Judicial review e seus novos paradigmas

AutorAna Cristina Melo De Pontes Botelho
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade de Brasília/UnB
Páginas145-185
CAPÍTULO 3
JUDICIAL REVIEW E SEUS NOVOS PARADIGMAS
Constitutional supremacy – a concept that has long been a major pillar of
American political order – is now shared, in one form or another, by more
than 100 countries across the globe. Numerous postauthoritarian regimes
is the former Eastern Bloc, Latin America, Asia, and Africa were quick to
endorse principles of modern constitutionalism upon their transition to
democracy. From Germany and Spain to Russia and Turkey, constitutional
courts throughout Europe have started to play an important role in transla-
ting constitutional provisions into practical guidelines for use in public life.
(...) Even such countries as Britain, Canada, Israel and New Zealand – not
long go described as the last bastions of Westminister-style parliamentary so-
vereignty – have rapidly joined the global trend toward constitutionalization.
Most of these countries also have a recently adopted constitution, or have
undergone a constitutional revision to incorporate a bill of rights and intro-
duce some form of active judicial review. (HIRSCHL, 2008, p. 1) (grifamos)
3.1 Considerações iniciais
Após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, muitas delas cometi-
das em nome da defesa das maiorias, a tendência das novas constituições foi
positivar direitos fundamentais, o que, naturalmente, incrementou as compe-
tências do Judiciário, fortaleceu o papel contramajoritário dos tribunais cons-
titucionais e reforçou a necessária e imprescindível defesa das minorias.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro ganhou força no segundo pós-guer-
ra com a Constituição de 1946, em seguida perdeu prestígio e independência no
contexto histórico-político ditatorial (1964-1985), mas ressurgiu das cinzas com
a redemocratização e com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
É interessante repisar que a Suprema Corte não só ressurgiu das cinzas,
como também tornou-se um superpoder que exerce suas competências, não
raro, de forma ilimitada e avança, por conseguinte, nas competências dos ou-
tros poderes, sendo, com frequência, muito criticada por isso.
Importa destacar, nesse ponto, que a professora alemã, Ingeborg Maus,
uma das mais importantes estudiosas da Teoria da Democracia na atualidade,
tomando por base o contexto alemão, em artigo denominado “Judiciário como
Superego da Sociedade”, parte da noção de imago paterna para destacar o pa-
pel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. Acentua que:
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Ana Cristina Melo de Pontes Botelho
Nos estímulos sociais a uma Justiça pronta para expandir seu âmbito de
ação encerra-se o círculo da delegação coletiva do superego da sociedade.
(...)
A ascensão do TFC à condição de censor ilimitado do legislador ocorre
por meio do mecanismo acima descrito por Luhmann. Assediado ilimi-
tadamente pelas oposições do momento, e em especial sobrecarregado de
queixas constitucionais (Verfassungsbeschwerde), o TFC procede à sua au-
to-reprodução e gerencia uma ‘mais-valia’ que de longe supera suas vastas
competências constitucionais. Sobretudo no início de sua jurisprudência o
TFC ocupou-se, nos conitos que lhe foram apresentados, com a denição
de seus próprios limites. Questões de pouca importância relativa, como
a sincronização dos períodos de legislatura na construção do Estado ale-
mão-ocidental, motivaram o Tribunal a discutir sua própria competência
e métodos de interpretação constitucional. O TFC armou então austera-
mente que seus parâmetros de controle de constitucionalidade das leis (ou
controle de atos constitucionais relevantes) não deveriam ser pautados pela
Constituição vigente, podendo ultrapassar os seus horizontes. (MAUS, 2000,
p. 191) (grifamos)
Noutros termos, a “competência” do Tribunal Federal Constitucional –
TFC alemão – não deriva, totalmente, da Constituição, pois a armação de
princípios suprapositivos por ele conrmados, libera-o de vinculações estrei-
tas às regras constitucionais. Essa é, segundo a compreensão da autora, uma
forma de o TFC disfarçar seu decisionismo sob o manto de uma ordem de
valores submetida à Constituição (MAUS, 2000, p. 192).
Num tom crítico, a autora destaca que a “apropriação da persecução de
interesses sociais, de processos de formação da vontade política e dos discur-
sos morais por parte da mais alta corte é alcançada mediante uma profunda
transformação do conceito de Constituição. Aduz que, diferentemente dos
tempos de fundamentação racional-jusnaturalista da democracia, a Carta
Magna passou a ser utilizada como um texto fundamental a partir do qual os
“sábios” deduzem valores e comportamentos corretos. Percebe, ainda, que o
TFC atua menos como “Guardião da Constituição” do que como órgão que
busca manter sua própria história jurisprudencial.
No Brasil, esse superpoder do “Guardião da Constituição” não é diferente
e tem sido incrementado, ao longo dos anos, pela assunção de uma postura cada
vez mais ativista por parte do Supremo Tribunal Federal. Não podemos deixar
de levar em consideração, nesse cenário, que a política é o espaço para que o de-
sejo da maioria possa ser expressado e que o Direito é o espaço da razão pública.
Nesses termos, se por um lado, muitas vezes, a Suprema Corte brasileira
é vista como a “salvadora da pátria, pois decide questões polêmicas de direitos
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Guarda Compartilhada da Constituição
fundamentais de minorias que dicilmente teriam solução no âmbito do Le-
gislativo, devido a diculdade política de obter consenso em questões que di-
videm a opinião pública como aborto, união homoafetiva, suicídio assistido
e pesquisa com células-tronco embrionárias; por outro lado é vista como “vi-
lã” 163, vez que não demarca a necessária separação entre direito e política, o
que interfere na separação de poderes e levanta importantes questões sobre: a
legitimação democrática da Corte; o descumprimento da importante missão
de proteger as regras do jogo democrático; a tirania da Corte ao decidir sobre
questões políticas majoritárias.
A tirania164 é sempre considerada perniciosa e motiva a inquietação dos
163 Importa destacar, nesse ponto, que o Professor de Direito Constitucional da USP, Con-
rado Hübner Mendes, publicou em 28 de janeiro de 2018, no jornal Folha de São Pau-
lo, duras críticas ao STF, acentuando que, na prática, os Ministros do STF agridem a
democracia. Armou que a Corte passou de poder moderador a poder tensionador,
entrando numa espécie de aspiral de autodegradação. Após enumerar uma lista de per-
guntas para a Corte que não querem calar, destacou que as respostas estão mais rela-
cionadas com as inclinações políticas que propriamente com o Direito e a Constituição.
Em relação ao choque com a realidade, pontuou que: “A separação dos poderes con-
feriu um lugar peculiar ao Supremo. O Parlamento é eleito, o STF não. O parlamentar
pode ser cobrado e punido por seus eleitores, os ministros do STF não. O Presidente
da República é eleito e costuma ser o primeiro alvo das ruas, os membros do STF estão
longe disso. A Corte Suprema tem o poder de revogar decisões de representantes elei-
tos. É um Tribunal que se autorregula e não responde a ninguém. O que justica tanto
poder e a imunização contra canais democráticos de controle?” (Disponível em: http://
www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/01/1953534-em-espiral-de-autodegradacao
-stf-virou-poder-tensionador-diz-professor.shtml. Acesso em: 20 mar. 2018).
Em resposta, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, rebate as
críticas frisando que mesmo não escapando de todas as armadilhas do passado, o STF
tem prestado bons serviços à estabilidade institucional e ao avanço social no país, prote-
gendo as regras do jogo democrático e assegurando o respeito aos direitos fundamentais.
Enfatizou que: “todas as instituições democráticas estão sujeitas à crítica pública e devem
ter a humildade de levá-la em conta, repensando-se onde couber (…) Muitas das críticas
institucionais, no entanto, são injustas. As instituições são como auto-estradas: passam
por inúmeros lugares e tocam a vida de muitas pessoas. Se alguém fotografar apenas
os acidentes de percurso, transmitirá uma imagem distorcida do que elas representam”
(Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/02/em-artigo-minis-
tro-do-supremo-rebate-criticas-feitas-ao-tribunal.shtml. Acesso em: 20 mar. 2018).
164 Em interessante texto denominado “Tyrannophobia, Eric Posner e Adrian Vermeule
destacam que: “Tyranny looms large in the American political imagination. For the
framers of the Constitution, Caesar, Cromwell, James II, and George III were anti-mo-
dels; for the current generation, Hitler takes pride of place, followed by Stalin, Mao,
and a horde of tyrants both historical and literary. Students read 1984 and animal farm
and relax by watching Chancellor Palpatine seize imperial power. Unsurprisingly,

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