Um passo além da interpretação. Por um modelo institucionalmente adequado para o estado regulador e a possível construção de balizas e caminhos interpretativos

AutorAndré Cyrino
Ocupação do AutorProfessor Adjunto de Direito Administrativo (UERJ); Mestre e Doutor pela UERJ; LL.M. (Master in Laws) pela Yale Law School (EUA); Procurador do Estado (RJ) e Advogado
Páginas233-317
CAPÍTULO 4
UM PASSO ALÉM DA INTERPRETAÇÃO.
POR UM MODELO INSTITUCIONALMENTE
ADEQUADO PARA O ESTADO REGULADOR
E A POSSÍVEL CONSTRUÇÃO DE BALIZAS
E CAMINHOS INTERPRETATIVOS
The court is in a real sense part of the total adminis-
trative process, and not a hostile stranger to the office
of first instance. This collaborative spirit does not un-
dercut, it rather underlines the court’s rigorous insis-
tence on a need for conjunction of articulated stand-
ards and reflective findings, in furtherance of eve-
nhanded application of law, rather than impermissi-
ble whim, improper influence, or misplaced zeal.”504
Juiz Harold Leventhal
4.1. Uma separação dos Poderes compatível com o Es-
tado regulador. A proposta de Bruce Ackerman
Em artigo intitulado “the new separation of powers505,
Bruce Ackerman apresenta uma reestruturada e compara-
tiva concepção do princípio da separação dos Poderes. Suas
ideias são muito interessantes e contribuem significativa-
mente para as teorias contemporâneas do direito Constitu-
cional e da ciência política.
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504 Greater Boston Television Corp. v. FCC, D.C. Circuit, 1970.
505 “A nova separação de Poderes”.
Ackerman começa o artigo apresentando o seu ideal de
configuração das relações entre os Poderes Executivo e Le-
gislativo, o que faz partindo de modelos historicamente ex-
perimentados506. Ressalta, em primeiro lugar, que a expor-
tação pura e simples do modelo de separação de Poderes
do presidencialismo norte-americano (o que se deu princi-
palmente nos países da América Latina), é um erro, porque
desconsidera as experiências bem-sucedidas dos sistemas
parlamentaristas do pós-guerra (e.g. Japão e Alemanha
Ocidental), os quais agrupa sob o rótulo de constrained
parliamentarism (traduziremos como parlamentarismo li-
mitado, ou contido). Tal modelo é uma variante do sistema
de gabinete britânico507, ao qual acresce uma série de salva-
guardas e meios de controle aptos a conter a soberania par-
lamentar e a concentração de poderes em seu órgão de cú-
pula (e.g. uma constituição escrita, judicial review508, bica-
meralismo509 etc.). Em suas palavras: o “parlamentarismo
contido é uma força ascendente no mundo, havendo muito o
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506 ACKERMAN, Bruce, “The new separation of powers”, in Harvard
Law Review, vol. 113, n. 3, jan. 2000, v. pp. 634-638.
507 Para um panorama sobre recentes mudanças do constitucionalismo in-
glês, as quais, de certo modo, representam um passo na direção de um par-
lamentarismo que se pode chamar contido, v. CYRINO, André Rodrigues.
“Revolução na Inglaterra? Direitos humanos, Corte Constitucional e decla-
ração de incompatibilidade das leis. Novel espécie de judicial review?”, in
Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro: Renovar, nº 5, 2007.
508 Segundo o autor: “Uma Corte Suprema para a proteção dos direitos
fundamentais é, sem dúvidas, um componente essencial do modelo de par-
lamentarismo contido” ACKERMAN, Bruce, “The new separation of po-
wers”, in Harvard Law Review, vol. 113, n. 3, jan. 2000, p. 641.
509 Para destacar a assimetria de poderes entre as casas legislativas que ana-
lisa, e.g. no Japão, Bruce Ackerman denomina referido modelo de bicamera-
lismo de one-and-a-half house solution (op. cit., p. 635).
que se aprender com a sua aplicação prática na última me-
tade do século XX510.
Um dos pontos mais interessantes no trabalho do pro-
fessor de Yale é que a separação de Poderes contempo-
rânea envolve não apenas a divisão entre Executivo e Legis-
lativo. Ela carece também do aprofundamento da discussão
sobre o status constitucional do Poder Judiciário e das
agências administrativas511. Trata-se do debate sobre a ne-
cessidade de que se defina claramente o papel de cada um
desses órgãos e como esse papel influenciará na tomada de
decisões do Estado. Por trás disso, está a necessidade de
uma divisão de trabalho em prol da eficiência institucional.
Isto é, que se proceda a uma verdadeira divisão de trabalho
com vistas à adequação e otimização da gestão do Es-
tado512.
Todavia, é certo que a eficiência não pode ser vista
como uma finalidade meramente tecnicista de divisão or-
gânica de funções, isto porque, vista per se, afastada de con-
teúdos finalísticos, a ideia de eficiência institucional é com-
pletamente vazia513. A ideia de separação e ordenação ins-
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510 ACKERMAN, Bruce, “The new separation of powers”, in Harvard
Law Review, vol. 113, n. 3, jan. 2000, p. 640.
511 ACKERMAN, Bruce, “The new separation of powers”, in Harvard
Law Review, vol. 113, n. 3, jan. 2000, p. 639.
512 Nota Eros Roberto Grau que a separação dos Poderes conforme desen-
volvida nos EUA, “está intimamente voltada à otimização do desempenho
das funções do Estado, fundando-se também no princípio da divisão do tra-
balho”, ao passo que a preocupação de Montesquieu era imediatamente li-
gada à promoção da liberdade do indivíduo (GRAU, Eros Roberto. O direito
posto e o direito pressuposto, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 226).
513 Nas palavras de Bruce Ackerman: “The very idea of institutional ‘effi-
ciency’ is completely empty unless it is linked to more substantive ends”
ACKERMAN, Bruce, “The new separation of powers”, in Harvard Law Re-
view, vol. 113, n. 3, jan. 2000, p. 639.

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