Fundamento dos direitos humanos

AutorJosé Claudio Monteiro De Brito Filho
Páginas43-50

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Como dito no capítulo anterior, tomo a dignidade da pessoa humana como o fundamento dos Direitos Humanos. Nesse sentido, acredito que, tanto a existência dos Direitos Humanos, como a definição dos direitos que vão compor esse conjunto são decorrência dela, da dignidade. Necessário, então, traçar algumas linhas a respeito.

Para iniciar, devo, desde logo, expor brevemente e rechaçar a ideia esposada por Norberto Bobbio, da impossibilidade de se ter um fundamento absoluto para os Direitos Humanos. O autor, para contrariar a ideia de um fundamento para os Direitos Humanos, vai levantar três dificuldades: de ser a expressão Direitos Humanos muito vaga; de serem os Direitos Humanos uma classe variável, além de heterogênea; e, por fim, de revelarem “uma antinomia entre os direitos invocados pelas mesmas pessoas”3.

Por esses motivos acredita Bobbio que, ao contrário de um fundamento, é possível identificar diversos fundamentos e que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”4 (destaques do autor).

Fazendo, desde logo, alguns comentários a respeito das dificuldades levantadas por Bobbio, é possível dizer que Direitos Humanos só é expressão vaga quando não se

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tem uma base para sua identificação. A dignidade é essa base e, no momento em que ela é identificada, é possível, com clareza, identificar o conteúdo dos Direitos Humanos.

Quanto a ser classe variável, heterogênea e capaz de revelar antinomias, é possível dizer que sua variabilidade, nos termos expostos por Bobbio, que decorreriam da historicidade dos Direitos Humanos, não milita contra a ideia de um fundamento absoluto, pois, embora as transformações históricas tenham o condão de gerar novos direitos que podem ser definidos como Direitos Humanos, isso não desnatura o fato de que há um fundamento único e maior para todo esse reconhecimento; apenas impõe um reconhecimento de outra ordem: o de que a evolução dos seres humanos é geradora de novos anseios e que alguns deles, em dado momento, podem vir a ser considerados essenciais aos indivíduos.

Isso, aliás, nada mais é do que o reconhecimento da complexidade das necessidades humanas, até das mais básicas, pelo que são múltiplos os direitos que devem ser reconhecidos para sua satisfação. Caso se queira entender isso como heterogeneidade, então os Direitos Humanos são heterogêneos, mas ainda assim podem ser reconhecidos como derivados de único fundamento.

Por fim, afirma Bobbio que os direitos “são antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não pode proceder paralelamente”, usando como argumento para tal o fato de existirem, ao mesmo tempo, direitos individuais, que chama de liberdades, e direitos sociais, que denomina poderes5.

Acredito que é perfeitamente possível – além de ser necessário, como será visto no capítulo seguinte – a existência dos direitos de liberdade, ao mesmo tempo que os decorrentes da ideia de igualdade. É até possível que, no caso concreto, em determinadas circunstâncias surjam conflitos entre os diversos direitos, como poderia ocorrer, também, entre dois direitos de liberdade, ou entre dois direitos de justiça. Imagine-se, por exemplo, a convivência sempre sujeita a atritos do direito à livre manifestação do pensamento com o direito à intimidade. Isso, entretanto, é, apenas, como dissemos antes, o reconhecimento da complexidade e da extensão dos Direitos Humanos, não impedindo que, ainda assim, se considere que todos eles decorrem de único fundamento.

Por essas razões, acredito perfeitamente possível a existência de um fundamento único para os Direitos Humanos. É preciso, todavia, indicar qual a razão da opção pela dignidade.

Aqui sigo, entre outros, o pensamento de Fábio Konder Comparato, para quem o valor do direito decorre daquele que o criou, o homem. Para o autor, então, o fundamento não pode ser outro que não o próprio homem, “considerado em sua dignidade substancial de pessoa”6.

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Nesse sentido, é o fato de ser o homem dotado de dignidade ou, como diz Comparato, “um ser cujo valor ético é superior a todos os demais no mundo”7,

que impõe para si um mínimo de direitos. Natural, então, que a dignidade seja considerada o fundamento base.

Mas em que consiste a dignidade?

Como a maioria dos autores há de concordar, não é simples reduzir em palavras o significado da dignidade da pessoa humana. Como tantos outros conceitos, parece ser mais fácil identificar o que atenta contra a dignidade do que identificá-la em si mesma.

Opto aqui, todavia, fugindo da tentação de usar desse expediente, ou seja, de definir de forma inversa, por registrar definição que, em meu entender, exprime de forma completa a ideia de dignidade da pessoa humana. É a apresentada por Ingo Wolfgang Sarlet, para quem dignidade é:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos8.

Essa definição traz os elementos indispensáveis para que se possa considerar o que é a dignidade. Devo voltar, todavia, para uma dúvida anterior, ainda não totalmente satisfeita: por que deve ser ela considerada, usando novamente as palavras de Comparato, a razão justificadora9 dos Direitos Humanos? Deve ser assim considerada, como se depreende do uso que fiz das lições de Comparato, porque ela é o traço distintivo entre o homem e os demais seres vivos.

E aí...

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