O perfil do condenado por tráfico de drogas: subsídios para reflexão sobre a lei de drogas e o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro
Autor | Maria Tereza Uille Gomes/Pedro Ribeiro Giamberardino |
Ocupação do Autor | Doutora em Sociologia pela UFPR. Mestre em Educação pela PUCPR/Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Direito pela PUCPR |
Páginas | 298-330 |
298 • CAPÍTULO 12
O perl do condenado por tráco de drogas:
subsídios para reexão sobre a lei de
drogas e o estado de coisas inconstitucional
no sistema carcerário brasileiro
Prole of the Drug Tracking Convict: Grounds for Reection on
the Unconstitutional State of Aairs in the Prison System
Maria Tereza Uille Gomes1
Pedro Ribeiro Giamberardino2
Resumo: O trabalho problematiza a decisão do STF sobre
o estado de coisas inconstitucionais no sistema carcerário e a ma-
téria pendente de julgamento sobre a criminalização do porte e uso
de drogas para consumo pessoal. Para tanto, traz-se o resultado de
pesquisa empírica correlacionada com outros estudos sobre o perl
do condenado por tráco de drogas. A partir de amostra aleatória
houve o levantamento de indicadores objetivos (natureza e quan-
tidade da substância) e subjetivos (requisitos legais e perl socio-
econômico), cujos dados foram colhidos por análise da denúncia,
1
Doutora em Sociologia pela UFPR. Mestre em Educação pela PUCPR.
Graduada em Direito pela UEL. Conselheira do Conselho Nacional de Jus-
tiça. Professora do Programa de Pós Graduação “strictu sensu” em Direito
da Universidade Positivo. Ex-Procuradora de Justiça do Ministério Público
do Paraná, Ex-Secretária de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Hu-
manos e Ex-Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado
de Justiça, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (CONSEJ).
Email: uille@me.com
2
Mestrando em Direito pela UFPR. Especialista em Direito pela PUCPR.
Graduado em Direito pela PUCPR. Advogado. Ex-Diretor do Departamen-
to de Políticas Públicas sobre Drogas do Estado do Paraná e ex-Diretor
do Departamento de Atendimento Socioeducativo do Estado do Paraná.
E-mail: pedro_giamberardino@yahoo.com.br
MARIA TEREZA U. GOMES & PEDRO R. GIAMBERARDINO •299
sentença e dados do Poder Executivo, relativos aos condenados, em
execução denitiva, por tráco de drogas. Como principais resulta-
dos, obteve-se como perl prioritário apreensões de uma espécie de
droga, sendo 97,86% das apreensões por maconha, crack e cocaína.
Em relação à dosimetria da pena, observou-se maior rigorosidade e
diferença na abordagem policial com as mulheres do que com os ho-
mens. Também há baixa correlação com crimes violentos ou posse
de arma de fogo. Por m, conclui-se que a delimitação da quantida-
de da droga apreendida possui repercussão em outros fatores, que
justicam a regulamentação da pequena quantidade apta a melhorar
a seletividade e os critérios de encarceramento nesta seara.
Palavras-chave: estado de coisas inconstitucional, sistema
carcerário, drogas.
Resume: is article discussed the efetiveness of the un-
constitution state of aairs in the prison system, in accordance the
decision of Brazilian Supreme Court during the judgement of the
ADPF n. 347, also associated that subject with the discussion about
the interpretation of the brazilian law of drugs. erefore, the work
analyzes results of empirical research, correlated with another datas
collected about the same subject in another materials, which intend
delimitate the prole of the drug tracking convict in Brazil. In ac-
cordance with the aleatory sample, had been delimitated objective
indicators (type and quantities of drugs) and subjective factors (legal
requests and socioeconomical prole), which data had been collec-
ted analyzing the accusatory complaint, the sentence and another
information about the prison system. As a results, concluded that
the most common prole is people who had been arrested with one
kind of drug and 97,86% of the apprehensions were identied as ca-
nabbis, crack or cocaine. Analyzing the damning sentence could be
observed more rigor with women, also and dierence in the police
ocers works because of gender. In addition, the research does not
identify correlation with the prole of trac drug convicted with
another violent crimes or weapons. Lastly, the article concluded that
the delimitation about the meaning of the small amount of drug has
connection with another factors, which justify the regulamentation
(adaptable in the concrete case) because it could collaborating for
the better selectivity and less incarceration rate.
300 • CAPÍTULO 12
Keywords: unconstitutional state of aairs – prison system
– drugs.
Introdução
O trabalho problematiza o julgamento do Supremo Tribunal
Federal (STF) nos autos de ADPF nº 347, no qual foi reconhecido
o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasilei-
ro, de forma correlacionada com a discussão existente nos autos de
Recurso Extraordinário (RE) nº 635.659, que trata sobre a constitu-
cionalidade da criminalização do porte de droga para uso pessoal e
os critérios de sua diferenciação com o crime de tráco de drogas.
Isso porque, o índice de encarceramento no Brasil pela Lei
de Drogas assume especial relevância para reexão sobre o sistema
carcerário e a política criminal nacional.
De acordo com os dados do InfoPen de 2014, a população
carcerária brasileira correspondia naquele ano a 607.731 presos, sen-
do que 164.087 (27%) estavam presos em virtude da repressão ao
tráco de drogas. Por sua vez, no último relatório do InfoPen de
2019, a população carcerária brasileira correspondia a 758.676 pre-
sos, sendo que 304.416 presos correspondiam ao tráco de drogas
(39,42%). O percentual de presos por tráco de drogas supera todos
os crimes contra o patrimônio, que totalizam o segundo lugar no sis-
tema prisional com 283.732 pessoas (36,74%). Ainda neste mesmo
informativo, registra-se o décit de vagas superior a cifra de 300 mil,
com índice de superlotação de 171,62%.
Basta um simples cálculo aritmético para concluir que a
progressão do índice de presos por 100 mil habitantes, se mantida
a taxa de aprisionamento com uma média de 30.000 presos a mais
por ano (já descontado o índice de egressos do sistema prisional e
não computado os mandados de prisões em aberto), além do décit
já existente de 300 mil vagas, nunca alcançará níveis de investimento
proporcionais ao tempo de aprovação, construção e inauguração de
obras públicas aptas a superar o estado de coisas inconstitucional
declarado nos autos de ADPF nº 347.
Amparado em estudo empírico3 realizado pelos autores des-
3
O estudo empírico foi realizado pelos autores em conjunto com Flávia
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