Guarda compartilhada da constituição: cumprindo a promessa do constitucionalismo democrático?

AutorAna Cristina Melo De Pontes Botelho
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade de Brasília/UnB
Páginas187-280
CAPÍTULO 4
GUARDA COMPARTILHADA DA
CONSTITUIÇÃO: CUMPRINDO A PROMESSA DO
CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO?
In this way, the juris tis elevated to the position of an all-powerful agent
charged with operating as the loyal médium of the Volksgeist. As such, the
jurist is the ultimate agent of the Great Alliance, and his expert discourse
speaks to the people in the name of its own true spirit. (...) Hence, from
the jurist’s delity to his mission as custodian and voice of the Volksgeist, as
custus constitutiones of the form of collective life, emerges the authority and
mandate of his science. (...) the juris tis expected to have a double set of skills.
First, he is to be a skilled historian; second, an undefeatable and indefati-
gable rationalizer of the living elements of his legal tradition.us, reason
and history converge in the very consciousness of the privileged cognitive
agent. e mind of the juris tis thus the rst locus of the fusion between
historicism and rationalism, and it is there that the possibility of a ratio-
nalizing, and therefore a legitimizing, discourse of the social and cultural
establishment begins to materialize. (grifamos) (BARROZO, 2015, p. 265)
4.1 Considerações iniciais
Jeremy Waldron mostra, em suas obras, grande preocupação com a ti-
tularidade conferida às Supremas Cortes de dar a “última palavra” acerca dos
inevitáveis desacordos sobre os direitos. Os títulos das obras de Waldron, por
exemplo, como “Law and disagreement”, “Judicial review and the conditions
of democracy”, “e core of the case against judicial review”, fornecem-nos a
perfeita dimensão de que a reexão crítica tem por base uma ideia marcante de
democracia e, nesse sentido, de que o fórum para a tomada de decisões sociais,
quando há desacordo, é o Parlamento, instituição que detém a representativi-
dade das mais divergentes vozes da comunidade.
Em uma visão conante acerca da autonomia dos cidadãos, Waldron ad-
verte-nos que a desconança dos concidadãos “does not t particularly well with
the aura of autonomy and responsibility that is conveyed by the substance of
rights that are being entrenched in this way”206 (WALDRON, 1999a, p. 222). A
conança também se traduz nas seguintes palavras: “it is precisely because I see
206
Tradução livre: “não se encaixa muito bem com a aura de autonomia e responsabilidade que
é transmitida pela substância dos direitos que estão sendo entrincheirados desta maneira.
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Ana Cristina Melo de Pontes Botelho
each person as a potential moral agent, endowed with dignity and autonomy,
that I am willing to entrust to the masses the burden of self-government”207
(WALDRON, 1999a, p. 223).
O autor assume que os indivíduos são conáveis tanto como detentores de
direitos quanto para assumir responsabilidades políticas. Em outras palavras, a
facilidade das pessoas na arena da política democrática não deve ser vista sob
um prisma predatório da natureza humana, tampouco pessimista. Assim, pode-
mos ver que há pontos favoráveis e desfavoráveis para o exercício da democracia
deliberativa, os quais, obviamente, variam de acordo com o grau de organização,
maturidade e conabilidade das instituições deliberativas.
Mark Tushnet, num pensamento teórico semelhante, mostra-se radical
em sua obra intitulada “Taking the Constitution Away from the Courts”. Suas
críticas têm como referência as tradições americanas do judicial review, que
permitem que os juízes dos Estados Unidos invalidem ações governamentais
inconstitucionais. Ele insiste que se criou um direito constitucional “populista”,
em que as declarações judiciais não merecem consideração especial, e adverte
que devemos buscar interpretações razoáveis da “Constituição na”208. A par-
tir de exemplos práticos da vida política e social americana, assinala que por
causa da existência de revisão judicial muitos erros ocorreram e que, nesse
contexto, nem o povo nem os seus representantes se sentiram competentes
para fazer cumprir a Constituição.
Ran Hirschl, ao analisar “e new constitutionalism and the judiciali-
zation of pure politics in the world, ressalta que o mundo testemunhou, nas
últimas décadas, uma profunda transferência de poder das instituições repre-
sentativas para os tribunais, acentuando que até mesmo países como o Cana-
dá, Israel, Reino Unido, Nova Zelândia, reconhecidos pela permanência no
modelo de supremacia parlamentar, ao estilo Westminster209, terminaram se
rendendo ao conceito de supremacia constitucional (HIRSCHL, 2006, p. 139).
207 Tradução livre: “é precisamente porque vejo cada pessoa como um potencial agente
moral, dotado de dignidade e autonomia, que estou disposto a conar às massas o fardo
do autogoverno”.
208 A denição de “Constituição na” foi explicitada no Capítulo 2, item 2.3.
209 O modelo Westminster de Constitucionalismo baseia-se na supremacia parlamentar,
na qual as legislaturas, democraticamente eleitas, têm um poder irrestrito de repres en-
tar a vontade da maioria, com forte base em pressupostos culturais. Esses pressupostos
podem ser não escritos, como acontece na Grã-Bretanha, ou podem ser escritos em
uma Constituição e irão servir como ponto de referência para um debate político sobre
se uma proposta especíca é ou não consistente com os pressup ostos culturais.
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Guarda Compartilhada da Constituição
Nesse sentido, esses países têm se deparado com a realidade de tudo re-
querer a intervenção dos tribunais, como, por exemplo, questões relacionadas
a dilemas morais e a políticas públicas. Destarte, Hirschl chama a atenção para
o fato de que nos Estados Unidos, onde o controle de constitucionalidade já
atingiu o bicentenário, a elaboração de polít icas públicas210 é uma re alidade in-
contestável. Mas, para ele, a imp or tância política dos tribunais vai muito além
da elaboração de políticas públicas, pois a “judicialização da política agora in-
clui a transferência massiva, para os tribunais, de algumas das mais centrais e
polêmicas controvérsias políticas em que uma democracia pode se envolver
(2006, p. 140). Ou seja, “problemas constitucionais”, das mais diversas ordens,
são alvo de decisões judiciais, cedo ou tarde (HIRSCHL, 2006, p. 141).
Robert M. Cover, em artigo intitulado “e Origins of Judicial Activism
in the Protection of Minorities” ressaltou que a deslegitimação das cortes su-
premas está correlacionada com a superioridade democrática, que é represen-
tada pelo Legislativo. Nesses termos, os mecanismos de escolha democráti-
ca se sobressaem em relação à imposição de teorias de direitos substantivos
(COVER, 1982, p. 1287). Apontou, ainda, que o majoritarismo defendido por
Brandeis, Stone e Holmes persistiu nos anos 1930, do New Dea l de Roosevelt,
e estava no coração da crítica do negócio da Suprema Corte. Esta deveria justi-
car os resultados gerados pelos sistemas político e social e reconciliá-los com
os primeiros princípios da estrutura política.
Robert A. Dahl, ao estudar a Suprema Corte como instituição nacional
de tomada de decisão política num contexto democrático, acentuou que em
167 anos, em setenta e oito casos, a Corte derrubou oitenta e seis diferentes
disposições de lei federal como inconstitucionais, mas objetou se em todos
ou em grande parte dos casos a Corte, de fato, estava defendendo os direitos
de minorias contra maiorias tirânicas.211 Logo em seguida, tentando formular
resposta à própria indagação colocou que:
210 Um trabalho de referência com relação a esse tema foi desenvolvido por Malcolm M.
Feeley & Edward L. Rubin. O livro intitulado “Judicial Policy Making and the Modern
State: How the Courts Reformed America’s Prisons” (1998), mostra, em detalhes, o
desenrolar das profundas intervenções do Judiciário com relação às políticas públicas
relacionadas com o sistema penitenciário americano.
211 Habermas coloca que: “Em geral, as decisões da maioria são limitadas por meio de
uma proteção dos direitos fundamentais das minorias; pois os cidadãos, no exercício
de sua autonomia política, não podem ir contra o sistema de direitos que constitui essa
mesma autonomia. Quando se trata de compromissos, a regra da maioria desempenha
um outro papel, em negociações, os resultados das votações fornecem indicadores para
uma distribuição de poder, dada num certo contexto” (HABERMAS, 2003, p. 224).

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