Um novo paradigma de justiça no Brasil
Autor | Priscila Alves Patah |
Páginas | 157-186 |
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UM NOVO PARADIGMA
DE JUSTIÇA NO BRASIL
Em que pese as transformações identicadas nas ondas de acesso à justiça
por Cappelletti e Garth e, posteriormente, por Economides, as mudanças ocor-
ridas no decorrer dos anos no Brasil foram tamanhas, que cabe, neste capítulo,
um estudo condizente com um novo paradigma de acesso à justiça no Brasil.
Nota-se que as mudanças são sentidas no campo processual e também na esfera
do direito material.
A m de conferir autenticidade à armação de que há um novo paradigma
de acesso à justiça no Brasil, tal qual se propõe, justicando a pesquisa, já que
o reconhecimento da convivência dos três sistemas de acesso à justiça é parte
relevante para se cogitar um novo paradigma, precisamos compreender o que
é um paradigma.
omas Kuhn, na obra A estrutura das revoluções cientícas, dene o termo
“paradigma” como “aquilo que os membros de uma comunidade partilham” e,
inversamente, “uma comunidade cientíca consiste em homens que partilham
um paradigma”.1 Assim, é aquilo que seja uniforme aos membros de determinada
comunidade. Os paradigmas servem para xar uma interpretação capaz de incluir
ou explicar quaisquer exemplos concretos.2 É evidente que, apesar de xar uma
interpretação, nenhum “paradigma está a salvo de contestação por uma nova
interpretação que considere melhor outro paradigma e deixe aquele de lado, por
considerá-lo um equívoco”.3
O que temos proposto não está a salvo de novas considerações ou ajustes,
mas reconhecemos que há um novo modelo – sistêmico – de acesso à justiça que
tem sido seguido e, diante dessa constatação, procuramos aprimorá-lo.4
1. KUHN, omas S. A estrutura das revoluções cientícas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
p. 219.
2. DWORKIN, op. cit., p. 88.
3. Ibidem, p. 89.
4. A presente tese não é um ponto nal, mas um início: “Quando um novo candidato a paradigma é
proposto pela primeira vez, muito dicilmente resolve mais do que alguns dos problemas com os
quais se defronta e a maioria dessas soluções está longe de ser perfeita” (KUHN, op. cit., p. 196).
SISTEMA EXTRAJUDICIAL DE JUSTIÇA • Priscila alves Patah
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Para a comprovação de que se está diante de um novo paradigma de acesso
à justiça no Brasil, trataremos, na sequência, de algumas inovações relacio-
nadas à justiça jurídica, já que, conforme Kuhn, “o processo de aprendizado
de uma teoria depende do estudo das aplicações, incluindo-se aí a prática na
resolução de problemas, seja com lápis e papel, seja com instrumentos num
laboratório”.5
Importante salientar que as três ondas ainda coexistem e é essencial que
assim seja. Isso porque não há que se argumentar sobre a superação de uma
onda por outra, mas sobre a convivência de todas essas ondas com as novas que
vão surgindo, assim como as ondas do mar. Uma onda reverbera em outra, que
reete sua energia em atividade na próxima, cada qual tratando de sua zona de
atuação, sem, no entanto, deixar de atingir a próxima. E, assim, seguem harmo-
nicamente convivendo, pois não há oposição entre elas, que avançam sempre na
mesma direção, qual o avanço do acesso à justiça. Contudo, as ondas precisam
avançar. O que foi pensado há quarenta anos deve ser recontextualizado, con-
siderando que surgiram novas peças para contribuir com o avanço das ondas e
dos sistemas de justiça.
A seguir, passaremos a identicar os elementos que apontam haver uma
mudança de paradigma do acesso à justiça no Brasil. Foram selecionados alguns
indicadores de mudança que reetem no acesso à justiça, sem, contudo, esgotar
as possibilidades no presente estudo.
7.1 UM NOVO CONCEITO DE JUSTIÇA
O acesso à justiça teve início no epicentro do Poder Judiciário, mas aos
poucos foi suplantando-o. A mud ança no conceito de justiça, quando tomamos
por base o acesso à justiça, se verica por diversos panoramas. É marcada pelo
acesso digital, pela inteligência articial, pela jurimetria, sendo possível já vericar
questões relacionadas ao metaverso;6 pela desjudicialização e extrajudicialização,
da qual fazem parte as serventias extrajudiciais; pela relevância dos direitos dos
animais, da fraternidade, da busca do legislador por outros meios de solução de
5. Ibidem, p. 71.
6. “Metaverso é expressão que traz consigo algo não imaginado pelo mais comum dos seres humanos. É
palavra que indica conteúdo além da internet conhecida e das suas cotidianas possibilidades. Propõe-se
uma grande revolução tecnológica, pela qual estaremos dentro do conteúdo consumido, algo como
estar dentro da estória do livro, interagindo com os personagens, como avatares ali posicionados,
presenciando o amor de Romeu e Julieta, o desenrolar de Vinte Mil Léguas Submarinas e as angústias
narradas por Victor Hugo em Os Miseráveis” (DEVISATE, Rogério Reis. Metaverso nega o verso:
poder sem igual. 2021. Disponível em: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1673/metaverso-ne-
ga-o-verso-poder-sem-igual. Acesso em: 23 nov. 2021.
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