Penhora de Salário: Uma Hipótese de Controle de Convencionalidade Positivo

AutorLuiz Ronan Neves Koury
Páginas142-168
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Luiz Ronan Neves Koury
Penhora de Salário: Uma
Hipótese de Controle de
Convencionalidade Positivo
Introdução
O
objetivo do presente trabalho é explicitar, como principal argumento para a possibilida-
de da penhora de salário, a aplicação da Convenção n. 95 da OIT, em seu art. 10, parte
nal, como decorrência do denominado controle de convencionalidade positiva, quando
estabelece que a constrição deve ser realizada “na medida necessária para assegurar a manu-
tenção do trabalhador e de sua família”.
A penhora de salário em nosso ordenamento jurídico sempre recebeu um veto
absoluto, passando posteriormente a ser admitida a sua aplicação em determinadas situações.
Pode-se dizer que a evolução para permitir a penhora de salário foi muito mais doutrinária
e jurisprudencial do que legal.
É que sempre se entendeu que o salário deve, obrigatoriamente, ter proteção em função
do que representa para subsistência do devedor, mas nunca se deixou de fazer presente o
questionamento sobre a referida proteção quando estão em jogo o salário e parcelas de na-
tureza salarial ou indenizatórias da parte com maior vulnerabilidade em uma determinada
relação processual.
Não se pode admitir que o salário seja garantido com a impenhorabilidade quando
estão em jogo situações de risco para sobrevivência ou mesmo a preservação do salário em
face do próprio salário, especialmente quando há evidente disparidade entre o impacto do
pagamento da dívida na situação do devedor e o que ela representada para a sobrevivência
do credor.
Em que pese a dignidade do devedor, que deve ser necessariamente observada em
tais circunstâncias, com a xação da penhora em valores que não acarretem ofensa à sua
manutenção e à de sua família, é evidente que se impõe a utilização da ponderação de prin-
cípios (valores) ao se optar por encargo a ser atribuído ao salário.
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Temas de Direito Processual do Trabalho e Outros Estudos Jurídicos
Em face do princípio da proporcionalidade no sopesamento de valores em jogo,
retira-se de cena a forma imaculada de tratamento do salário do devedor, com a sua absoluta
impenhorabilidade, em benefício do pagamento de parcelas, na maioria das vezes, sinônimo
de alimento, a serem pagas ao credor.
Obviamente que se torna necessário vericar, em cada caso, as situações do devedor e
do credor, os valores em discussão e a forma de ser preservada a dignidade do devedor. O que
não se pode admitir é o recebimento de valores de natureza salarial mais do que sucientes
para garantia de uma vida digna para o devedor em detrimento do valor devido ao credor.
Como forma de evitar a insegurança jurídica e um extremado subjetivismo nas inúme-
ras situações envolvendo penhora de salário, deve ser considerada a parte nal do art. 10 da
Convenção n. 95 da OIT, relativamente à exigência de que seja observado valor suciente
para manutenção do devedor e de sua família, com avaliação realizada após a devida com-
provação no processo.
A possiblidade de penhora de salário como medida de justiça social — em face da
dignidade do valor que se pretende resguardar e do débito existente — também tem funda-
mento, como já antecipado em relação à Convenção n. 95 da OIT, no chamado controle de
convencionalidade.
Esse controle de convencionalidade, embora não seja observado como rotina na atuação
jurisdicional, constitui-se em um parâmetro ecaz para que se tenha a interpretação mais
favorável à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser de mão
dupla, envolvendo credor e devedor
Recentemente foi editada a Recomendação n. 123 do Conselho Nacional de Justiça
— CNJ, de 07.01.2022, que trata da observância dos Tratados e Convenções internacio-
nais de Direitos Humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos pelos órgãos do Poder Judiciário. A medida visa à proteção dos direitos humanos
com tratamento privilegiado nos documentos internacionais, procedendo-se, em consequên-
cia, ao necessário controle de convencionalidade das leis internas.
O critério do controle de convencionalidade deverá ser aquele que melhor atenda aos
direitos humanos e seja mais favorável à pessoa humana, ou seja, pro homine ou pro persona,
como previsto no art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica.
Esse é, sem sombra de dúvidas, o referencial a ser observado no controle de convencio-
nalidade concentrado ou difuso, lembrando, como será tratado mais adiante neste trabalho,
que as matérias de cunho social, constantes das Convenções e Tratados, têm natureza de
direitos humanos com status de supralegalidade.
Nesse aspecto, as normas anteriormente referidas prevalecem sobre a legislação infra-
constitucional, devendo ser realizado o controle das normas que estejam em descompasso
com as previsões constantes das Convenções da OIT, que tratam da matéria trabalhista.
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