Judicial review no constitucionalismo democrático

AutorAna Cristina Melo De Pontes Botelho
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade de Brasília/UnB
Páginas79-143
CAPÍTULO 2
JUDICIAL REVIEW NO CONSTITUCIONALISMO
DEMOCRÁTICO
Constitutional supremacy – a concept that has long been a major pillar of
American political order – is now shared, in one form or another, by more
than 100 countries across the globe. Numerous postauthoritarian regimes
is the former Eastern Bloc, Latin America, Asia, and Africa were quick
to endorse principles of modern constitutionalism upon their transition
to democracy. From Germany and Spain to Russia and Turkey, constitu-
tional courts through out Europe have started to play an important role
in translating constitutional provisions into practical guidelines for use in
public life. […] Even such countries as Britain, Canada, Israel and New
Zealand – not long go described as the last bastions of Westminister-style
parliamentary sovereignty – have rapidly joined the global trend toward
constitutionalization. Most of these countries also have a recently adopted
constitution, or have undergone a constitutional revision to incorporate a
bill of rights and introduce some form of active judicial review. (HIRSCHL,
2008, p. 1)
2.1 Considerações iniciais
Hamilton, em “Federalist 78”, já argumentava a favor do judicial review,
ressaltando que além de representar uma excelente barreira contra invasões e
opressões do órgão representativo, garantia uma observância direta e impar-
cial sobre as leis. Ao comparar o Judiciário com os outros poderes constituí-
dos, frisou que o Judiciário seria o menos perigoso dos poderes, no sentido de
garantir a observância dos direitos políticos contidos na Constituição e não
representar uma ameaça para a liberdade das pessoas.
Destacou, pois, a importância do Judiciário na construção do equilíbrio
entre os poderes e que as suas competências deveriam ser desenvolvidas de
forma independente dos demais poderes, a m de evitar invasões e opressões
não desejáveis ao exercício de seu mister. Assim, acentuou que:
Nor does this conclusion by any means suppose a superiority of the judi-
cial to the legislative power. It only supposes that the power of the peo-
ple is superior to both; and that where the will of the legislature, declared
in its statutes, stands in opposition to that of the people, declared in the
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Ana Cristina Melo de Pontes Botelho
Constitution, the judges ought to be governed by the latter rather than the
former. ey ought to regulate their decisions by the fundamental laws,
rather than by those which are not fundamental.76 (HAMILTON, 1788)
Em “Federalist 81”, Hamilton frisou que “Wherever there is an eviden-
te opposition, the laws ought to give place to the Constitution”77. Em outras
palavras, ele quis dizer que ao interpretar as regras constitucionais, os juízes
podem impor seus pontos de vista para as legislaturas, pois têm o poder de
derrubar leis inconstitucionais. E continuou armando que essas decisões têm
o caráter de denitividade, pois “legislature, without exceeding its province,
cannot reverse a determination, once made in a particular case”78. As Cortes
são os fóruns adequados para a tarefa de interpretar a Constituição, o que não
afasta a necessidade de que os Poderes Executivo e Legislativo, no exercício de
suas missões institucionais, também a interpretem.
No contexto do constitucionalismo democrático americano, é impor-
tante rememorar que o primeiro caso em que a Suprema Corte declarou
um ato inconstitucional ocorreu quando do julgamento do conhecido caso
Marbur y v. Madison79 (WOLFE, 1994, p. 80-81).
76 Tradução livre: “Essa conclusão não supõe, de modo algum, uma superioridade do
Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo. Apenas quer mostrar que o poder do povo
é superior a ambos; assim, onde a vontade da legislatura, declarada nos seus estatutos,
se opõe à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem se guiar por esta última,
e não pela primeira. Eles devem regular suas decisões com base nas leis fundamentais,
e não por estatutos que não são fundamentais.
77 Tradução livre: “Onde quer que haja uma oposição evidente, as leis devem dar lugar à
Constituição”.
78 Tradução livre: “O Legislativo, sem exceder sua competência, não pode reverter uma
determinação, quando ela é feita em um caso particular”.
79 O primeiro caso em que a Suprema Corte declarou nula, em sede de controle difuso,
uma lei, por contrariar a Constituição, foi o caso Marbury v. Madis on. John Adams fez
várias nomeações “na calada da noite” de juízes de paz do Distrito de Columbia (entre
eles encontrava-se William Marbury), as quais foram aprovadas pelo Senado. O Secre-
tário de Justiça de Adams, John Marshall, não entregou o diploma de nomeação em
razão do curto tempo. Quando a nova administração republicana de omas Jeerson
assumiu o poder, James Madison, o novo secretário de Estado, negou-se a intitular
Marbury. Este, apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte para exigir
a entrega do diploma. John Marshall, Presidente da Suprema Corte, escreveu a opinião
unânime da Corte, que concluiu que a lei federal que dava competência originária à
Suprema Corte para emitir mandamus em tais casos contrariava a Constituição Federal
que só lhe reconhecia competência de apelação nos casos não indicados por ela mesma,
como de competência originária. Como a lei que dava competência a Suprema Corte
era inconstitucional, não cabia à Suprema Corte decidir o pedido do mandamus.
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Guarda Compartilhada da Constituição
A partir da decisão paradigmática mencionada no parágrafo retro, cada
vez mais observamos, em um nível global, a importância do judicial review, vez
que as constituições são instrumentos extremamente importantes para efetivar
a democracia, não havendo como desvincular o constitucionalismo e a revisão
judicial da ideia de dar concretude aos compromissos democráticos. Pesquisa
efetuada por David S. Law e Mila Versteeg, denominada “Evolução e ideologia
do constitucionalismo global”, mostra que nas últimas seis décadas, várias ten-
dências constitucionais podem ser percebidas mundialmente, mas uma delas é
quase unânime, qual seja: a revisão judicial. Dessa maneira, destacaram:
In 1946, only 25% of countries had some form of judicial review explici-
tly entrenched in their respective constitutions; by 2006, that proportion
has increased to 82%. is measure excludes countries such as the United
States that have adopted judicial review in the absence of an explicit cons-
titutional mandate. Accordingly, we constructed a second variable that
captures the existence of judicial review via either explicit constitutional
mandate or actual practice. is measure is the uppermost dotted line in
Figure 6. Not surprisingly, this combined measure of de jure and de facto
judicial review shows sharp growth that roughly parallels that of the exclu-
sively de jure measure. In 1946, only 35% of countries had either de jure or
de facto judicial review; by 2006, about 87% did. e dierence between
the two indicators is both small and diminishing slightly over time, which
means that judicial review is generally, and increasingly, established by ex-
plicit constitutional provision.80 (LAW; VERSTEEG, 2011, p. 1198-1199)
Em sendo assim, considerou-se que a Constituição concede ao Presidente o poder de
nomear e comissionar ociais dos Estados Unidos. Como a única evidência da nomea-
ção é a comissão, as duas ações estão interligadas. Sem a comissão, a nomeação não
está completa e, portanto, a assinatura do presidente na comissão é a etapa nal do
processo de nomeação. O Tribunal também decidiu que, após a nomeação, os direto-
res adquiriram direitos sobre suas posições, nos termos da lei. Se esses direitos forem
negados, eles poderão buscar reparação nos tribunais. Marbury e outros procuraram
uma ação original por suas comissões na Suprema Corte. Mas o ato do Congresso que
confere essa autoridade entra em conito com o Artigo III, Seção 2 da Constituição. O
poder judicial nos Estados Unidos se estende a todos os casos previstos na Constitui-
ção e a Suprema Corte é obrigada a decidir os casos de acordo com a Constituição e
não com a lei quando há conitos. Então, se uma lei é considerada em conito com a
Constituição, então a lei é inválida. Neste caso, a Seção 13 da Lei do Judiciário contraria
a Constituição e, portanto, é nula. Assim, sem autoridade, a Suprema Corte cancelou a
reivindicação de Marbury .
80 Tradução livre: “Em 1946, apenas 25% dos países tinham algum tipo de revisão judicial,
explicitamente colocado em suas respectivas constituições; até 2006 esse percentual au-
mentou para 82%. Essa proporção exclui países como os Estados Unidos que adotaram
um tipo de revisão judicial mesmo na ausência de uma previsão constitucional explícita.

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