmo que fosse reeditada por ausência
de deliberação, em face da f‌lagrante inconstitucionalidade, consubstancia-se
em controle repressivo.” Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Editora
Atlas, 2003, p. 586) contudo, preferimos não atribuir-lhe esta característica,
porque ocorrida no curso do processo legislativo da medida provisória. A
“não conversão” ou a “rejeição” não implicam em declaração de inconsti-
tucionalidade da medida provisória, ainda que motivadas por tal vício. Em
reforço, e não como argumento principal, argumentamos que o ato legisla-
tivo (ou a omissão) que produz tal efeito tem ef‌icácia ex nunc com a possibi-
lidade, prevista na própria Constituição, de que as normas da medida pro-
visória rejeitada continuem produzindo efeitos para as “relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência” (art. 62,
§ 11, da CF/88).
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