Noções introdutórias

AutorSolon Sehn
Páginas21-52
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Capítulo I
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
1. A CONSTITUIÇÃO COMO FUNDAMENTO DO
PODER DE TRIBUTAR
Atualmente, após um longo período de afirmação, encon-
tra-se definitivamente superada a doutrina que nega a possi-
bilidade de vinculação do legislador à Constituição.1 Embora
se tenha presente que nem todos os preceitos constitucionais
são dotados do mesmo grau de eficácia, o texto constitucional
1.
Sobre o tema, cf.: OTTO, Ignacio de. Derecho constitucional: sistema de fuentes.
Barcelona: Ariel, 1998, p. 129; MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição.
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 244; ENTERRÍA, Eduardo García de. Reflexiones so-
bre la Ley y los principios generales del Derecho. Madrid: Civitas, 1986, p. 21 e ss.;
PFERSMANN, Otto. CarMalberg y la “jerarquía normativa”. Cuestiones constitucio-
nales. Revista Mexicana de Derecho Constitucional n. 4, ene./jun. 2001, p. 184-185; ME-
NÉNDEZ, Ignácio Villaverde. La inconstitucionalidad por omisión. Madrid: McGraw-
-Hill, 1997, p. 5 e ss.; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6 ed. São
Paulo: Malheiros, 1996, p. 75-109 e 201-224; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi-
to constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996, p. 356; Constituição dirigente e vincu-
lação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais pro-
gramáticas. Coimbra: Coimbra, 1994, p. 63 e ss.; CANOTILHO, J. J. Gomes; VITAL
MOREIRA. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 45 e ss.; HESSE,
Konrad. Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha. Porto
Alegre: Fabris, 1998, p. 20 e ss.; CECILIA, Mora-Donatto. El valor de la Constitución
normativa. México: UNAM, 2002, p. 10 e ss.; VITAL MOREIRA. O futuro da constitui-
ção. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito consti-
tucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p.
317; HARO, Ricardo. Constitución, poder y control. México: UNAM, 2002, p. 139.
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SOLON SEHN
é visto como a Lei Maior do Estado e da sociedade, vinculante
para o poder público e todos os cidadãos.
A Constituição, destarte, representa o fundamento de vali-
dade de toda a ordem jurídica. É o texto constitucional que ins-
titui e configura – em caráter originário – os poderes do Estado,
estabelecendo as competências das autoridades constituídas,
as prestações positivas do poder público e os direitos funda-
mentais dos cidadãos. Ao mesmo tempo, como norma primária
de produção jurídica, disciplina os órgãos e procedimentos de
criação de atos normativos, seus limites formais e materiais, as-
sim como as espécies legislativas admitidas no direito positivo.2
O próprio Estado existe apenas na e pela Constituição,
não podendo mais ser visto como uma realidade política pri-
mária e natural, alheia aos preceitos constitucionais.3 Por essa
razão, mostra-se insustentável o entendimento que preconiza
a ausência de vinculação do legislador ao texto constitucional.
A Constituição, por representar o fundamento de validade
formal e material de toda ordem jurídica, é hierarquicamente
superior a qualquer norma jurídica do sistema. Não há outro
parâmetro normativo anterior, paralelo ou superior que fun-
damente a validade de um ato normativo infraconstitucional
incompatível com o texto constitucional.4
Da supremacia do texto constitucional decorre a obri-
gatoriedade de interpretação conforme a Constituição. Nos
sistemas assentados na preeminência do texto constitucional,
todas as normas jurídicas devem ser lidas à luz da Constitui-
ção e não o contrário. A prática de interpretar a Constitui-
ção a partir das leis não se compatibiliza com a supremacia
2. ENTERRÍA, Eduardo García. La Constitución como norma y el Tribunal Constitu-
cional. 3. ed. Madrid: Civitas, 1994, p. 50 e ss.; GUASTINI, Ricardo. Sobre el concepto
de constitución. Cuestiones Constitucionales. Revista Mexicana de Derecho Constitu-
cional n. 1, jul./dic. 1999, p. 161-176; GUASTINI, Ricardo. Estudios de teoría constitu-
cional. México: UNAM, 2001, p. 47 e ss.
3. VITAL MOREIRA. O futuro..., Op. cit., p. 314.
4. CANOTILHO; MOREIRA, Op. cit., p. 45. A preeminência da Constituição “[...]
quer dizer, por um lado, que ela não pode ser subordinada a qualquer outro parâ-
metro normativo supostamente anterior ou superior e, por outro lado, que todas as
outras normas hão de conformar-se com ela”.
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PIS-COFINS
hierárquico-normativa do texto constitucional. Assim, sem-
pre que um texto de direito positivo apresentar mais de um
sentido semântico, deve ser privilegiado aquele mais adequa-
do à realização plena dos princípios e regras da Lei Maior,
afastando-se as interpretações incompatíveis.5
Desse modo, o fundamento do poder de tributar não pode
mais ser buscado unicamente na noção de soberania nem
tampouco pode ser visto como algo inerente ao conceito de
Estado, desvinculado do texto constitucional. O poder público
institui e cobra seus tributos porque tem competência cons-
titucional para tanto. Fora dos parâmetros constitucionais,
nada há além de pura arbitrariedade.6
Não basta, entretanto, partir da premissa de que o texto
constitucional vincula o legislador. Para uma compreensão ade-
quada do tema, é imprescindível a análise das peculiaridades
do texto constitucional vigente em cada sistema de referência.
2. PECULIARIDADES DO SISTEMA CONSTITU-
CIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
2.1 Natureza analítica do texto constitucional
Todo sistema constitucional possui uma “ordem inte-
rior” ou “consistência interna” própria.7 Por razões ligadas ao
5. Sobre o tema, cf.: MENDES, Jurisdição..., Op. cit., p. 275 e ss.; BASTOS, Celso
Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Edi-
tor, 1997, p. 101-102; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo II.
Coimbra, 1996. p. 265 e ss.; BARROSO, Interpretação..., Op. cit., p. 175; CANOTI-
LHO, Direito..., Op. cit., p. 229-230.
6.
Segundo ensina Souto Maior Borges, “no Estado constitucional moderno, o poder
tributário deixa de ser um poder de fato, mera relação tributária de força (Abgabegewal-
tverhältnis) para converter-se num poder jurídico que se exerce através de normas. Es-
gota-se a relação de poder a partir do momento em que o Estado exerce, no âmbito da
Constituição, o seu poder tributário e o faz por meio do instrumento de lei formal e
material, ato do poder legislativo” (Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 25). No mesmo sentifo, cf.: MITA, Enrico de. Interesse fiscale e tutela
del contribuente: le garanzie costituzionali. 4. ed. Milão: Giuffrè, 2000, p. 7.
7. CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciên-

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