O incentivo ao audiovisual como poder recíproco

AutorRosana Ribeiro Felisberto
Páginas70-106
Capítulo 3
O incentivo ao audiovisual como poder
recíproco
3.1 Cultura e audiovisual
Cultura é diferente de indústria cultural.
Embora se fale em produtos culturais, a cultura não se
mercantilizou da mesma forma que Adorno e Horkheimer propõem.
Nem tudo que resulta da cultura é comercializável ou obedece aos
padrões mercadológicos para sua criação.
Fazer um filme envolve um grande número de recursos, sejam
financeiros e/ou humanos. Esse é um dos fatores que fomentam a
discussão acerca do audiovisual ser indústria cultural ou arte.
Santos (2007) alerta que o conceito de cadeia de valor da
produção é importante para o entendimento do que vem a ser
indústria cultural. Nesse sentido, diz que cadeia de valor seria a
divisão ou segmentação das atividades elementares de uma
empresa, o que permitiria um tratamento diferenciado, mais eficiente
e competitivo de cada uma das referidas atividades básicas.
Partindo da ideia de cadeia de valor, o setor do audiovisual, ou
o que se poderia chamar de indústria do audiovisual, se dividiria em
três ou quatro atividades elementares, dependendo do ponto de
vista adotado.
O relatório do European Investment Bank, citado por Santos
(2007, p.31), traria a seguinte cadeia de valor para o audiovisual:
desenvolvimento, produção, distribuição, e exibição/transporte.
Santos (2007, p.63), por sua vez, trabalha a cadeia de valor
como sendo composta por três categorias gerais, que englobam,
cada uma, um grupo de atividades elementares: produção,
distribuição e recepção.
Interessante observar que essa categorização da cadeia cultural
traz a noção de público como integrante efetivo da cadeia, diferindo
da mera distribuição, que pode ser relacionada mais com o ato do
produtor/distribuidor, relegando a segundo plano – ou a um plano
quase nulo o papel do público. A recepção, por sua vez, traz a
noção de público para dentro da cadeia de valor – mas não apenas
como receptor passivo, haja vista que, ao receber o conteúdo do
produto cultural produzido, o público também tem um papel ativo,
pois (re)interpreta o que recebe e é inclusive capaz de analisar e
(re)transmiti-lo.
O acesso aos produtos culturais oriundos do mecanismo de
incentivo é tema cada vez mais em voga nas discussões
concernentes ao tema e a própria legislação aborda-o em certa
medida. Isso porque os recursos destinados ao incentivo à cultura
são, em grande parte, recursos públicos, e a questão do acesso aos
mecanismos de incentivo e à produção cultural é cada vez mais
colocado como fator de democratização. Nesse sentido existe uma
proposta nacional em discussão para a criação de uma espécie de
“vale-cultura”, que permitiria o acesso de pessoas carentes aos
bens e produtos culturais, especialmente os realizados com o uso
dos mecanismos de incentivo.
Nesta dissertação, adota-se a cadeia de valor do audiovisual
compreendendo as seguintes atividades elementares e gerais:
desenvolvimento, produção, difusão e recepção.
Segundo o representante da Secretaria, a organização da
política cultural da SEC para o setor de audiovisual se concentra
primordialmente em três frentes em relação à produção de
audiovisual no estado: oficinas, produção e distribuição, que serão
detalhadas mais à frente.
O desenvolvimento envolve a elaboração de um projeto para a
realização de um produto audiovisual: o planejamento e a criação do
argumento e do roteiro. Cumpre ressaltar que hoje é possível
conseguir incentivo cultural para os projetos relativos ao audiovisual
abordando-se cada uma das fases gerais por vez ou projeto.
A produção seria a realização do projeto geral em si, ou seja, as
locações, filmagens, criação de trilha sonora, revelação, montagens,
etc. Enquadra-se aqui também a atividade de finalização do filme.
A difusão engloba a distribuição, a divulgação do produto e
também a sua veiculação, ainda que seja gratuita ou em festivais.
A recepção não é tratada como foco da política cultural da SEC
para o setor de audiovisual. Esse fato demonstra que o público não
é considerado como sujeito participante da produção e fruição dos
produtos culturais, o que ocorre em sentido contrário à ideia de
cidadania cultural (CHAUÍ, 2006).
A noção da divisão do tratamento da produção do audiovisual
nessas quatro fases gerais que remetem à cadeia de valor se
justifica pelo fato de ser uma atividade complexa e dispendiosa, e
pela possibilidade de cada uma das fases necessitar de um
tratamento diferenciado em relação aos mecanismos de incentivo à
cultura.
O cinema, regra geral, pode ser enquadrado no que se entende
por indústria cultural. É preciso ressaltar, contudo, que o audiovisual
é uma área que não se restringe ao cinema; portanto, nem tudo o
que é classificado como audiovisual pode ser enquadrado como
indústria cultural. E ainda há dúvidas se tudo o que se produz
enquanto cinema pode ser inserido em tal indústria.
“indústria cultural” – denominação intrinsecamente crítica, que talvez por isso
ainda não seja universalmente aceita. Tal denominação evoca a idéia,
intencionalmente polêmica, de que a cultura deixou de ser uma decorrência
espontânea da condição humana, na qual se expressam tradicionalmente, em
termos estéticos, seus anseios e projeções mais recônditos, para se tornar mais
um campo de exploração econômica, administrado de cima para baixo e voltado
apenas para os objetivos supramencionados de produzir lucros e garantir adesão
ao sistema capitalista por parte do público. (DUARTE, 2003, p.9)
A importância da cultura enquanto fator também econômico e
de desenvolvimento social é sustentada pelo Ministério da Cultura.
A Secretaria de Estado de Cultura segue a mesma linha em alguns
programas e projetos culturais, como é o caso da Minas Film

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