Os Fatos (ser) e o Direito (dever-ser) O fato jurídico, o fato jurídico tributário e o fato motivador

AutorAldo de Paula Junior
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Páginas1-38
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1. Os fatos (ser) e o direito (dever-ser)
O fato jurídico, o fato jurídico tributário e o fato
motivador
1.1.
Fato e evento
A realidade social é um fenômeno complexo e inf‌inito que é
apreendido pelo sujeito cognoscente de forma fracionada com as li-
mitações postas por sua linguagem e pela que constitui o próprio
objeto.4
PAULO DE BARROS CARVALHO aponta que “a Semiótica
avança no sentido de aprofundar a relação entre o sujeito do conheci-
mento e o objeto que pretende conhecer”5 e o conhecimento atinge o
objeto dinâmico por meio do objeto imediato:
o objeto dinâmico tem autonomia enquanto o imediato só
existe dentro do signo. Mas, uma vez que não temos acesso
ao objeto dinâmico a não ser pela mediação do signo, que é
o objeto imediato, de fato, aquele que está dentro do signo,
4. Tomamos aqui os fatos sociais como objetos por questões metodológi-
cas e para f‌ins de análise jurídico-normativa, conforme apontado por MI-
GUEL REALE: “[Duguit concorda com Durkheim] quanto à primeira parte
de seus trabalhos, ou seja, no plano metodológico, ao lembrar que os fatos
sociais devem ser estudados como se fossem coisas” [...] “apesar de não ser
possível confundir, ressalva ele, os fatos sociais com os fatos físicos ou bioló-
gicos.” (Filosof‌ia do Direito, pp. 440 e 442).
5. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 8ª Ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2010, p. 146.
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que nos apresenta o objeto dinâmico. Este, por não caber
dentro de um só signo, pode ser representado de inf‌initas
maneiras, através dos mais diversos tipos de signos, indivi-
dualmente considerados, representariam apenas algumas
delas.6
O conhecimento dos fatos, neste sentido, também é instrumen-
talizado pela linguagem e pode ser desmembrado em objeto dinâmico
e o objeto imediato.
Os fatos como objetos imediatos representam acontecimentos,
situações, estados e relações ocorridos na natureza (mundo fenomê-
nico), que são os objetos dinâmicos.
PAULO DE BARROS CARVALHO apoia-se em HABERMAS
para distinguir “fatos e objetos da experiência”: “os fatos seriam os
enunciados linguísticos sobre as coisas e os acontecimentos, sobre as
pessoas e suas manifestações. Os objetos da experiência são aquilo
acerca do que fazemos afirmações, aquilo sobre que emitimos
enunciados.”7
Estes objetos da experiência são tidos como eventos8 (ainda não
relatados em linguagem).
Para o Autor, fato é enunciado protocolar que captura:
uma alteração devidamente individualizada no mundo
6. LUCIA SANTAELLA. Percepção, uma Teoria Semiótica. São Paulo: Edi-
tora Experimento, 1993, p. 48, apud PAULO DE BARROS CARVALHO.
Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 8a Ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 146.
7. PAULO DE BARROS CARVALHO. Direito Tributário: Fundamentos Jurí-
dicos da Incidência. 8a Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 139.
8. O Autor cita trecho de TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR.: “É preciso
distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por César é um even-
to. Mas ‘Cesar atravessou o Rubicão’ é um fato. Quando, pois, dizemos que
‘é um fato que César atravessou o Rubicão’ conferimos realidade ao evento.
‘Fato’ não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz
de organizar uma situação existencial como realidade.” (Introdução ao Es-
tudo do Direito, p. 245, apud PAULO DE BARROS CARVALHO, op. cit., p.
140).
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O FUNDAMENTO FÁTICO DE VALIDADE DAS CIDES
E O CONTROLE CONCENTRADO DE SUA CONSTITUCIONALIDADE
fenomênico, com a clara determinação das condições de
espaço e de tempo em que se deu a ocorrência. Articulação
de linguagem organizada assim, com esse teor de deno-
tatividade, chamaremos de fato, fato político, econômico,
biológico, psicológico, histórico, jurídico, etc.9
O fato é o evento convertido em linguagem, mas com ele não se
confunde. Aquele é a descrição deste em uma relação de compatibi-
lidade permeada pela convenção dos utentes da linguagem (verdade
por correspondência).
A verdade do fato deve ser provada, neste sentido, por qualquer
meio que permita a verif‌icação ou demonstração desta correspondên-
cia e aceitação.
O evento se perde no tempo. Não pode ser repetido ou recons-
truído. O que restam são as versões, ou os relatos em linguagem destes
eventos: os fatos.
Para PONTES DE MIRANDA:
quando se fala de fatos alude-se a algo que ocorreu, ou
ocorre, ou vai ocorrer. O mundo mesmo, em que vemos
acontecerem os fatos, é a soma de todos os fatos que ocor-
reram e o campo em que os fatos futuros se vão dar. Por
isso mesmo, só se vê o fato como novum no mundo.10
Este Autor não faz a distinção habermasiana entre fato e evento
e toma-os como sinônimos a partir de uma perspectiva clássica (on-
tológica) de mundo em que as coisas (fenômenos, circunstâncias,
estados, relações) são apreendidas pelo sujeito cognoscente em um
processo mental em que a linguagem não é um objeto em si
individualizado.
Vários autores partem desta mesma perspectiva e tomam o fato
ora como evento (acontecimento), ora como relato do evento em lin-
guagem ou a versão do evento posta pelo sujeito cognoscente.
9. PAULO DE BARROS CARVALHO, ob. cit., p. 142.
10. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Tomo I. Parte Ge-
ral. 3a Ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970, pp. 3-4.
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