O melhor interesse da pessoa idosa e a relativa divergência do STJ em matéria de planos de saúde

AutorFabiana Rodrigues Barletta e Flávio Alves Martins
Páginas331-354
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O MELHOR INTERESSE DA PESSOA IDOSA E A
RELATIVA DIVERGÊNCIA DO STJ EM MATÉRIA
DE PLANOS DE SAÚDE1
Fabiana Rodrigues Barletta
Professora-Associada IV da Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro- UFRJ na Graduação e no Programa de Pós-Gradua-
ção em Teorias Jurídicas Contemporâneas. Possui Pós-Doutorado em Direito
do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS.
Doutora em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro PUC-Rio. Mestre em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. E-mail: fabianabarletta2@
gmail.com
Flávio Alves Martins
Professor Titular da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro- UFRJ na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em
Teorias Jurídicas Contemporâneas. Possui estágio pós-doutoral na Universi-
dade de Coimbra. Doutor em Filosoa pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ. E-mail avioamartins@direito.ufrj.br
Sumário: 1. Introdução – 2. O princípio do melhor interesse da pessoa idosa; 2.1 O subprincípio
da proteção integral à pessoa idosa; 2.2 O subprincípio da absoluta prioridade assegurada à
pessoa idosa – 3. Observações preliminares sobre posições relativamente divergentes do STJ;
3.1 Exemplos de posicionamentos favoráveis à pessoa idosa no STJ – 3.2 O posicionamento
relativamente desfavorável à pessoa idosa, comentado em partes, desde o Recurso Repetitivo
(REsp 1568244) – 4. Considerações nais.
1. INTRODUÇÃO
A pessoa idosa é hipervulnerável numa relação de consumo porque, além
de sua natural vulnerabilidade como consumidora, possui outra. A pessoa idosa
possui maiores suscetibilidades não só pelas alterações biológicas provocadas pelo
tempo. É suscetível também às mudanças no entorno social às quais necessita se
adaptar e muitas vezes não consegue, pois sequer foi alfabetizada num mundo cada
vez mais dinâmico, digital e contratualmente complexo, em massa. Esses fatores
1. Este artigo foi revisto e atualizado, inclusive no título, para compor a 2ª edição da obra Tutela jurídica
da pessoa idosa. Coordenação: ALMEIDA, Vitor, BARLETTA, Fabiana. Indaiatuba: Foco, 2020.
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podem gerar exclusão, isolamento e até desordens psicológicas no direito espe-
cialíssimo de envelhecer resguardado pelo artigo 8º do Estatuto da Pessoa Idosa.
A pessoa idosa é muitas vezes afastada do trabalho remunerado. Não que não seja
apta a trabalhar. Ela sofre discriminação e etarismo. Passa ao não pertencimento.
Vive o não reconhecimento de quem foi um dia e de que muito colaborou. Passa
a não ser reconhecida como sujeito de valor tão somente porque é velha.
Em busca da inclusão até na família e por declínios psicofísicos, que, todavia,
não geram incapacidade, contratam o que não deveriam, pois a maior faixa de etá-
ria que sofre do superendividamento é a idosa. Fazem isso, em regra, para ajudar
lhos e netos com recursos da aposentadoria. A instabilidade dos vínculos sociais
na velhice traz consequências para a pessoa idosa. Solidão, vazio, perda da vontade
de viver e angústia, são sentimentos recorrentes para grande parte das pessoas nesse
perl. É comum que certas pessoas idosas vivam separadas da família, em entidades
de atendimento, em hospitais, ambulatórios e clínicas ou que, vivendo em família,
não tenham voz ativa para as decisões do dia a dia. É custoso para a pessoa idosa e
para a família manter um curador para as pessoas idosas que perderam a aptidão
para as atividades corriqueiras como andar, tomar banho, entre outras.
As pessoas idosas, muitas vezes, gastam também o que não poderiam, pagando
planos de saúde abusivos com receio de que numa internação no SUS, morram em
condições de indignidade face a vida que possuíram com o trabalho quando jovens.
O direito à saúde na velhice possui ordem de prioridade, pois envelhecer
e morrer devem ser processos naturais, contudo, amainados por cuidados no
percurso da senescência e, no andamento de uma doença que acame a pessoa
idosa, de cuidados psicológicos, paliativos e sociais, desde o início da velhice até
os momentos antecessores à morte. Com a prosperidade da medicina hodierna
não há razão para o envelhecimento se acompanhar de dores e sofrimentos.2
Visa-se, por meio da garantia do direito fundamental à saúde da pessoa idosa, o
direito à vida no momento que antecede à nitude em decoro de condições. O princí-
pio da dignidade da pessoa humana, previsto em várias constituições que abraçaram
os direitos humanos fundamentais orienta no sentido de se garantir saúde à pessoa
envelhecida, especialmente pelas reservas escassas da velhice, momento em que ela
involuirá em resistência antes às adversidades e, em regra, adoecerá antes de morrer.3
2. BARLETTA. Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 55-79.
3. BARLETTA. Fabiana Rodrigues. O direito à autonomia do consumidor (pessoa idosa e doente) de
planos de saúde e a responsabilidade civil do fornecedor dos serviços de saúde. Revista de Direito do
Consumidor. ano 26. v. 113. Set./out. 2017, p. 39: “Consumidores pessoas idosas de serviços de saúde
são hiper vulneráveis, logo, merecedores de um cuidado particular que os benecie de modo especial.
E se houver colisão inafastável entre o interesse da pessoa idosa doente e de outros consumidores em
idade adulta ao direito à saúde, prevalecerá o interesse da pessoa idosa, com absoluta prioridade jun-
gida a uma tutela integral conforme mandamento dos artigos 2º e 3º do Estatuto da Pessoa Idosa, que
compõem o princípio do melhor interesse da pessoa idosa.
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