Posse

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do PPGD da UERJ e UVA. Coordenador do Curso de Direito do UniFAA. Advogado. Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas19-54
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Capítulo 1
POSSE
1.1 Conceito
A posse é um dos temas mais controvertidos do direito
privado. A própria etimologia da palavra posse gera discussões.
Segundo CUNHA GONÇALVES, “uma tradição romana, que
remonta a LABEO, 'possessio appelata est a pedibus, quase pedum
positio, isto é, a posse significa estar de pé sobre uma coisa, o que dá
a idéia do poder material exercido na coisa, sem se atender à intenção
de quem o exerce. Outros entendem que a palavra possessio deriva de
posse e sedere, o que de igual modo significa o poder material, a
detenção física e atual da coisa”.1
Também a própria na tureza jurídica da posse envolve grande
discussão entre os juristas de escol. A posse pertence ao mundo
jurídico ou ao mundo fenomênico dos fatos?
Vejamos inicialmente a dicotomia clássica da concepção
subjetiva e concepção objetiva da posse, defendida respectivamente
por SAVIGNY e JHERING.
1.2 Concepção Subjetiva da Posse de SAVIGNY
FREDERICH KARL VON SAVIGNY, em sua obra Trata do
da posse em direito romano (1803), com apenas vinte e quatro anos
de idade, esboçou a sua teoria subjetiva sobre a posse, impondo dois
elementos, a saber: o corpo (corpus) e o ânimo (animus domini).
Aquele é o elemento material da posse, se exteriorizando através do
1 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Trata do de direito civil. Volume III. Tomo I. São
Paulo: Max Limonad, 1958, p. 526.
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controle físico sobre a coisa (poder físico sobre a coisa); e este a
vontade de exercer o direito de propriedade como se fora o seu titular
(animus rem sibi habendi).
De acordo com as lições de ANTONIO JOAQUIM RIBAS, o
ânimo de possuir consiste “na vontade de ter a coisa sob seu poder
para dispor dela, como senhor, isto é, - para exercer nela a sua ação
com a mesma amplitude com que o proprietário a exerce sobre as
coisas que lhe pertencem. É o que os jurisconsultos denominão
animus domini, ou animus sib habendi.”2
Daí que para SAVIGNY necessário a existência dos dois
elementos - corpus e animus domini - para que exista a posse.
Diversos pensadores alemães seguiram o pensamento de
Savigny, a saber: MÜHLEMBRUCH, PUCHTA, VANGEROW,
ARNDTZ, ZIENOLACKI, THIBAUT, WINDSCHEID; na França,
POTHIER, AUBRY et RAU, DEMOLONBE, TROPOLONG; na
Itália, FILLIPPO SERAFINI, MILONE, PACIFICI MANZONI,
LONOMACO, MATTIROLO, dentre outros.
Na Bélgica, CHARLES MAYNZ define posse da seguintes
forma: “A posse é o poder físico que o homem exerce sorbe uma coisa
com o propósito de exercê-lo para si, abstraindo-se da questão de
saber se ele tem ou não direito de exercê-lo.”3
Dessa maneira para a teoria subjetiva (teoria da vontade) de
SAVIGNY é a vontade de possuir para si que origina a posse jurídica,
e quem possui por outrem é detentor.
Se forem necessários dois elementos (corpus e animus
domini), porque a teoria de SAVIGNY possui uma concepção
subjetiva? Porque nesta teoria o elemento subjetivo possui uma
prevalência, ou seja, era o a nimus domini (intenção de ter a coisa para
si) que transformava a detenção em posse. Melhor dizendo: Se
houvesse apenas o corpus (poder físico sobre a coisa) estar-se-ia
2 RIBAS, Antonio Joaquim. Da Posse e das Ações P ossessórias segundo o Direito
Pátr io comparado com o Direito Romano e Canônico. Rio de Janeiro: H.Laemmert
& C., Livreiros-Editores, 1883, p.11.
3 MAYNZ, Elememts de droit roman, v.1, § 167 apud ITAGIBA Nog ueira. A Posse.
Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1902, p.33-34.
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apenas diante do fenômeno jurídico denominado de detenção (poder
físico sem o elemento intencional). Portanto, para SAVIGNY, a posse
é o poder físico sobre a coisa (corpus) acrescido pela intenção de ter a
coisa para si (animus domini), transformando, assim, a detenção em
posse. Vale lembrar que o elemento objetivo corpus não significa
literalmente ter a coisa “em suas mãos” (contato físico com a coisa),
senão uma disponibilidade sobre a coisa.
Dessa maneira, fundamental para a teoria subjetiva de
SAVIGNY o elemento animus domini, ou seja, a intenção de ter a
coisa para si. Vejamos um exemplo: um pescador em alto-mar vai se
transformando em possuidor dos peixes oriundos da pescaria, mas não
será possuidor do mar, já que não pode tê-lo como dono.
Dessa forma, pela teoria de SAVIGNY, o locatário, o
comodatário, o depositário, o credor pignoratício, não seriam
possuidores, pela inexistência do elemento subjetivo animus domini.
O domínio alheio afastaria a possibilidade de posse.
ASTOLPHO REZENDE explica que na teoria de SAVIGNY
“possuidor era somente aquele que detinha a coisa com o ânimo ou
intenção de -la para si; a posse compunha-se de dois elementos:
animus e corpus; ; quem tinha só o animus ou só o corpus não era
possuidor, juridicamente falando; era preciso o animus domini. O que
tinha uma coisa em seu poder, com a simples vontade de tê-la à sua
disposição, de tirar dela certas vantagens, não era senão um simples
detentor; possuidor era aquele que, tendo a coisa em seu poder, tinha a
vontade de se conduzir, em relação a essa coisa, comum um
proprietário; não bastava o affectus tenendi, mas era necessário o
animus domini.4
Ora, neste caso, a teoria de SAVIGNY mostrar-se-ia
fragilizada, já que não há como negar a posse ao locatário, ao
usufrutuário, ao comodatário mesmo sem o elemento anímico
(subjetivo - animus domini). SAVIGNY buscou uma saída através da
4 R EZENDE, Astolpho. Direito das Cousas. In: LACERDA. Pau lo de. Manua l do
Código Civil Bra sileiro. Volume VII. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos
Editor, 1929, p.44.

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