Premissas teóricas: o estado interventor constitucionalizado e as suas justificativas

AutorAndré Cyrino
Ocupação do AutorProfessor Adjunto de Direito Administrativo (UERJ); Mestre e Doutor pela UERJ; LL.M. (Master in Laws) pela Yale Law School (EUA); Procurador do Estado (RJ) e Advogado
Páginas25-72
CAPÍTULO 1
PREMISSAS TEÓRICAS: O ESTADO
INTERVENTOR CONSTITUCIONALIZADO
E AS SUAS JUSTIFICATIVAS
El ‘ethos’ de los derechos humanos no se debería
frenarante la vida económica. La cultura económica
del Estado constitucional requiere una ética mínima,
al modo de la cultura jurídica burguesa y sus cláusu-
las del tipo ‘moralidad’, ‘lealtad’ y ‘confianza’ o los
propios delitos económicos”28.
Peter Härbele
1.1. Legitimando Estado e direito. As perspectivas cor-
rentes de matriz rawlsiana e o pensamento procedi-
mentalista de Jürgen Habermas. Direitos fundamen-
tais, democracia e a constitucionalização do direito
A afirmação é quase um lugar comum: o direito passa
por uma crise de identidade. Vive-se uma época em que se
concebe a ciência jurídica como aquilo que ela não é, ou o
que ela deixou de ser, ou aquilo que simplesmente vem de-
pois29. Fala-se num direito não-positivista ou num direito
25
28 HÄRBELE, Peter. “Siete tesis para una teoría constitucional del merca-
do”, in Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 5, 2006, disponível na
internet, no sítio: www.ugr.es/~redce/REDCE5/articulos/01peterhaberle.
htm, acesso em 21.11.2006.
29 V. BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constituciona-
pós-positivista, cujos contornos ainda estão, de certa ma-
neira, em fase de construção. Não se visa a um retorno à in-
segurança da abstração do jusnaturalismo. O ordenamento
jurídico tem um papel fundamental na realização do valor
segurança. Todavia, a reaproximação com a moral e a preo-
cupação com a legitimidade são características do direito
contemporâneo30. Nesse contexto, direito e Estado devem
legitimar-se além da lógica positivista. Não basta a validade
e a legitimidade normativista. Ganha importância a neces-
sidade de legitimação do direito, que não pode ser justifi-
cado a partir de si próprio. Este processo, conforme a lição
de Ricardo Lobo Torres31, “implica sempre a resposta à per-
gunta sobre o merecimento e a razão de ser dos direitos e dos
princípios”, o que trará reflexos na aplicação das normas ju-
rídicas.
26
lização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil)”, in A
constitucionalização do direito, coord. Daniel Sarmento e Cláudio Pereira
de Souza Neto, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 203/204.
30 BARROSO, Luís Roberto. “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo
direito constitucional brasileiro, (pós-modernidade, teoria crítica e pós-po-
sitivismo)”, post scriptum in Interpretação e aplicação da Constituição, 5ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 325-326: “O Direito, a partir da segunda
metade do século XX, já não mais cabia no positivismo jurídico. A aproxi-
mação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética
não correspondiam ao estágio de processo civilizatório e às ambições dos
que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso cientí-
fico impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e
simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos
de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o
ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento con-
vencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordena-
mento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade.”
31 TORRES, Ricardo Lobo. “A legitimação dos Direitos Humanos e os
princípios da ponderação e da razoabilidade”, in Legitimação dos Direitos
Humanos, org. Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 398.
No bojo desse movimento, há duas abordagens que se
destacam: (i) uma, denominada substantivista, ligada à
reaproximação do direito com a moral, que procura cons-
truir princípios materiais de justiça que justificam a exis-
tência do Estado e do direito (o que se convencionou cha-
mar de virada kantiana32), e (ii) outra, procedimentalista,
que busca, valendo-se das teorias do discurso, justificar di-
reito e Estado através de argumentos democrático-proce-
dimentais.
Em verdade, como afirma Gustavo Binenbojm, cuja sis-
tematização dos argumentos substantivistas e procedimen-
talistas é o fio condutor deste capítulo, “as ideias de direi-
tos fundamentais e democracia representam as duas maio-
res conquistas da moralidade política em todos os tempos33.
Do ponto de vista substantivista, a reaproximação do
direito com a moral é verificada, principalmente, a partir
do destaque dado aos princípios jurídicos, sejam eles fun-
damentais, sejam eles ligados à justiça e à igualdade34. A
preocupação com a realização dos direitos fundamentais
vai além do reconhecimento de sua positividade. Os direi-
tos precisam ser justificados não apenas pela sua presença
em textos constitucionais, mas em razões eticamente supe-
riores35.
27
32 V. TORRES, Ricardo Lobo. “A cidadania multidimensional na era dos
direitos”, in Teoria dos direitos fundamentais (org. Ricardo Lobo Torres),
Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp. 248-249.
33 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo, Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, p. 49.
34 TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos direitos humanos, Rio de Ja-
neiro: Renovar, 2002, p. 1/2.
35 Ganhou fama a afirmação de Norberto Bobbio segundo a qual “o pro-
blema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT