Mediação, famílias e dialogismo: perspectivas para a transformação de conflitos intrafamiliares

AutorRoberto Henrique Pôrto Nogueira, Karine Lemos Gomes Ribeiro e Ana Luiza Fernandes Souza
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos Belo Horizonte. Pesquisador do Núcleo de Estudos Novos Direitos e Reconhecimento - NDP-UFOP. / Mestra em Direito - Novos Direitos, Novos Sujeitos, pela Universidade Federal de Ouro Preto. Pesquisadora no Núcleo de ...
Páginas51-68
MEDIAÇÃO, FAMÍLIAS E DIALOGISMO:
PERSPECTIVAS PARA A TRANSFORMAÇÃO DE
CONFLITOS INTRAFAMILIARES
Roberto Henrique Pôrto Nogueira
Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Tributário
pela Faculdade de Direito Milton Campos Belo Horizonte. Pesquisador do Núcleo
de Estudos Novos Direitos e Reconhecimento – NDP-UFOP. Professor Associado da
Graduação em Direito e do Mestrado Acadêmico em Direito – Novos Direitos, Novos
Sujeitos da Universidade Federal de Ouro Preto. Advogado. Parte desse trabalho conta
com o apoio do Auxílio Pesquisador UFOP.
E-mail: roberto.nogueira@ufop.edu.br.
Karine Lemos Gomes Ribeiro
Mestra em Direito – Novos Direitos, Novos Sujeitos, pela Universidade Federal de
Ouro Preto. Pesquisadora no Núcleo de Estudos Novos Direitos e Reconhecimen-
to – NDP-UFOP. Assessora do MPMG pelo projeto Diálogos Comunitários. E-mail:
lemoskarine.adv@gmail.com.
Ana Luiza Fernandes Souza
Pesquisadora no Núcleo de Estudos Novos Direitos e Reconhecimento – NDP-UFOP.
Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. Diálogo e dialogismo: possíveis contribuições para autocompo-
sição de conitos – 3. Mediação de conitos – 4. Mediação transformadora e dialogismo em
relações intrafamiliares – 5. Últimas considerações – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A mediação ganha destaque como método preferível de solução de conf‌litos
em casos nos quais existe vínculo anterior entre as partes. Nas ações de direito de
família, a mediação deve, conforme a lei, promover auxílio aos interessados para a
compreensão das questões e dos interesses em conf‌lito, para que possam manifestar-
-se pelo restabelecimento da comunicação e pelo desenho de soluções consensuais
voltadas a benefícios mútuos.
Para o propósito do trabalho, parte-se do pressuposto de que a mediação, so-
bretudo quanto ao seu eventual acordo, possui natureza de negócio jurídico. Essa
visão, compatível com a mediação extrajudicial, pode ser estendida para o contexto
das ações judiciais de família, de forma a classif‌icar também as mediações judiciais
como negócios jurídicos, mesmo que elas se implementem sob supervisão. Af‌inal,
o conteúdo da mediação é composto por exteriorizações de vontade dos sujeitos de
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ROBERTO HENRIQUE NOGUEIRA, KARINE RIBEIRO E ANA LUIZA SOUZA
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direito envolvidos no procedimento, “com o intuito de dispor de situações jurídicas
pertencentes às suas esferas jurídicas”.1
Em que pese a concepção clássica do negócio jurídico enquanto constituído pela
própria declaração de vontade, que podia regrar seus próprios efeitos, é sabido que toda
conjectura negocial parte da autonomia privada, para a consecução de interesses concre-
tos próprios de quem os estabelece. Logo, o negócio jurídico constitui ato de autonomia
privada, que alberga tanto a liberdade de celebração quanto a liberdade de estipulação,
a que o Direito associa a constituição, a modif‌icação e a extinção de situações jurídicas.2
Com o f‌ito de reforçar a autenticidade dos conteúdos dos negócios jurídicos
oriundos das mediações em conf‌litos familiares, parece cabível o recurso à Análise
do Discurso (ramo da linguística que apresenta certa diversidade em seu conteúdo),
haja vista que é verossímil a possibilidade de sua contribuição para o desenho e para
a compreensão da pluralidade de perspectivas analógicas e dialógicas atinentes ao
discurso. Assim, o papel da f‌ilosof‌ia da linguagem encontra ecos em inúmeros campos
do saber, diante de sua relevância crítica e propositiva, na medida em que coloca no
centro do debate epistemológico as repercussões da dialogicidade no enfrentamento
de problemas intersubjetivos e correlacionais.
Essa contribuição teórica é especialmente sensível no campo da mediação trans-
formadora ou transformativa, que tem como uma de suas premissas o diálogo como
instrumento de transformação das relações interpessoais e de validação de sentimen-
tos em busca do consenso e da pacif‌icação. Diz-se que a mediação transformadora é
apta para o reconhecimento recíproco e o empoderamento3 das pessoas envolvidas
no conf‌lito, sendo relevante a atenção ao círculo dialógico enquanto possível potente
instrumento adjuvante para o sucesso do procedimento.
Recorta-se, para o objeto de enfrentamento, o dialogismo pela perspectiva teórica
de Mikhail Bakhtin,4 que o apresenta enquanto relacional e preeminente à linguagem.
1. TEIXEIRA, Sergio Torres; LIMA, Luís Daniel. Breves Considerações sobre a Natureza Jurídica da Mediação
Extrajudicial de Conf‌litos. Revista eletrônica de direito processual, v. 22, 2021, p. 564. No trabalho, os
autores referem-se, especialmente, à mediação extrajudicial, categorizando-a como negócio jurídico pré-
-processual.
2. CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de direito civil português: parte geral. 3. ed. Coimbra: Almedina,
2005, v. 1, p. 445.
3. Adota-se a compreensão de que empoderamento, que se constitui em “uma postura de enfrentamento da
opressão e eliminação da situação injusta e equalização de existência em sociedade.” Em uma abordagem
reformulada pelo feminismo negro, Joice Berth explica que “o conceito de empoderamento é instrumento
de emancipação política e social e não se propõe a ‘viciar’ ou criar relações paternalista, assistencialistas ou
de dependência entre indivíduos, tampouco traçar regras homogêneas de como cada um pode contribuir e
atuar para as lutas dentro dos grupos minoritários.” Ver em: BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo
Horizonte: Letramento, 2018., p. 16 e 18.
4. BAKHTIN, Mikhail M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.
Este ensaio é resultado dos debates preliminares sobre o dialogismo bakhtiniano. Desse modo, apesar de o
trabalho estar sujeito à continuidade de sua problematização e à ampla revisitação/revisão, especialmente
no que respeita à articulação da densa obra de Mikhail Bakhtin, parece relevante a presente tentativa de
percepção do contexto propício à edif‌icação de identidades em contextos relacionais familiares pela via da
mediação de conf‌litos, sob prisma do marco teórico eleito.
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