Formas diversas de solução de controvérsias - uma relei- tura do sistema multiportas

AutorPriscila Alves Patah
Páginas103-129
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FORMAS DIVERSAS DE SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS UMA RELEITURA
DO SISTEMA MULTIPORTAS
A proteção do cidadão contra atos estatais ilícitos é uma das vertentes do
Estado de direito e ocorre por meio de juízes e tribunais independentes.1 Essa
independência é justicada para que o Poder Judiciário não seja ameaçado de
ser dominado, intimidado ou inuenciado por demais poderes,2 instituições ou
seja quem for.3 Aí reside uma das maiores importâncias de um Poder Judiciário
independente, isento e descongestionado, para que possa tratar de relevantes
questões jurídicas em prol do Estado democrático de direito.
Uma análise mais detalhada de origens, princípios e implementação das leis
nacionais brasileiras marca o primórdio da problemática do congestionamento de
processos judiciais. A estrutura periférica e colonial é profundamente afetada por
violentas contradições e conitos descontrolados de natureza social, econômica e
política. A ordem jurídica nacional acaba por ser muito ritualizada e dogmática,
no entanto exclui os anseios da sociedade.4
A partir da passagem de um estado liberal para um estado social, o ente es-
tatal reorganizou a sua atuação e transformou-a de um modelo passivo em uma
expressão intervencionista socialmente promovida, comprovando um conjunto
de direitos que visam claramente à satisfação das necessidades coletivas. O Estado
passou a cumprir seu papel por meio de políticas públicas que salvaguardam a
liberdade das pessoas: educação, saúde, moradia, previdência e assistência social,
trabalho etc.5
1. SARLET; MARINONI; MITIDIERO, op. cit., 2018, p. 302.
2. “A tripartição dos poderes é o que auxiliou a burguesia contra o poder do Estado, gerando a construção
do Estado-de direito, que inclui o Legislativo, Executivo e Judiciário” (ALVIM NET TO, op. cit., p. 7).
3. MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas 1787-1788. Edição
integral. Apresentação: Isaac Kramnick. Trad.: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. p. 479.
4. WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. Fundamentos de uma nova cultura do direito. 4.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 96.
5. MARQUES, Hyasmim Alves Ribeiro. Do acesso à justiça, democracia e sistema de justiça. In: PINHEI-
RO, Weider Silva (Org.). Estudos de direito notarial e registral. Goiânia: Kelps, 2020. p. 49.
SISTEMA EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA • Priscila alves Patah
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Com o fortalecimento da cidadania garantido pela Constituição, os cidadãos
brasileiros passaram a se considerar titulares de direitos. A maior conscientização
da sociedade sobre os direitos recém-adquiridos, aliada à ampliação do acesso à
justiça, tem gerado uma explosão de processos no Judiciário brasileiro, e o Poder
Judiciário não está preparado para isso.6
Nos séculos XVIII e XIX, o Judiciário se concentrou na distribuição da
justiça. Com o passar do tempo, a mediação nos Estados Unidos, a justiça comu-
nitária e a justiça do trabalho, especialmente as relações de trabalho industrial
em vários outros países, como meio de acesso à justiça, tornaram-se cada vez
mais importantes.
Em abril de 1976, a Pound Conference foi realizada, e a mediação recebeu
atenção. Na ocasião, Frank Sander, professor da Universidade de Harvard, em seu
discurso, incentivou a resolução de conitos em várias portas. As novas ideias de
Sander foram adotadas pela Suprema Corte dos Estados Unidos, seguidas por um
novo estudo cujo objetivo era encorajar as organizações a desenvolver padrões
para resolução de disputas.
A proposta do tribunal multiportas, de Sander, que no Brasil recebeu a de-
nominação de justiça multiportas, era tornar o tribunal um centro de resolução
de disputas, onde as partes interessadas receberiam, primeiro, a assistência de
um ocial responsável pela triagem de conitos e, em seguida, partiriam para o
método de resolução de disputas mais adequado para resolver problemas espe-
cícos, como mediação, conciliação, arbitragem etc.7
Em 1983, surgiu a Escola da Mediação da Faculdade de Direito de Harvard,
que incluía Frank Sander, Roger Fisher, William Ury e Lawrence Suskind. O plano
de ensino era baseado na negociação criativa e no estímulo à mediação.
É importante perceber que, nessa era de abundância de direitos e falta de
responsabilidades e obrigações, o Estado contemporâneo assumiu tantas obri-
gações que não pôde mais cumprir efetivamente muitas delas. O quadro mais
óbvio é que a sobrecarga reside na crença do monopólio do Judiciário.8 Aqui se
mostra a importância do sistema multiportas.
No Brasil, uma população de 202 milhões de habitantes tem mais de 100
milhões de processos judiciais. Na Justiça Comum de São Paulo, tramitam mais de
25 milhões de ações que ocupam mais de 50 mil servidores e 2.501 magistrados,
no Tribunal que, sem querer, é considerado o maior do planeta.9
6. PEIXOTO; AQUINO, op. cit., p. 382.
7. CABRAL, op. cit., p. 129-130.
8. NALINI, op. cit., p. 35.
9. Ibidem, p. 29-30.

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