Procedimiento de dúvida

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PROCEDImENTO DE DÚVIDA
Dados os conceitos, será possível passar ao estudo do Procedimento de
Dúvida, previsto nos arts. 198 e seguintes da Lei 6.015/1973, alterados pela Lei
5.1 CONCEITO
O Procedimento de Dúvida é o mecanismo que serve para vericar a corre-
ção – ou não – das exigências formuladas pelo Registrador ou para que este seja
autorizado a proceder a um ato registral, quando a parte não apresente condição
de atendê-las.
Por sua vez, Ricardo Henry Marques Dip lecionado que o instituto é:
Ato pessoal próprio, primeira e diretamente, do registrador, a qualicação registrária ( juízo
prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição imo-
biliária, com o correspondente império jurídico de seu registro ou de sua irregistração), a
qualicação registral pode ser positiva (a admissão do registro de um título) ou negativa (a
recusa fundado ao registro)1.
O Procedimento é iniciado, via de regra, por provocação da parte interessada,
por meio de um requerimento simples, pelo qual solicita a suscitação da Dúvida.
Recebido o requerimento, torna-se uma obrigação do Ocial submeter suas
razões ao juízo competente. É, portanto, um ato vinculado do Registrador. A
negativa no atendimento da solicitação poderá implicar responsabilidade civil,
penal e administrativa, ensejando, inclusive, o ingresso de Mandado de Segurança
contra o Registrador, porque, neste caso, terá cometido um ato ilegal e arbitrário,
previsto no art. 1º da Lei 12.016/2009.
Observa-se que não caberá esta ação se o Registrador impugnar um título
expedido, com fundamento no seu poder de qualicação, em desconformidade
com o Direito, pois o remédio existente para solucionar possível conito de in-
teresses, neste caso, será o Procedimento de Dúvida.
1. Lei dos Registros Públicos comentada: Lei 6.015/1973. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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Neste sentido, é o entendimento do Desembargador Luís de Macedo, denindo
que mandado de segurança não pode ser impetrado no lugar de suscitação de dúvida2.
5.2 CABIMENTO E NÃO CABIMENTO
O Procedimento de Dúvida está previsto, hoje, nos arts. 198 e s eguintes da
Lei. 6.015/1973, teve como origem o art. 215 do Decreto 4.857/1939, permitindo
ao Ocial do Registro, naquela época, vericar a legalidade e a validade do título.
Neste desiderato, o Registrador somente deve agir quando estiver seguro de que
o título está em completa conformidade com o Direito.
Com isso, defende-se a ideia de que tanto os títulos que contêm um ato ou
negócio nulo como também o anulável, desde que perceptíveis pelo Registrador,
devem ter vedados seus registros. Se o objetivo maior dos registros públicos é
outorgar segurança jurídica (art. 1º da Lei 6.015/1973), qualquer registro contrário
à ordem jurídica, insegura, deve ser obstado.
Na verdade, o Registrador é o guardião da segurança jurídica, não podendo
agir quando souber que existe algum defeito no negócio sob o seu cuidado no que
confere à legalidade. Não se pode admitir o entendimento de que o registro pode
ser feito, cando condicionada a ecácia plena à não oposição do vício (aparente)
pela parte interessada, dentro dos prazos previstos em lei. O que deve prevalecer
é o ato de consciência livre do Registrador no sentido de registrar títulos com a
aparência de legalidade.
Por exemplo, se falta a anuência de um irmão na compra e venda feita de
pai para lho, conforme exige o art. 496 do CC, pode, o Registrador impugnar
o acesso do título no Fólio Real. Não poderá, entretanto, sustar o registro sob
alegação de vício do consentimento ou de simulação, porque estes casos não são
passíveis de constatação, senão através da realização de prova em juízo. De outro
lado, não cabe a dúvida para discutir o valor dos emolumentos.
5.3 NATUREZA JURÍDICA
O Procedimento de Dúvida tem natureza administrativa, não judicial. Não
se confunde com os procedimentos de jurisdição voluntária previstos nos arts.
719 e seguintes do CPC e em outras legislações.
2. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Conselho Superior da Magistratura. Mandado de Segurança 79.717-
0/5. Relator: Des. Luís de Macedo, São Paulo, publicado no DOE de 3-12-2001. Disponível em:
extrajudicial.tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=5&nuSe qpubli-
cacao=1606>. Acesso em: 03 maio 2022.
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Segundo Ceneviva,
a dúvida é pedido de natureza administrativa, formulado pelo ocial, a requerimento do
apresentante de título imobiliário, para que o juiz competente decida sobre legitimidade
de exigência feita, como condição de registro pretendido3.
Por se tratar de procedimento de natureza administrativa, não se admitem
discussões de alta indagação para o deslinde de questões complexas.
5.4 DO PROCEDIMENTO
A parte interessada num ato registral apresenta, na ser ventia competente,
um título, o qual é recebido e protocolado pelo Ocial ou por preposto com atri-
buição para tanto. Após o protocolo, o título será examinado para ver se atende
a todas as exigências legais. Estando em ordem a documentação, esta permitirá
o lançamento do ato pretendido.
Até o advento da Lei 14.382/2022 não havia na LRP previsão expressa de pra-
zo para qualicação dos títulos, sendo que previa somente indicação do prazo de
30 (trinta) dias de validade do protocolo. A prática registral era no sentido de que
a qualicação seria efetuada no prazo máximo de 15 (quinze) dias e haveria mais
15 (quinze) dias para a elaboração do ato de registro, quando apto o documento.
Com a entrada em vigor da Lei 14.382/2022, o prazo para o registro do título
ou a emissão da nota devolutiva passou para 10 (dez) dias úteis, contados da d ata
do protocolo e o prazo de vigência protocolar passou a ser de 20 (vinte) dias úteis.
Excepcionalmente, de acordo com o disposto no § 1º do artigo 188 da LRP,
o prazo será de 5 (cinco) dias, desde que não haja exigências e nem pagamento de
emolumentos pendentes. Este prazo de 5 (cinco) dias aplicar-se-á nas seguintes
hipóteses: escrituras de compra e venda sem cláusulas especiais, requerimentos
de averbação de construção, cancelamento de garantias e documentos eletrônicos
apresentados por meio do SERP. Também s erá aplicado o prazo de 5 (cinco) dias
para os títulos reapresentados na vigência da prenotação e com as exigências
supridas (inciso III do parágrafo 1º do artigo 188 da LRP).
Com relação aos novos prazos de prenotação, importante destacar que se
excetuam os prazos previstos em leis especiais, bem como os contados em meses
e anos, os quais não foram alterados pela Lei 14.382/2022.
3. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. atual. até 1º de outubro de 2002. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 400.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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Se após a qualicação for constatado que há algo para ser corrigido ou
reticado, o Ocial deverá expor, por escrito, os motivos da não realização do
registro à parte interessada.
Por sua vez, quando o apresentante se conformar, irá providenciar as atualiza-
ções e correções necessárias para reapresentar o título em condições da realização do
registro. Entretanto, se a parte interessada discordar do posicionamento da Serventia,
ou não tiver condições de atender às exigências, deverá apresentar um requerimento
solicitando que seja Suscitada a Dúvida, o qual não precisará ser fundamentado.
Com efeito, o mero apresentante não poderá formular o pedido da Dúvida ao
Ocial Registrador, salvo se for a parte interessada ou seu procurador. Anal, esse
procedimento é orientado pelos mesmos pressupostos do processo judicial. Isto é,
exige-se, para tanto, legitimidade e interesse na registrabilidade do título apresentado.
Neste passo, é possível vericar que, em regra, a suscitação da dúvida é
orientada pelo princípio da provocação/rogação ou da instância, devendo ser
expressamente requerida pela parte interessada. Contudo, há uma exceção pre-
vista no parágrafo único do art. 156 da Lei 6.015/19734.
No caso do Ocial do Registro de Títulos e Documentos, este poderá sus-
citar o procedimento de dúvida ex ocio, se tiver suspeita de falsicação. Diante
desse fato, o Ocial deve recusar o registro do título ou documento, podendo,
inclusive, sobrestar o registro, depois de protocolado o documento e até noticar o
apresentante; se este insistir no registro da documentação apresentada, o registro
será feito com essa nota, podendo o ocial, entretanto, submeter a Dúvida ao
juiz competente, ou noticar o signatário para assistir ao registro, mencionando
também as alegações pelo último aduzidas.
O Ocial ou quem estiver respondendo pela Serventia irá anotar à margem
da prenotação a ocorrência da Dúvida, o qual sobrestará a realização de qualquer
ato registral na matrícula do imóvel envolvido na disc ussão, cando o protocolo
prorrogado até a decisão judicial. Neste interstício, se for apresentado algum tí-
tulo envolvendo o mesmo imóvel, com direito conitante ao título protocolado
antes, ele deverá aguardar o julgamento da Dúvida, a qual, sendo procedente,
por não permitir o ingresso do título que lhe deu causa, permitirá o acesso do
título apresentado posteriormente. Se julgada improcedente, no entanto, permi-
tirá o acesso do primeiro título no Álbum Imobiliário, devendo ser devolvido o
4. Art. 156. O ocial deverá recusar registro a título e a documento que não se revistam das formalidades
legais.
Parágrafo único. Se houver suspeita de falsicação, poderá o ocial sobrestar no registro, depois de
protocolado o documento, até noticar o apresentante dessa circunstância; se este insistir, o registro será
feito com essa nota, podendo o ocial, entretanto, submeter a dúvida ao Juiz competente, ou noticar
o signatário para assistir ao registro, mencionando também as alegações pelo último aduzidas.
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
título apresentado posteriormente. Porém, se o título apresentado por último,
envolvendo o mesmo imóvel, não for contraditório ao título objeto da Dúvida,
terá acesso ao Fólio Real após a sentença do magistrado, independentemente da
procedência ou não do processo.
Irá o Ocial, ainda, certicar a prenotação e a Suscitação da Dúvida no título,
rubricar todas as suas folhas e redigir a Dúvida para, após, dar conhecimento
dos seus termos à parte interessada (apresentante), fornecendo cópia da susci-
tação e noticando-o para impugná-la perante o Juízo competente no prazo de
15 (quinze) dias úteis. Este prazo não foi alterado pela Lei 14.382/2022, todavia,
deverá ser contado em dias úteis, conforme previsto no § 1º do art. 9º da LRP.
Após, o Ocial certicará estes fatos e encaminhará eletronicamente a Dúvida
ao juízo competente, juntamente com o título que lhe deu causa.
Importante frisar que a remessa eletrônica do procedimento de dúvida foi
uma inovação trazida pela Lei 14.382/2022, que buscou aprimorar o procedi-
mento através da virtualização (§ 1º, inciso IV do art. 198 da LRP) e está sendo
aplicada na Vara dos Registros Públicos de Porto Alegre/RS, dependendo de
regulamentação para aplicação nas Comarcas do interior.
Observa-se que a lei não previu um prazo para que o Registrador formalize
a Dúvida; todavia, por analogia e pela regra geral da qualicação, o prazo para
preparar e noticar o apresentante para que tome ciência das razões da dúvida,
agora é de 10 (dez) dias úteis. Somente após a ciência do apresentante é que o
Ocial poderá encaminhar o pedido.
Assim, uma vez recebidos os documentos pelo juiz, este irá esperar o prazo
de manifestação da parte interessada, a qual deverá estar representada por ad-
vogado, conforme exigem os arts. 1º do Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil (Lei 8.906/1994) e 103 do CPC. Se não for esperado o transcurso deste prazo
para impugnação, haverá cerceamento de defesa, viciando todo o procedimento.
A não apresentação de impugnação não gera revelia, o que implica armar
que, mesmo assim, a sentença poderá ser favorável ao interessado. Entretanto, a
apresentação da impugnação deve contestar todas as exigências formuladas pelo
Ocial, pois, se o interessado se conformar com parte do solicitado pelo Registrador,
a Dúvida restará prejudicada. Neste sentido, Apelações Cíveis 688-6/05 e 105-6/16.
5. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Conselho Superior da Magistratura. Apelação Cível 100.525-0/5.
Relator: Des. Gilberto Passos de Freitas, São Paulo, publicado no D OE de 17-05-2007. Disponível em:
ipopublicacao=5&nu-
Seqpublicacao=1643>. Acesso em: 03 maio 2022.
6. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Conselho Superior da Magistratura. Apelação Cível 105-6/1. Relator:
Des. Luiz Tâmbara, São Paulo, publicado no DOE de 05-2-2004. Disponível em:
tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=5&nuSeqpublicacao=1272>.
Acesso em: 03 maio 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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Válido referir que se houver, por exemplo, três itens/negativas na nota de
exigência (hoje, nota devolutiva) confeccionada pelo Ocial, contudo a parte
interessada não concorde com apenas um deles e consiga sanar os outros, deverá,
então, cumprir ou juntar a documentação referente àquelas exigências dos dois
outros itens, reapresentar o título no protocolo, ao passo que será elabora nova nota
de devolução exigindo, por óbvio, apenas o item que o apresentante não cumpriu,
aí poderá a parte solicitar ao Ocial a instauração do Procedimento de Dúvida.
Além disso, pode ocorrer de o Ocial, quando da apresentação das razões da
parte que solicitou a instauração do procedimento, restar convencido dos motivos
e/ou impossibilidade da satisfação da exigência feita à parte e reconsiderar/retra-
tar a sua negativa ao registro. Aliás, este é um ponto que merece enaltecimento
na atuação do Ocial Registrador, pois deve deixar de lado qualquer vaidade,
mostrando que o diálogo é valiosa fonte dirimente ao alcance do Direito.
De qualquer maneira, tendo em vista a busca pela desjudicialização/extra-
judicialização e a desburocratização, os Registradores não devem medir esforços
para evitar o procedimento de Suscitação de Dúvida.
Apresentada – ou não – a contestação, o magistrado irá encaminhar a
Dúvida ao Ministério Público, que terá 10 (dez) dias para se manifestar. Ainda,
registra-se que o membro ministerial, neste caso, não goza do prazo em dobro da
regra inserta no art. 180 do CPC. Aqui, cabe lembrar que, os estudiosos adeptos
da interpretação literal da lei e, consequentemente, do art. 200 da LRP manifes-
tam-se no sentido de que a presença do Ministério Público ocorrerá somente
quando houver impugnação à Dúvida suscitada pelo Registrador.
Salvo melhor juízo, essa não é a melhor técnica. A participação do Minis-
tério Público será sempre obrigatória, pois, em primeiro lugar, não se deve fazer
distinção entre os direitos representados pelos títulos submetidos a registro e, em
segundo, isso vai ao encontro do estatuído nos arts. 127, caput, e 129, IX, da Carta
Política, nos arts. 176 e 721 do CPC e nas Leis Estaduais, as quais estabelecem
que os Promotores de Justiça, no exercício de suas atribuições, além das previstas
na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público, devem zelar pela regularidade dos registros públicos.
Não sendo requeridas outras diligências, o juiz proferirá s entença, conforme
dispositivo da LRP, no prazo de 15 (quinze) dias. Sendo procedente, terá razão
o Ocial, e não será permitido o registro enquanto não atendidas as exigências.
De outro lado, se a sentença for improcedente, deverá o Ocial proceder ao ato
registral.
O Registrador não é parte interessada na Dúvida, isto é, não tem interesse
próprio que lhe legitime a interposição de recurso. Logo, se o juízo entender de
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
forma diversa da exposta pela serventia, o Registrador nada poderá fazer. Em
contrapartida, poderão recorrer da sentença o interessado (quando a Dúvida
for julgada procedente), o Ministério Público (em qualquer situação) e eventual
terceiro prejudicado (quando a decisão não lhe for favorável).
Destaca-se, conforme leciona Dip
Quanto a este último, que não pode intervir nesse processo administrativo antes da esfera
recursal – e nela só se admite à vista da expressa previsão do art. 202, LRP –, deve indicar
e, quadammodo, provar seus cogitáveis interesse jurídico e prejuízo, para que se admita o
processamento de sua apelação [...]. O termo inicial para o manejo de apelação pelo terceiro
prejudicado equivale ao das partes [...], a correr, em caso de intimações datadas distintamente,
da última intimação regular da parte.
Transitada em julgado a sentença de procedência, restituir-se-ão os do-
cumentos à parte, independentemente de traslado, dando-se ciência do ato
jurisdicional ao Ocial, a m de consignar no Protocolo e cancelar a prenotação,
liberando eventual título contraditório para ingresso no Fólio Real. Porém, se
julgada improcedente, o interessado apresentará novamente seus documentos
para o Ocial de Registro, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, a
ser arquivada, para que se proceda ao registro pretendido. Fato que será declarado
pelo Ocial na coluna de anotações do Protocolo.
Poderá, ainda, ser a Dúvida julgada prejudicada quando houver o acerta-
mento, ou quando a parte desistir do Procedimento, ou reconhecer estar sem
razão, tendo ou não impugnado dentro do prazo legal. De acordo com o art. 207
da LRP, no processo de dúvida somente serão devidas custas, a serem pagas pelo
interessado, quando a dúvida for julgada procedente. “O ocial não as deve, em
qualquer caso, pois pratica ato de ofício, sem ter interesse juridicamente protegi-
do na decisão proferida7. Não há previsão na lei para pagamento de honorários
advocatícios, pois a sucumbência somente é devida quando há lide, o que não
ocorre neste procedimento de ordem administrativa.
Não se admite a regularização do título no decorrer do Procedimento de
Dúvida, porque isso conguraria em indevida prorrogação da prenotação, que
é, conforme nova redação dada pela Lei 14.382/2022, de 10 (dez) dias, em de-
trimento de interesses de terceiros com títulos contraditórios. Neste sentido, é a
Apelação Cível 52.664-0/58.
7. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. atual. até 1º de outubro de 2002. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 421.
8. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Conselho Superior da Magistratura. Apelação Cível 52.664-0/5.
Relator: Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, Osasco, publicado no DOE de 29-11-1999. Disponível
em: so ciados/jurisprudencia_integra/3080>. Acesso em: 18 ago. 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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5.5 APLICABILIDADE
Neste item, discute-se a aplicabilidade deste Procedimento para todos os atos
registrais, tais como matrícula, averbação e registro (stricto sensu), ou somente
para este último.
Segundo se infere dos arts. 198 e seguintes da LRP, o Procedimento de
Dúvida será suscitado por provocação da parte interessada, quando esta não se
conforma com a exigência formulada pelo Registrador ou quando ela não tem
condições de satisfazê-la. Desta forma – como pode haver impugnação de títulos
que pretendam qualquer espécie de ato registral, sem distinção, seja a matrícula,
ou o registro, ou a averbação – o Procedimento de Dúvida não se restringe apenas
aos casos de lançamento de um registro (stricto sensu), mas a todos os casos.
Observa-se que a lei não criou restrição alguma quanto à espécie de ato re-
gistral que pode ensejar a suscitação da Dúvida; portanto, não pode, o intérprete,
fazê-lo no sentido de restringir um direito reconhecido por lei. Como se vê, o art.
198 da LRP estabelece a impugnação de títulos, independentemente do ato que
dele será originado; não de títulos registráveis.
Como exemplo, serão apresentados cas os que podem ensejar dito Proce-
dimento diante do requerimento pela parte interessada da realização de uma
abertura de matrícula, ou de uma averbação:
a) para a abertura de matrícula por requerimento sem a apresentação de um
título para registro, cujo imóvel ainda se encontra transcrito no sistema antigo,
anterior à Lei 6.015/1973, a parte interessada entende que não é necessária a
atualização dos dados objetivos do imóvel para dar condições de abrir a matrí-
cula. Tem-se como exemplo: a área, o logradouro, a distância da esquina mais
próxima, as medidas lineares etc. (arts. 176, § 1º, II, e 225, da LRP), podendo,
a parte interessada, requerer a Suscitação da Dúvida para obter a apreciação
judicial das suas razões.
O artigo 176 da LRP foi alterado pela Lei 14.382/2022, sendo acrescido ao
artigo os parágrafos 14, 15, 16, 17 e 18, buscando facilitar o procedimento para
abertura de matrícula, que indicam eventuais insuciências de elementos de
Especialidade Objetiva ou Subjetiva não impedem a abertura de matrícula, se o
Ocial tiver segurança quanto à localização e à identicação do imóvel.
Além disso, a Lei 14.382/2022 incluiu o parágrafo 17º no art. 176 da Lei
6.015/1973, admitindo a apresentação de documentos complementares ou de-
clarações dos proprietários/interessados, desde que não alterem elementos do ato
ou do negócio praticado, tudo com o objetivo de conferir agilidade e simplicar
a qualicação dos títulos:
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Princípio da disponibilidade: É a possibilidade de se transferir apenas os
direitos que detêm, ou seja, ninguém pode transferir mais direitos do que os
constituídos pelo RI, a compreender a disponibilidade física (área disponível do
imóvel) e a jurídica (a vincular o ato de disposição à situação jurídica do imóvel
e da pessoa, art. 176, § 1º, III da LRP).
b) para a averbação do direito de preferência oriundo de um contrato de
locação em que não foram reconhecidas as rmas dos contratantes e das teste-
munhas, a parte requer a suscitação da Dúvida por entender desnecessária tal
providência.
Outrossim, há jurisprudência que não admite o Procedimento de Dúvida
para a discussão de um título passível de averbação:
[...] 1. Não se trata propriamente de dúvida, pois o ato em questão é de averbação, devendo
ser processado como Pedido de Providências. 2. A averbação da caução não exige o registro
do contrato de locação. 3. Deve, o Ocial, ater-se em atender a acatar os interesses dos usu-
ários, mormente quando não se consegue vislumbrar prejuízos ou danos aos interessados.
Pedido de Providências procedente9.
Importante ressaltar que a Lei não faz distinção nenhuma acerca da susci-
tação de dúvida para registro e averbação.
5.6 COMPETÊNCIA
Para a resolução dos Procedimentos de Dúvida,
o juízo é indicado na forma da lei estadual, tanto podendo ter caráter local, na comarca,
quanto estadual, determinado pelo órgão judiciário, ao qual a lei atribui competência para
estabelecer normas gerais referentes aos serviços registrários e notariais, conforme conste
da lei da respectiva unidade da Federação ou do Distrito Federal10.
Como regra, de acordo com as normas administrativas de cada Estado, as
Dúvidas são decididas por um magistrado da Justiça Estadual. No interior do
Estado, será atribuição do Juiz de Direito – Diretor do Foro – ou de um Juiz de
Vara Cível. Nas capitais, pelo volume de Procedimentos, quase sempre há varas
especializadas. Por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, há, em Porto Alegre,
9. SÃO PAULO. Vara dos Registros Públicos. Processo 000.05.033180-9. Juiz: Dr. Venício Antonio de
Paula Salles, São Paulo, publicado no DOE de 21-6-2005. Disponível em:
com.br/duvida-averbacao-procedimento-administrativo-locacao-caucao.html>. Acesso em: 18 ago.
2022.
10. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada (Lei 8.935/94). 2. ed. ampl. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 180.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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a Vara dos Registros Públicos. Nas demais Comarcas, as Dúvidas são dirimidas
pelo Juiz de Direito Diretor do Foro.
Ocorre, porém, uma exceção dentro do ordenamento jurídico quanto à
competência para o julgamento de Dúvidas, a qual está prevista na Lei 5.972/1973,
a qual disciplina o procedimento do registro da propriedade de bens imóveis
outorgando à Justiça Federal a atribuição para julgar Dúvidas suscitadas em
virtude de processos de discriminação administrativa de bens possuídos pela
União Federal.
Do exposto, o que se percebe é uma competência a nível estadual; contudo,
nos tribunais superiores é possível visualizar decisões de cunhos diverso:
Por ter caráter eminentemente administrativo, as dúvidas suscitadas pelo oficial do
registro de imóveis devem ser decididas pelo Juízo estadual corregedor do cartório
respectivo à luz da lei de organização judiciária local. (C 484, 1ª Seção, Min. José de Jesus
Filho, j. 31.10.1989).
Em face de sua natureza administrativa, o processo de dúvida deve ser decidido pelo Juízo
estadual corregedor do cartório de registro de imóveis, que o formulou. (CC 4.840, 2ª Seção,
Min. Barros Monteiro, j. 08.09.1993).
[...] o processo de dúvida é meramente administrativo, devendo, mesmo que haja interesse
da União, ser decidido pelo juiz corregedor competente de acordo com a lei de organiza-
ção judiciária do Estado” (RSTJ 6/120; TRF 2ª Seção, CC 7.161/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j.
18.08.1987, v.u., DJU 01.10.1987, p. 20.949; TRF 2ª Seção, CC 6.815/RS, rel. Min. Geraldo Sobral,
j. 24.11.1987, v.u., DJU 11.02.1988, p. 1901). (Código de Processo Civil e legislação processual
em vigor, 33. ed. Saraiva, p. 1755).
De outra banda, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o Conito de Competência
32.584, decidiu, num caso de dúvida suscitada relativamente à abertura de ma-
trícula, que a competência para sua apreciação era da Justiça Federal. Há, ainda,
uma importante observação feita por Dip, no sentido de que
[...] em São Paulo, a assinação da competência administrativa, no âmbito da dúvida, ao Con-
selho Superior da Magistratura pode levar ao risco de um enfrentamento ocasional desse
órgão colegiado com o Corregedor-Geral da Justiça que é, em sua ordem, o poder soberano
na scalização e disciplina dos registros públicos locais. De maneira que a uma comum supe-
rioridade correicional sucede, às vezes, a pontual dissonância de outro órgão administrativo
que, nos julgamentos particulares das dúvidas, ostenta supremacia sobre o entendimento
monocrático do Corregedor-Geral. O resultado é a aferição eventual de critérios dúplices: o
do Corregedor-Geral e o do Conselho Superior da Magistratura11.
11. Lei dos Registros Públicos comentada: Lei 6.015/1973. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
5.7 PARTES
5.7.1 Suscitante
O autor da Dúvida será sempre o Registrador das atividades registrais
previstas no art. 1º da LRP: Ocial de Registro de Pessoas Naturais, Ocial do
Registro de Pessoas Jurídicas, Ocial do Registro de Títulos e Documentos,
Ocial de Registro de Imóveis, que são os responsáveis pela Serventia Registral.
No caso do Tabelionato de Protesto de Títulos, a responsabilidade será
do respectivo Tabelião, nos termos do art. 18 da Lei 9.492/1997. Isso porque
a Serventia é de sua responsabilidade, em todos os aspectos. A delegação ou-
torgada, conforme o art. 236 da CF, impõe a eles o dever de submeter os casos
enquadrados no art. 198 da Lei 6.015/1973 e no art. 18 da Lei 9.492/1997 ao
juízo competente.
Segundo Ceneviva12, o Procedimento de Dúvida pode ser declarado pelo
Registrador ou pelo Tabelião de Protesto, bem como pelo substituto, cuja indi-
cação tenha sido comunicada ao juiz competente, quando da aplicação do art.
20, § 5º, da Lei 8.935/1994. Este dispositivo legal assim preleciona: “Dentre os
substitutos, um deles será designado pelo notário ou ocial de registro para res-
ponder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular”13.
Assim, constata-se que o substituto poderá suscitar a dúvida somente quando o
Ocial não puder fazê-lo.
Neste sentido, é o entendimento do Desembargador Márcio Martins Boni-
lha, que já se manifestou na ocasião do julgamento de uma Apelação sobre o tema:
Pondere-se, desde logo, que a dúvida foi suscitada pelo escrevente substituto do 2º Cartório
de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos, em desacordo com o estatuído
pelo art. 198 da Lei 6.015/73, o que é inadmissível.
Todavia, o preposto do ocial de registro foi designado para responder pelo respectivo ser-
viço nas ausências e nos impedimentos do titular, nos exatos termos do art. 20, § 5º, da Lei
8.935/94, autorizando, por essa razão, excepcionalmente, a suscitação14.
12. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada (Lei 8.935/94). 2. ed. ampl. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 180.
dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Diário Ocial da União, Brasília,
21 nov. 1994.
14. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 031221-0/0. Parcelamento do solo urbano – des-
membramento – regularização de loteamento – dúvida – suscitação – preposto. Registro de Imóveis,
thesaurus jurisprudencial, acórdãos e decisões do Conselho Superior da Magistratura e Corregedoria
Geral da Justiça de São Paulo, 1996. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 201-203.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
42
Observe-se que, em todos esses casos trazidos a lume, a possibilidade de
Suscitação de Dúvida pelo Ocial exige provação (requerimento) da parte inte-
ressada, pois, este documento escrito, se destina a um processo literal com fase
judiciária. No entanto, excepcionalmente, a Lei dos Registros Públicos admite a
Suscitação de Dúvida ex ocio pelo Ocial de Registro de Títulos e Documentos,
conforme o art. 156 do mencionado diploma legal:
Art. 156. O ocial deverá recusar registro a título e a documento que não se revistam das
formalidades legais. (Renumerado do art. 157 pela Lei 6.216, de 1975.)
Parágrafo único. Se tiver suspeita de falsicação, poderá o ocial sobrestar no registro, de-
pois de protocolado o documento, até noticar o apresentante dessa circunstância; se este
insistir, o registro será feito com essa nota, podendo o ocial, entretanto, submeter a dúvida
ao juiz competente, ou noticar o signatário para assistir ao registro, mencionando também
as alegações pelo último aduzidas.
Ainda, e, aqui, esquivando um pouco da legislação pertinente aos Registros
Públicos, o legislador, na Lei 6.766/1979, apontou uma outra hipótese-exceção
de Suscitação de Dúvida ao assim referir no § 2º do seguinte artigo:
Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá sub-
metê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade
da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: [...]
§ 2º A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a
crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento
se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adqui-
rentes dos lotes. Se o Ocial do Registro de Imóveis julgar insuciente a comprovação feita,
suscitará a dúvida perante o juiz competente.
Nota-se, portanto, que a possibilidade de instauração do Procedimento de
Dúvida não está centralizada em uma única legislação, mas, também, é possível
a sua visualização na legislação esparsa, como no caso do parágrafo supra. No
entanto, todo o procedimento deve ser obser vado conforme o disposto nos arts.
198 e seguintes da Lei 6.015/1973.
5.7.2 Interessado e apresentante
A pessoa qualicada como interessada na Dúvida é aquela que titula ou
pretende titular um direito real, o que se verica da análise da matríc ula ou do
título que pretende ingressar no Fólio Rea l. É aquele que espera ver um direito
seu constituído, declarado, modicado ou extinto, isto é, aquele que sofrerá os
efeitos do ato registral colimado.
Já o apresentante do título pode s er qualquer pessoa, independentemente
de ter ou não interesse no ato registral. É aquele que comparece na serventia para
43
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
entregar o título, não necessitando ser quem gura no doc umento. Como exem-
plo, um oce-boy pode ser o apresentante de uma escritura pública de compra
e venda de um imóvel na qual gura como comprador o seu patrão. Neste caso,
será este a parte interessada. Realiza-se esta distinção para esclarecer quais os
poderes atribuídos a cada um.
Esta dicotomia ca apenas para registro acadêmico, pois o legislador, atento
a eventuais divergências na aplicação da nomenclatura mais adequada, unicou,
a partir da nova redação dada pela Medida Provisória 1.085/2021, depois, con-
vertida na Lei 14.382/2022, tornou “interessado” (inciso V do art. 198 da LRP)
termo padrão do instituto e suprimiu “apresentante” da anterior redação do caput
do referido artigo.
A nova redação afastou a celeuma que pairava a respeito da parte legitimada
para requerer o procedimento junto ao Ocial. Nesse sentido, Dip alertava que
A LRP, em seu ar t. 217, prevê que o registro e a averbação possam provocar-se por qualquer
pessoa. Vale dizer, não se reclama do apresentante legitimidade registrária (ou tabular) para a
postulação do registro. [...] Certo é que o arts. 199 e 292, LRP, mencionam a gura do interes-
sado no registro [...], mas se a legitimidade para impugnar fosse tão somente do interessado
no ato de registro, não se entenderia o motivo de ser noticado o apresentante. A regra do
art. 217, LRP, permite inferir a conclusão de que o apresentante é também interessado para
ns da impugnação da dúvida15.
Portanto, com a novel redação recebida pela LRP, cumpre ao interessado
requerer ao Ocial a suscitação da Dúvida, pois somente ele poderá agir na
busca da tutela do seu direito, não sendo permitido ao apresentante impugnar
(contestar) a Dúvida, nem recorrer da decisão. Somente ao interessado será
atribuída tal faculdade.
5.7.3 Terceiros
Por expressa previsão legal, contida no art. 202 da LRP, o legislador opor-
tunizou ao terceiro prejudicado interp or, após a sentença, o recurso de apelação.
Desta forma, parece que somente nesta ocasião um terceiro poderia vir a integrar o
Procedimento de Dúvida. Todavia, há entendimento em que se admite o ingresso
no Procedimento, antes da sentença, quando comprovado seu interesse jurídico,
como a repercussão positiva ou negativa que o registro pode proporcionar na
sua esfera de direitos e obrigações. Segundo Ceneviva16, esta intervenção se dará
através de assistência simples.
15. Lei dos Registros Públicos comentada: Lei 6.015/1973. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
16. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. atual. até 1º de outubro de 2002. São
Paulo: Saraiva, 2003.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
44
O instituto jurídico da assistência está previsto nos arts. 119 e s eguintes do
CPC. O parágrafo único do art. 119 estabelece que “A assistência será admitida em
qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente
o processo no estado em que se encontre”.
Ainda, o mesmo autor, ao analisar o conceito de terceiro prejudicado a que
se refere o art. 202, assim preleciona:
Terceiro prejudicado é todo aquele que possa demonstrar prejuízo consequente da realiza-
ção do registro ou de sua vedação. Dito prejuízo há de ser evidenciado como condição de
seu ingresso nos autos, como, por exemplo, na aplicação do art. 253. Deve provar o nexo de
interdependência entre seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação
judicial. Se o terceiro pode apelar, também pode intervir em primeiro grau, na dúvida. Não é
qualquer terceiro, com interesse, que nela pode comparecer, mas apenas aquele que com-
provou o prejuízo que lhe advirá do deferimento ou do indeferimento do registro.
Ao terceiro, é vedado, entretanto, introduzir elementos de direito ou de fato estranhos ao
âmbito da dúvida. Esta é do ocial, que a declara ao juiz. As questões que o terceiro discuta
em juízo relacionam-se com o prejuízo, seja no satisfazer a exigência, seja no demonstrar a
impossibilidade de atendê-la.
A lei, embora o caráter administrativo da dúvida, assemelha-a, no art. 202, ao processo
comum, de natureza contenciosa, ensejando ao terceiro ser interveniente no processo de
dúvida, em qualquer grau. Pode ele, a título próprio, requerer reticação ou cancelamento
de registro que lhe cause prejuízo (art. 212)17.
Há, contudo, jurisprudência em sentido literal ao exposto no caput do artigo
que autoriza o manejo do recurso de apelação. Como exemplo, cita-se o voto do
eminente Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, que assim se manifestou:
[...], importa considerar que o artigo 202 da mesma Lei 6.015 admite que, além do interes-
sado e do Ministério Público, igualmente o terceiro prejudicado possa recorrer da sentença
proferida na dúvida.
Ou seja, embora em seu curso não se permita a intervenção de terceiro (v.g. Acórdãos 1.249-0,
602-0 e 1.176-0), pois que atinente seu objeto a dissenso entre o registrador e o interessado,
admite a lei que o terceiro apresente recurso contra sentença que na dúvida se prora.
E a identicação de quem se subsuma a este conceito de terceiro, como já assentou o Con-
selho Superior da Magistratura (cf. Acórdão 12.020-0/4), e ainda ao que se infere da própria
sistemática recursal da Lei Registrária, deve ser feita com socorro ao processo civil.
A norma aplicável, então, é a do artigo 499, § 1º, do CPC, segundo a qual terceiro interessado
é todo aquele que demonstre nexo de interdependência entre seu interesse em intervir e a
relação jurídica submetida à apreciação judicial.18
17. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. atual. até 1º de outubro de 2002. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 413.
18. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 23.780-0/7. Relator: Des. Antonio Carlos Alves
Braga, Americana, 11-5-1995. Disponível em: ollemata.com.br/duvida-recurso-ter-
45
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Caso o interessado não comprove seu interesse na resolução de Dúvida,
seja a sentença de que natureza for, não poderá intervir no Procedimento. Neste
sentido, a ementa segue:
Registro de Imóveis – Dúvida julgada improcedente – Pretensão que visava o registro de
carta de adjudicação expedida nos autos de ações de adjudicação compulsória – Recurso
interposto pelo réu daquela ação alegando falsidade dos compromissos de venda e compra
que instruiriam aquele feito – Falta de interesse recursal – Recurso interposto por terceiro
que não se conhece.
Ao terceiro que pretenda recorrer da sentença proferida em procedimento de dúvida, cumpre
demonstrar seu legítimo interesse em fazê-lo. Carece de interesse recursal o réu da ação de
adjudicação compulsória, quando este, para sustentar os motivos da recusa oposta pelo
registrador, alega fundamento estranho e de caráter pessoal, denotando que sua intenção
é evitar, por via reexa, o registro da Carta de Adjudicação extraída em cumprimento da
sentença transitada em julgado.19
5.8 DÚVIDA DO TABELIÃO DE NOTAS: ASSISTÊNCIA SIMPLES
Até então se falou na suscitação da Dúvida pelo Registrador ou pelo Tabelião
de Protesto de Títulos, não admitindo, por falta de previsão legal e de lógica, tal
prerrogativa, ao Tabelião de Notas. Certo é, assim, que o Tabelião de Notas jamais
poderá suscitar uma Dúvida, não obstante a 6ª Câmara Cível já ter se manifestado
em sentido oposto:
Dúvida suscitada por Tabelião em torno da exigência legal de negativa scal. Não integrando
a negativa scal o ato jurídico, possível sua lavratura, desde que o adquirente assuma eventual
crédito em prol do Poder Público. O ato realizado, sem a mesma exigência legal, é válido,
mas pode ser inecaz frente à Fazenda Pública ou Instituição Previdenciária, se a mesma foi
preterida. Recurso provido para se autorizar a escrituração, materializando negócio jurídico20.
Outrossim, há que se estudar a possibilidade – ou não – de o Notário, na
qualidade de autor do ato notarial, participar do Proce dimento de Dúvida, ou
como interessado, ou como terceiro.
Segundo o conceito de interessado anteriormente apresentado, que se refere
àquele que integra ou pretende integrar um ato registral, repercutindo na sua
ceiro-prejudicado-intervencao-de-terceiro-recurso-fazenda-publica-impostos-recolhimento-qua-
licacao-registral.html>. Acesso em: 18 ago. 2022.
19. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 024690-0/3. Relator: Des. Antonio Carlos Alves
Braga, Campinas, 26-1-1996. Registro de Imóveis, thesaurus jurisprudencial, acórdãos e decisões do
Conselho Superior da Magistratura e Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, 1996. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 27-28.
20. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 5981170876. Relator: Des. Décio Antônio
Erpen.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
46
esfera de direitos e obrigações, não se vê a possibilidade de o Tabelião de Notas
ser considerado desta forma. A participação do Notário na escritura pública,
com a inserção do seu sinal raso e, de consequência, a menção da sua autoria no
ato registral, parece não caracterizar a gura do interessado. Mas, admite-se, a
matéria é discutível.
No âmbito da jurisdição contenciosa, de acordo com os arts. 119 e seguintes
do CPC, a assistência simples – também chamada de adesiva – é espécie do gê-
nero assistência. Neste instituto, o terceiro interessado em que uma lide não seja
desfavorável para uma das partes da lide (autor ou réu), pratica atos processuais
com o intuito de ajudá-la na defesa e na obtenção uma sentença favorável. Neste
passo, são pressupostos de admissibilidade da assistência, segundo o sistema
vigente: (a) existência de uma causa pendente e (b) interesse jurídico.
O primeiro requisito de admissibilidade abre a possibilidade de o assistente
ingressar na lide em qualquer momento, independentemente do grau e do tipo
de ação (ordinárias e cautelares), sem que com isso venha signicar anulação
de todos os atos processuais, pois o terceiro interessado recebe o processo no
estado em que se encontra. Essa regra, no entanto, possui algumas restrições
dependendo da natureza da ação.
O doutrinador Athos Gusmão Carneiro somente entende possível a assis-
tência no processo de execução de título extrajudicial se houver embargos do
devedor. Assim, tratando-se de Ação de Cumprimento de Sentença, o momento
da assistência exauriu-se no processo de cognição.
Arma o eminente estudioso:
O interesse que legitima a participação do terceiro, como se referiu acima, deverá ser jurídico,
não se admitido o instituto por caráter meramente moral ou econômico. O interesse jurídi-
co, portanto, funda-se em defesa de um direito mediato, na medida em que defendendo o
direito de uma das partes, o assistente também protege sua esfera patrimonial ou moral21.
A participação do assistente será requerida ao juízo competente através de
petição fundamentada, devendo ser demonstrado de forma inequívoca o seu
interesse jurídico no êxito de um dos litigantes. Não havendo impugnação das
partes em cinco dias, o Requerente assume a posição de assistente, salvo se o
magistrado entender que aquele que pleiteia o instituto não preencheu os pres-
supostos de admissibilidade.
Contudo, registra-se que o assistente não é parte no processo, ainda que o
Código Civil impropriamente o mencione como “auxiliar da parte principal”. O
21. CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 52.
47
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Terceiro Interveniente não formula nenhum pedido, bem como nada é pedido
contra ele, sendo mero coadjuvante do litigante, a quem assiste.
No processo cível, existem dois tipos de assistência, sendo a primeira intitu-
lada assistência simples; a segunda, assistência litisconsorcial. A diferença entre
as duas está na intensidade com que o assistente será atingido pela sentença: no
último tipo de assistência, o direito do assistente está em causa (ex.: Ação Rei-
vindicatória, onde, na matrícula do imóvel, consta a constituição de usufruto;
ação anulatória de testamento, ajuizada por um dos herdeiros legítimos). Já na
assistência simples, a causa de pedir não prejudica a relação jurídica que o assis-
tente possui com uma das partes. Essa distinção é importante para delimitar os
poderes processuais do assistente.
O Código de Processo Civil preconiza a igualdade de poderes ao assistido
e ao assistente. Todavia, quando se tratar de assistência simples, o interveniente
deve atuar sempre complementarmente à atividade processual do assistido e
conforme a orientação de sua defesa no processo, jamais assumir postura antagô-
nica. Na assistência litisconsorcial, não há tal limitação; os atos e as omissões de
um não prejudicam nem beneciam o assistido, podendo, o terceiro interessado,
estabelecer as diretrizes de sua própria defesa, sem submeter ao entendimento
do assistido.
No âmbito desse instituto, a jurisprudência e a doutrina admitem o Tabelião
como assistente simples, quando, como exemplo, o herdeiro legítimo ajuíza uma
ação de anulação da Escritura Pública de Doação, pois a eventual anulação do
negócio jurídico afetará não só a parte, como também acarretará a responsabi-
lidade civil do Tabelião, eventualmente.
Nesse sentido, Athos Gusmão já asseverou:
É jurídico o interesse no clássico exemplo do Tabelião que requer ser admitido como assistente
do réu em ação proposta para anular, por defeito formal, a escritura pública que redigiu. Se
procedente a demanda, surgirá em tese, em favor do interessado na validade da escritura,
pretensão indenizatória contra o notário22.
Corroboram esta tese as jurisprudências abaixo:
Doação. Escritura pública. Assinatura em hospital, colhida por funcionários do Tabelionato.
Firma das testemunhas lançadas no tabelionato. Finalidade da forma solene. Falta de recepção
da vontade do doador pelo tabelião. Nulidade da escritura23.
22. Intervenção de terceiros, cit., p. 52.
23. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 41293, Relator: Werter Rotondo, julgada
em 9-6-1982.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
48
Anulação de escritura de doação. Isquemia cerebral. Existindo evidentes sinais de que o
doador houvesse sido acometido por acidente vascular cerebral, decorrente de isquemia
cerebral, competia ao Tabelião exigir que as par tes comprovassem a higidez mental do do-
ador, haja vista a gravíssima afetação patrimonial que decorre do ato. Rejeitada a preliminar.
Apelação provida. Sucumbência invertida24.
Ação de anulação de escritura pública de doação. Supostos vícios no negócio jurídico em face
da condição de alcoolista do doador. Ausência de prova da incapacidade relativa do doador,
a qual não se presume. Sentença de improcedência mantida. Inexistindo prova inequívoca
de que o doador não tinha capacidade de discernir por ocasião da feitura da doação em
razão do alcoolismo, descabe a anulação do negócio jurídico realizado, mormente estando
o Tabelião presente no momento da celebração do ato. Apelo desprovido25.
Anulação de doação. Alegação de erro sobre a natureza do ato praticado. Se a parte que pos-
tula a anulação de doação, alegando acreditar que, na ocasião, estava fazendo testamento,
nenhuma prova produz, inarredável o desprovimento do recurso, pois, além da escritura
pública de doação, outorgada pessoalmente pela autora da ação, em presença de Tabelião,
que goza, legalmente, de fé pública, há o fato de, alguns meses após a doação, ter a autora
comparecido novamente em presença do Tabelião, oportunidade em que testou seus bens
aos réus, testamento posteriormente revogado. Recurso desprovido26.
Assim, o interesse jurídico do Tabelião de Notas, no âmbito processual, é de
fácil compreensão, sendo reiteradamente admitido em feitos judiciais, mediante o
Instituto da Assistência. Anal, os efeitos da sentença que solucionar uma demanda
de anulação de escritura pública poderão repercutir indiretamente no patrimônio
do Notário, sendo razão suciente para inter vir no feito e auxiliar uma das partes,
não só porque participou e testemunhou fatos importantes, contidos na demanda,
como também possui interesse na declaração de validade do ato que praticou.
Neste passo, questiona-se sobre a possibilidade desse t ipo de instituto ser
aplicado nos casos de processo administrativo, como ocorre no Processo de Dú-
vida. Entendo ser possível, à medida que a sentença possa repercutir na esfera de
terceiro, pois se tem, aqui, todos os pressupostos de admissibilidade da assistência.
Neste sentido, também já se manifestou Antonio Albergaria Pereira27, bem
como comentando que, à medida que os registradores e os notários são prossio-
24. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70001936533, Relator: Guinther Spode,
julgada em 19-6-2001.
25. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70013174958, Relator: José Aquino Flores
de Camargo, julgada em 9-11-2005.
26. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70004099735, Relator: Diógenes Vicente
Hassan Ribeiro, julgada em 14-8-2002.
27. ALBERGARIA, Antonio. Água mole em pedra dura: escritura não acolhida pelo Ocial Registrador.
Exigência descabida. Diário das Leis – Direito Imobiliário n. 9, 3º Decênio. São Paulo, março de 2008.
Em sentido contrário: RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70007328867.
Relator Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, Porto Alegre, DJ 2.757, de 18-12-2003. Disponível em:
vo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=70007328867&conteudo_bus-
ca=ementa_completa>. Acesso em: 18 ago. 2022.
49
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
nais do Direito (art. 3º da Lei 8.935/1994) e estão no mesmo nível de igualdade
funcional, deveria ser dado ao notário, na qualidade de elaborador do título, o
direito de participar obrigatoriamente no processo de dúvida suscitado pelo
Registrador, antes da manifestação do Órgão do Ministério Público, também,
a m de que este possa, igualmente, contestar a exigência formulada. Anal,
questiona-se a legalidade de seu trabalho e o m a que se presta: dar segurança
jurídica às partes da ecácia do negócio realizado sob sua presença.
Diante disso, trazendo esse instituto da assistência regulado pelo Código
de Processo Civil, para o âmbito do processo administrativo, mais precisamente
para o processo de suscitação de dúvida, pode-se defender a ideia da aplicação
desse instrumento neste tipo de ato. O fundamento jurídico é a defesa da validade
e ecácia do ato lavrado, além de o Tabelião de Notas ser parte interessada, nos
termos dos arts. 13, 198 e 217 da LRP, pelas razões que passo a explicar.
O Notário, ao lavrar uma escritura pública, transmitiu segurança jurídica
aos negócios bilaterais e atos unilaterais. Quando questionado ou impugnado,
essa segurança ca abalada, tendo legítimo interesse em resguardar a validade
do ato notarial praticado. Trata-se, portanto, de um interessado na Suscitação
de Dúvida no momento em que o Registrador emite um juízo negativo do ato
lavrado em sua Serventia.
Conforme o art. 198 da LRP, é facultado à parte requerer ao Registrador
a Suscitação de Dúvida quando se sentir lesada ou quando não puder cumprir
a exigência feita, cabendo ao interessado impugná-la em quinze dias em juízo.
Trabalhando com a ideia de que o Tabelião de Notas é interessado, este terá o
direito de impugnar o respectivo processo em defesa da sua escritura pública.
Observe-se que tal tese é reforçada pelo fato de que Notário tem relação ma-
terial com a parte, na medida em que o Código Civil preconiza obrigatoriamente
a forma pública do negócio jurídico:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos ne-
gócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modicação ou renúncia de direitos
reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Como se vê, o Tabelião de Notas possui o direito de ingressar no Processo
de Dúvida como terceiro interessado, fornecendo às partes envolvidas todos os
suportes jurídicos para proteger a validade e ecácia do ato lavrado, daí a parti-
cipação efetiva do Notário no Procedimento Administrativo de Dúvida.
Dadas estas considerações, aliadas à lembrança de que compete ao apresen-
tante requerer que o Ocial suscite a Dúvida, conclui-se o s eguinte:
a) analisando as faculdades outorgadas ao Tabelião de Notas, ao qual se
atribui a capacidade de intervenção como assistente simples no processo civil,
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
50
constata-se que, ao Notário, é dada a prerrogativa de defender o seu ato em um
Procedimento de Dúvida;
b) o Tabelião de Notas, quando na prestação do seu múnus público, pode
apresentar ao Registro de Imóveis os títulos lavrados em sua serventia. Desta
forma, quando considerado apresentante do título, poderá ele requerer a Susci-
tação da Dúvida;
c) ainda, pode o Tabelião de Notas, autor de uma determinada escritura
pública que teve seu registro recusado, participar do Procedimento de Dúvida
na posição de terceiro interessado, por meio do instituto da assistência simples,
prestando ao juízo competente todas as informações necessárias para que a Dú-
vida seja julgada improcedente.
Isto porque a impugnação de um título notaria l pode repercutir na esfera jurí-
dica do Tabelião de Notas, pois, se o título lavrado é imprestável para o destino que
se pretendeu, a parte interessada poderá, em tese, ingressar com uma ação de indeni-
zação contra o Tabelião pela f rustração da expectativa gerada. Neste caso, a atividade
desempenhada pelo Notário é de resultado e, por isso, o autoriza à defesa do seu ato.
Ademais, deve ser permitido ao Tabelião de Notas defender a legalidade da
escritura pública lavrada porque ele é um prossional do Direito dotado de fé
pública, detentor de conhecimentos jurídicos para discutir os argumentos ex-
postos pelo Registrador, não raras vezes em condições sup eriores, se comparado
com os gurantes do título, isto é, os usuários do serviço notarial. O Tabelião
de Notas é quem colhe a vontade das partes, saneia o negócio jurídico, previne
litígio e lavra o ato, conservando o documento para a posteridade. Ter-se-ia, na
discussão de Procedimentos de Dúvida que envolvam títulos notariais, maior
igualdade entre os sujeitos que o guram.
5.8.1 Da admissão da assistência simples pelas Corregedorias-Gerais da
Justiça dos Estados
A Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, em 2013, p or
intermédio do Provimento 5828, instituiu a intervenção do Tabelião de Notas
28. Redação anterior: “Art. 1.104-A. O Juiz de Direito com competência em Registros Públicos, nos
procedimentos de suscitação de dúvida, antes da prolação da sentença, poderá admitir a intervenção
espontânea do tabelião de notas que lavrou a escritura pública objeto da desqualicação registral,
solicitando, por despacho irrecorrível, de ofício ou a requerimento do interessado, a manifestação do
notário, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
Parágrafo único. A intervenção tratada no caput independerá de representação do tabelião de notas por
advogado, assim como do oferecimento de impugnação e não autoriza a interposição de recurso.” Dis-
ponível em: egedoria/wp-content/uploads/2016/06/Provimento_58-2013.
pdf>. Acesso em: 03 maio 2022.
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
no Procedimento de Suscitação de Dúvida, hoje, entretanto, a redação daquele
dispositivo fora alterado, pois houve a confecção de um novo Código de Normas
(Provimento 20/201729) que regula as atividades Notarial e Registral, o novel
artigo é o seguinte:
Art. 392. Não se conformando o apresentante com as exigências do registrador, ou não
podendo satisfazê-las, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, obri-
gatoriamente acompanhada de cópia da nota de exigências, remetido ao Juiz competente,
obedecendo-se ao seguinte: [...]
§ 3º O Juiz, a qualquer tempo antes da prolação da sentença, poderá admitir a intervenção
espontânea do tabelião de notas que lavrou a escritura pública objeto da desqualicação
registral, solicitando, por despacho irrecorrível, de ofício ou a requerimento do interessado,
a manifestação do notário, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 4º A intervenção tratada no parágrafo precedente independerá de representação do ta-
belião de notas por advogado, assim como do oferecimento de impugnação e não autoriza
a interposição de recurso.
Naquela oportunidade, o parecer elaborado pelos eminentes Juízes Auxilia-
res da Corregedoria-Geral da Justiça do TJ-ES, Aldary Nunes Junior e Ezequiel
Turibio, magistrados que enaltecem o judiciário capixaba pela competência e
vanguarda nos avanços das atividades registral e notarial, foi disposta de forma
fundamentada a importância do provimento para o enriquecimento do proce-
dimento de dúvida e subsídio à decisão do julgador.
Com a intervenção do tabelião de notas, o magistrado, ao julgar o procedimento de dúvi-
da, poderá contar com os argumentos e esclarecimentos do responsável pela lavratura da
escritura pública que recebeu qualicação negativa do registrador, o que irá contribuir na
formação do convencimento jurídico do sentenciante30.
A situação é semelhante na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado
do Mato Grosso. Todavia, a Corregedoria autoriza a participação facultativa
dos Tabeliães de Notas no procedimento de dúvida registral, que ganhou
redação inicial por meio da edição do Provimento 16/201431. Hoje, com a
29. Disponível em: r/corregedoria/wp-content/uploads/2020/07/CN-EXTRAJU-
DICIAL-TOMO-II.pdf>. Acesso em: 03 maio 2022.
30. Parecer da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, Processo 2013.01.563.171,
Aldary Nunes Junior e Ezequiel Turibio.
31. Redação anterior: “2.1.7. Quando a suscitação da dúvida registral estiver fundada em qualicação
negativa operada em relação à escritura pública apresentada ao registro, o Ocial Registrador, na mesma
oportunidade em que der ciência da dúvida ao apresentante, entregando-lhe cópia da suscitação, na
forma estabelecida pelo inciso III do art. 198 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, dará ciência
dos termos da dúvida ao Tabelião de Notas que lavrou o ato notarial, fornecendo-lhe cópia das razões
da suscitação apresentada;
2.1.7.1. O Tabelião de Notas disporá do prazo de 15 (quinze) dias para, se julgar oportuno, habilitar-se,
perante o juízo competente, como assistente simples do apresentante do título, oferecendo, nesse mes-
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
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vigência de um novo Código de Normas (Provimento 42/202032), a redação
que se apresenta é:
Art. 692. Quando a suscitação da dúvida registral estiver fundada em qualicação negativa,
operada em relação à escritura pública apresentada ao registro, o responsável pelo expediente
do cartório de registro de imóveis, na mesma oportunidade em que der ciência da dúvida
ao apresentante, entregando-lhe cópia da suscitação, na forma estabelecida no inciso III do
art. 198 da Lei 6.015/1973, dará ciência dos termos da dúvida ao tabelião responsável pela
serventia de notas que lavrou o ato notarial, fornecendo-lhe cópia das razões da suscitação
apresentada.
§ 1º O responsável pelo tabelionato de notas disporá do prazo de 15 (quinze) dias para, se
julgar oportuno, habilitar-se, perante o juízo competente, como assistente simples do apre-
sentante do título, oferecendo, nesse mesmo prazo, as razões que sustentam a validade e o
acerto do ato notarial por ele lavrado, previamente à prolação da sentença.
§ 2º O cumprimento do disposto nos artigos deste capítulo deverá ser certicado, antes
da remessa das razões da dúvida, acompanhadas do título, ao juízo competente, na forma
Verica-se que no Mato Grosso, diferentemente dos outros Estados, o
Registrador Imobiliário tem o dever de entregar ao Tabelião de Notas, na etapa
prevista no inciso III do art. 198 da Lei 6.015/1973, cópia das razões da suscitação
apresentada.
No Rio Grande do Sul não foi diferente, a Corregedoria-Geral Estadual publi-
cou, em 08 de abril de 2014, o Provimento 08/201433, o qual oportunizou ao juiz a
possibilidade da admissão da intervenção do Tabelião de Notas no Procedimento
de Dúvida. Também houve a confecção de uma nova Consolidação Normativa
Notarial e Registral (Provimento 01/2020) no estado gaúcho, passando, então, o
art. 335-A a receber nova numeração e redação, conforme segue:
mo prazo, as razões que sustentam a validade e o acerto do ato notarial por ele lavrado, previamente
à prolação da sentença;
2.1.7.2. Certicará o cumprimento do disposto nos itens anteriores, antes de remeter as razões da
dúvida acompanhadas do título, ao juízo competente, na forma prevista pelo inciso IV do art. 198 da
Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.” Disponível em:
gedoria-arquivos-prod/cms/Provimento_16_2014.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2022.
32. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Foro Extrajudicial – CNGCE. Disponível em:
rg.br/novo/wp-content/uploads/2020/12/42.2020-CGJ-Institui-nova-CN-
GCE.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2022.
33. Redação anterior: “Art. 335-A. O Juiz de Direito Diretor do Foro ou da Vara dos Registros Públicos, nos
procedimentos de suscitação de dúvida, antes da prolação da sentença, poderá admitir a intervenção
espontânea do tabelião de notas que lavrou o ato notarial objeto da qualicação registral, solicitando
por despacho irrecorrível, de ofício ou a requerimento do interessado, a manifestação do notário, no
prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
Parágrafo Único. A intervenção do tabelião tratada no caput independerá de representação do tabelião
de notas por advogado, assim como do oferecimento de impugnação e não autoriza a interposição de
re c u r s o .”
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5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Art. 445. O Juiz Diretor do Foro ou da Vara dos Registros Públicos, nos procedimentos de sus-
citação de dúvida, antes da prolação da sentença, poderá admitir a intervenção espontânea
do Tabelião de notas que lavrou o ato notarial objeto da qualicação registral, solicitando,
por despacho irrecorrível, de ofício ou a requerimento do interessado, a manifestação do
Notário, no prazo de 15 (quinze) dias.
Parágrafo único. A intervenção do Tabelião tratada no caput independerá de representação
do Tabelião de notas por advogado, assim como do oferecimento de impugnação, e não
autoriza a interposição de recurso.34
A intervenção do Notário no Rio Grande do Sul se assemelha ao procedi-
mento adotado pela Corregedoria do Estado do Espírito Santo.
5.9 A PARTICIPAÇÃO DO TABELIÃO DE NOTAS COMO AMICUS
CURIAE. REFLEXÕES SOBRE O PROVIMENTO 14/2013 DA
CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO35
Na época, pelo Provimento 14/201336, o Corregedor-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, Des. José Renato Nalini, após acatar sugestão apresentada
pelo Juiz-Assessor da Corregedoria, Luciano Gonçalves Paes Leme (que lavrou o
Parecer 143/2013-E, juntado aos autos do Processo 2012/00124108-DICOGE),
alterou disposições das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça
paulista para admitir a participação do Tabelião de Notas no procedimento de
dúvida, na qualidade de amicus curiae , acolhendo parcialmente, dessa forma,
proposta apresentada pelo Colégio Notarial do Brasil-Conselho Federal (CNB/
CF) e pelo Colégio Notarial do Brasil-Seção São Paulo (CNB-SP).
O normativo administrativo baixado pela insigne Corregedoria paulista
tem em mira enfrentar a polêmica e não recente questão relativa à possibilidade
de o Notário poder, em sede de procedimento de dúvida, sustentar a defesa da
escritura pública por ele lavrada, quando esta tenha sido objeto de qualicação
negativa no exame procedido pelo Registrador.
A gura processual do amicus curiae ganhou relevo, muito recentemente
na história jurídica do país, depois de a Lei 9.868/1999, nos termos do § 2º de seu
art. 7º, ter passado a admiti-lo em sede de ação direta de inconstitucionalidade,
34. Consolidação Normativa Notarial e Registral da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul. Disponível em: .tjrs.jus.br/static/2022/05/Consolidacao_Normati-
va_Notarial_Registral_2022_TEXTO_COMPILADO_20-05-22.pdf> Acesso em: 18 ago. 2022.
35. Artigo extraído do site do IRIB: p?not=2886>.
Acesso em: 18 ago. 2022.
36. Citado Provimento adicionou os subitens 30.4.1. e 30.4.2. à Seção II do Capítulo XX; entretanto, após
atualização das Normas de Serviço Extrajudicial pelo Provimento 56/2019, os subitens foram renu-
merados para “39.4.1.” e “39.4.2..
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
54
já que, ao mesmo tempo, vedava a inter venção de terceiros no processo. Desde
então, a Suprema Corte passou a admitir a prática processual nas arguições de
inconstitucionalidade do controle concentrado por ela operado.
Amicus curiae, na dicção oferecida pelo glossário jurídico do Supremo Tri-
bunal Federal, é expressão que signica, na sua literalidade, “Amigo da Corte” e
apresenta a seguinte descrição de verbete: “intervenção assistencial em processo
judicial por pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, que
tenha representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão
pertinente à controvérsia, em casos de relevante interesse social ou que envolvam
valores essenciais de grupos ou classes sociais. Embora não seja parte do processo,
atuando apenas como terceiro interessado na causa, o amicus curiae possibilita a
análise de informações importantes para a solução da controvérsia, permitindo
que a Corte decida as causas com o máximo conhecimento possível acerca da
matéria. Plural: Amici curiae (amigos da Corte)”37.
Dessa forma, tem-se o surgimento do amicus curiae, apesar de suas origens
remotas provindas do Direito Romano, como uma estraneidade ao rito da dú-
vida registral que, não se caracterizando como “parte”, termina sendo admitido
como um terceiro “especial”, exatamente no momento em que nele é vedada a
intervenção de terceiros.
Logo, a admissão do amicus curiae, gura caracteristicamente reservada
a instituições que titulem uma representatividade leg itimadora peculiar para o
processo, coloca em relevo a necessidade de viabilizar-se uma solução adequada
para a participação do Notário no contexto do procedimento.
O Procedimento de Dúvida, tido como de jurisdição voluntária e, tradi-
cionalmente por essa razão, tem sido alvo de reservas quanto à possibilidade de
nele serem admitidas as guras características da intervenção de terceiros. Esse
purismo jurídico tem de dar espaço a sua admissão, quando razoáveis e adequadas
à realização de uma justiça mais efetiva.
Nesse aspecto, como se pode observar, há uma grande similitude com aquilo
que é previsto no processamento da ADI, pela Lei 9.868/1999. Talvez daí provenha
a inspiração jurídica para uma assimilação da gura inovadora ao procedimento
de dúvida. É importante frisar que a LRP não cogita da possibilidade de inter-
venção, por parte da singela gura do amicus curiae, no rito procedimental da
dúvida registral.
Por outro lado, o que expressamente admite a LRP, no Procedimento de
Dúvida, é a possibilidade de terceiro prejudicado, em pé de igualdade com o in-
37. GLOSSÁRIO JURÍDICO. Disponível em: rudencia/glossario.asp>.
Acesso em: 18 ago. 2022.
55
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
teressado no registro e com o Ministério Público, manejar o recurso de apelação
contra a sentença proferida, a qual pode ser recebida em duplo efeito, nos termos
do que estabelece o art. 202. Isso coloca em evidência a seriedade do problema
revelado a partir da necessidade de ser viabilizada a participação do Notário no
procedimento, em primeiro grau de jurisdição, já que não lhe será possível a
caracterização como terceiro prejudicado.
Veja-se que a LRP admite o ingresso de um terceiro na relação processual
tão somente em grau de recurso, se e quando venha a ser atingido pelos efeitos
da sentença proferida, o que difere sensivelmente daquela participação reservada
ao amicus curiae, cuja ocorrência vai se dar já em primeiro grau de jurisdição,
antes de proferida a sentença.
Logo, não é bem na condição de “amigo da corte” a situação em que admi-
tida a interferência do Tabelião de Notas no processamento da dúvida registral,
mas na condição mais própria de assistente simples enquanto terceiro que pode
ser atingido por efeitos reexos do julgamento proferido, quando viabilizem o
surgimento de uma relação de direito materia l com o assistido.
Seu interesse jurídico, portanto, é de natureza diversa, como bem já sustenta-
do. Assim, há convencimento de que, independentemente da existência de norma
administrativa que o determine, basta ao assistente (no caso, o Tabelião de Notas)
que demonstre inequivocamente seu interesse jurídico no êxito do interessado no
registro para que venha a ser admitido, não como “parte”, mas como coadjuvante
daquele que tenha interesse na manutenção da escr itura, já que a decretação de sua
anulação terá repercussões imediatas não somente em relação a seu patrimônio,
pela via da responsabilidade civil, em ação autônoma decorrente do julgamento
da dúvida, mas também em relação a sua credibilidade como autor do ato notarial,
enquanto prossional do Direito dotado de fé pública a quem incumbe orientar
juridicamente aos interessados na realização do ato ou negócio jurídico.
Aliás, as especicidades do procedimento de dúvida são de tal ordem que
uma nova disciplina legal poderia regular-lhe nesse sentido especíco, possibili-
tando, inclusive, que o Registrador pudesse oferecer resposta à argumentação do
Notário, proporcionando, ao magistrado, o enriquecimento do debate jurídico,
por meio de um “contraditório possível” entre os dois especialistas em matéria
de direito notarial e registral, de modo que a decisão nal venha a proporcionar
um ganho de qualidade e adequação à resolução do caso concreto.
Por outro lado, ainda que visão deste autor não seja absolutamente coinci-
dente com aquela albergada pela norma administrativa paulista, que atribuiu ao
Tabelião de Notas, ainda que facultativamente, a condição de amicus curiae, no
desenvolvimento do Procedimento de Dúvida registral, reconhecemos, entretan-
to, o aspecto positivo da medida, por não se ter omitido no enfrentamento dessa
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
56
importante questão processual, garantindo, de qualquer forma, a manifestação
desse prossional do Direito, nos autos, previamente à prolação da sentença,
de modo a oferecer-lhe oportunidade para externar seu qualicado auxílio na
resolução de relevantes questões de direito que estão relacionadas diretamente
ao exercício de seu múnus público e venham a ser objeto de controvérsia jurídica
submetida à apreciação jurisdicional.
5.10 DÚVIDA INVERSA
A Lei 6.015/1973 não prevê a chamada Dúvida Inversa de iniciativa do interessa-
do. Porém, o instituto existe por criação pretoriana, que se congura pela apresentação
diretamente em juízo das razões de inconformidade da parte interessada no registro.
Chama-se Dúvida Inversa porque não é o Registrador que a suscita a requerimento
da parte; esta interpõe este procedimento diretamente no Juízo competente.
Aqui, ousa-se divergir do posicionamento de Ceneviva, o qual arma que a
lei veda a dúvida inversa38. Na verdade, entende-se que a lei não a prevê, o que não
se pode confundir. Da análise da Lei 6.015/1973, percebe-se que não há previsão
legal para a interposição da Dúvida diretamente no órgão jurisdicional, porque
esta deve ser encaminhada pelo Registrador ou Tabelião de Protesto. Não existe
previsão na lei para a admissão deste Procedimento. Quem o admite é a jurispru-
dência, com base no art. 5º, XXXV, da CF, que assim prevê: “A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Ocorre que não há conguração de lesão ou ameaça a direito que justique
a não observância do Procedimento de Dúvida previsto nos arts. 198 e seguintes
da LRP. Inclusive porque, apresentado o requerimento ao Registrador, ele é obri-
gado a suscitar a Dúvida ao Juízo competente. S e não o zer, aí estará congurado
um ato abusivo e arbitrário, passível de ser atacado via Mandado de Segurança.
Portanto, entende-se que a admissão da Dúvida Inversa deve ser revista; caso
contrário, não há motivo para se ter um procedimento especíco previsto em lei
para a resolução de uma controvérsia envolvendo a registrabilidade – ou não – de
um título numa serventia registral ou notarial (protesto de títulos).
Assim, salvo melhor juízo, é maléca a admissão da Dúvida Inversa pelos
seus efeitos, uma vez que o apresentante do título (requerente), ao ingressar dire-
tamente em juízo – tomando a iniciativa de reclamar a recusa da registrabilidade
do documento pelo Ocial –, inverte a ordem cronológica dos atos judiciais e
registrais, ouvindo-se, primeiramente, o Registrador sobre a pretensão formulada,
38. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada (Lei 8.935/94). 2. ed. ampl. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 179.
57
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
o que acarretará a protocolização do título. Como se vê, o apresentante não terá
assegurado o direito de prioridade, o qual lhe seria garantido pelo Procedimento
de Dúvida previsto em lei.
Neste sentido, válido colacionar o seguinte julgado do Conselho Superior
da Magistratura do TJSP:
Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada procedente para manter a recusa do registro
– Título apresentado para exame e cálculo – Inexistência de prenotação – Anuência do apre-
sentante com parte das exigências formuladas – não apresentação do título original – Dúvida
prejudicada – Recurso não conhecido. [...]
Em nota devolutiva que foi expedida em pedido de exame e cálculo (s. 03/04), o Sr. Ocial
Substituto do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro indicou as seguintes
exigências para o registro do título: a) impossibilidade do registro em razão de coisa julgada
administrativa, quanto a exigência que foi objeto da suscitação de dúvida 17/2009; b) certidão
de valor do imóvel da matrícula 19.291, relativo ao exercício scal de 2017; c) comprovante de
recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI); d) regularização do estado
civil e apresentação de certidões do registro civil de condôminos constantes da matrícula.
A apresentação de título para exame e cálculo não gera protocolo com ecácia de prioridade
(art. 12, parágrafo único, da Lei 6015/73) e, em consequência, não se presta para o registro que
deverá ser feito, se forem atendidos os requisitos legais, conforme a prioridade decorrente
da prenotação (art. 182 da Lei referida).
O procedimento de dúvida é reservado à análise da dissensão do apresentante com os moti-
vos que levaram à recusa do registro do título que, para essa nalidade, deverá ser objeto de
protocolo, pois de seu julgamento decorrerá a manutenção da recusa, com cancelamento
da prenotação, ou a improcedência da dúvida que terá como consequência a realização do
registro (art. 203, II, da Lei 6.015/73).
A necessidade de prévio protocolo do título, ademais, decorre de interpretação lógica da Lei
6.015/73 que: em seu art. 182 determina que todos os títulos tomarão no protocolo o número
de ordem correspondente à sequência de apresentação; em seu art. 198, e incisos, dispõe
sobre a anotação da dúvida no Livro 1 – Protocolo, para conhecimento da prorrogação do
prazo da prenotação; e em seu art. 203 prevê os efeitos do julgamento da dúvida em relação
ao registro e, em consequência, ao resultado da qualicação realizada depois da respectiva
prenotação do título.
Diante disso, não se admite dúvida para a análise do resultado de exame e cálculo. [...]39
No procedimento ordinário, a primeira atitude do Ocial do Registro,
após a apresentação do documento, é a rea lização do seu lançamento no Livro
de Protocolo, o que garante que os títulos apresentados posteriormente deverão
aguardar a resolução da Dúvida. Já na Dúvida Inversa, esta prerrogativa não é
39. SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1000426-62.2018.8.26.0584, Relator: Pinheiro
Franco, julgada em 13-6-2019. Disponível em: .tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcor-
dao=12608223&cdForo=0>. Acesso em: 18 ago. 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
58
assegurada, desde o início do feito, pois o protocolo ocorrerá em ato posterior
ao seu ajuizamento.
Com efeito, vindo a ocorrer a Dúvida Inversa, o Reg istrador deverá proto-
colar o título ou o documento expedido pelo Juízo, quando este o intimar e abrir o
prazo para o Ocial se manifestar. Observa-se que a manifestação do Registrador
é essencial ao Procedimento de Dúvida, ainda mais se diante da modalidade da
dúvida inversa, pois a este cabe, privativamente, a prenotação e a qualicação do
título apresentado para registro, garantindo o direito de prioridade. De tal sorte
que o desconhecimento do feito na esfera judicial implicará na impossibilidade
da realização desse ato e na ausência de proteção legal ao direito do requerente.
Logo, por ser tão imprescindível a intimação e a exposição das razões do
Registrador para administração da justiça e para o próprio processo (objeto de
apreciação), a jurisprudência vem corroborando esta tese e decretando a nulidade
do feito, quando constatada a ausência de intimação do Ocial dentro do processo.
Nesse sentido, o acórdão do Conselho Super ior da Magistratura de São Paulo:
Registro de Imóveis – Supressão da manifestação do ocial registrador e da prenotação do
título – Inadmissibilidade (CSM/SP).
Cuidam os autos de dúvida de registro de imóveis, inversamente suscitada por R.W.L., referente
ao ingresso no Registro de Imóveis de Ribeirão Pires de escritura pública de venda e compra
de imóvel, recusado devido à ausência de apresentação de cópia autenticada do IPTU de
2006 e de certidão com as medidas e confrontações para correta descrição do imóvel, além
da necessidade de reticação do título. Após processamento do feito, sem manifestação
do Ocial Registrador e prenotação do título, após ouvido o representante do Ministério
Público, a dúvida foi julgada procedente para o m de manter a recusa do Ocial em registrar
o título, acolhendo a Meritíssima Juíza Corregedora Permanente as razões constantes da
nota devolutiva (s.). Inconformado com a respeitável decisão, interpôs o interessado R.W.L.,
tempestivamente, o presente recurso.
Sustenta que a escritura apresentada a registro descreve o imóvel tal como consta da Ma-
trícula 21.771, circunstância que autoriza o ingresso do título no fólio real. Por outro lado,
acrescenta, as demais exigências feitas pelo registrador, e acolhidas pela Meritíssima Juíza
Corregedora Permanente, importam em verdadeira reticação da matrícula, podendo ser
cumpridas posteriormente ao registro da escritura (s.).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido do não conhecimento do recurso
interposto, ante a falta de prenotação válida da escritura levada a registro (s.). É o relatório.
O presente processo de dúvida padece de vício insanável, a implicar a nulidade do feito.
De fato, o processamento da dúvida inversamente suscitada não implica a desnecessidade
de manifestação do Ocial Registrador e da prenotação do título levado a registro, a m de
que seja assegurado o direito de prioridade ao apresentante.
Nesse sentido, inclusive, já teve a oportunidade de se pronunciar este Conselho Superior
da Magistratura, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Antonio Carlos Alves
Braga:
59
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
“Suscitada a denominada dúvida inversa, a orientação assentada determina seja ainda ouvido
o ocial do respectivo Serviço de Registro de Imóveis, que se manifestará sobre a alegada
recusa e prenotará o título objeto da suscitação para assegurar o direito de prioridade” (Ap.
Cív. 24.777-0/0).
É o que igualmente prevê o item 30.1 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
“Ocorrendo direta suscitação pelo próprio interessado (‘dúvida inversa’), o título também
deverá ser prenotado, assim que o ocial a receber do Juízo para a informação, observando-se,
ainda, o disposto nas letras b e c”.
Na hipótese, não foi o que se deu, pois, ao ser suscitada a dúvida pelo apelante, a Meritíssima
Juíza Corregedora Permanente limitou-se a colher a manifestação do Ministério Público,
passando, em seguida, de imediato, ao sentenciamento do feito.
Com isso, restaram suprimidas não só a prenotação do título, passível de assegurar a prioridade
de eventual registro ao apelante, como lembrado pela douta Procuradoria Geral de Justiça,
mas também a manifestação do Ocial Registrador, providências como visto essenciais à
regularidade do processo administrativo em questão.
Dessa forma, inobservado o procedimento legal, deve-se reconhecer a nulidade do processo,
a partir do momento em que deveria ter sido ouvido o Ocial Registrador e prenotado o título,
daí resultando, igualmente, a nulidade da sentença prolatada na sequência.
Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, dou provimento ao recurso para o m de
reconhecer a nulidade do processo de dúvida a partir da decisão proferida à s. e, por via
de consequência, da sentença proferida. Gilberto Passos de Freitas, Corregedor-Geral da
Justiça e Relator40.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em reiterados acórdãos, tem
decidido que é vedada a dúvida inversa:
Em caso de discordância por parte da interessada quanto às exigências formuladas pela
serventia para o registro título translativo de propriedade de imóvel, deve a parte adotar o
procedimento adequado, previsto na Lei de Registros Públicos, consistente na suscitação de
dúvida registrária perante o Ocial Registrador, prevista no art. 198 da Lei 6.015/73. Inade-
quada, portanto, a dedução da pretensão pelo interessado diretamente ao Poder Judiciário,
o que se convencionou chamar de “dúvida inversa”. Apelação Cível desprovida41.
40. SÃO PAULO, Conselho Superior da Magistratura. Apelação Cível 757-6/6, Jurisprudência. Boletim
Cartorário, 2º decênio, maio de 2008, p. 14.
41. Acórdão 702631, 20120111398346APC, Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma
Cível, data de julgamento: 14-8-2013, publicado no DJE: 16-8-2013, p. 147. Disponível em:
pesquisajuris.tjd.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscain-
dexada.apresentacao.VisaoBuscaAcordao&nomeDaPagina=buscaLivre2&buscaPorQuery=1&ba-
seSelecionada=BASE_ACORDAOS&ltroAcordaosPublicos=false&camposSelecionados=[ESPE-
LHO]&argumentoDePesquisa=angelo%20canducci%20passareli&numero=702631&tipoDeRela-
tor=TODOS&dataFim=&indexacao=&ramoJuridico=&baseDados=[TURMAS_RECURSAIS,%20
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VOS]&tipoDeNumero=NumAcordao&tipoDeData=DataPublicacao&ementa=&ltroSegredoDe-
Justica=false&desembargador=&dataInicio=&legislacao=&orgaoJulgador=&numeroDa-
Atual=1&quantidadeDeRegistros=20&totalHits=1>. Acesso em: 18 ago. 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
60
Ainda sobre a Dúvida Inversa segue parte do voto do Desembargador Ri-
cardo Dip na apelação 0013913-10.2013.8.26.0482.
Voto vencido (Voto 39.793)
[...] 3. Ad primum, já é tempo de deixar de admitir o que se convencionou chamar dúvida
“inversa”, ou seja, aquela levantada pelo próprio interessado, diretamente ao juízo corregedor.
A prática, com efeito, não está prevista nem autorizada em lei, o que já é razão bastante para
repeli-la, por ofensa à cláusula do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição), com
a qual não pode coadunar-se permissão ou tolerância (jurisprudencial, nota) para que os
interessados disponham sobre a forma e o rito de processo administrativo, dispensando
aquele previsto no estatuto de regência (Lei 6.015, de 31-12-1973, arts. 198 et seq.).
Como não há previsão legal acerca da Dúvida Inversa, cará exclusivamente
sob o comando do magistrado o andamento do procedimento, como a xação dos
prazos que achar convenientes para resposta, realização de diligências, se necessárias
etc. Neste caso, poderão ser adotados, por analogia, os prazos da lei processual.
Particularmente, entende-se que o Procedimento de Dúvida deve sempre seguir
o rito previsto na Lei 6.015/1973, iniciando-se por provocação da parte interessada,
devendo ser suscitado pelo Registrador ou Notário, e não interposto diretamente no
Poder Judiciário, pelos efeitos negativos gerados com a falta do protocolo.
5.11 RECORRIBILIDADE
5.11.1 Apelação
O recurso previsto na lei registrária cabível contra a sentença que julgou um
Procedimento de Dúvida é a apelação, conforme consta do art. 202. Este dispositivo
assim determina: “Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devo-
lutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado”.
Como se vê, a própria legislação estabelece ainda quem serão os apelantes.
A ordem inicia com o interessado, que po derá apelar quando a sentença não lhe
for favorável, isto é, quando a Dúvida for julgada procedente. Já o Ministério
Público poderá apelar em qualquer caso, sempre que a sentença for contrária ao
seu parecer. A lei reconhece, também, a possibilidade de aquele que for sofrer
os efeitos da sentença dela apelar. É o que acontece com o terceiro prejudicado.
Observa-se que o Registrador não foi elencado entre os possíveis apelantes,
porque ele não é parte no Procedimento de Dúvida. Na verdade, ele apenas expõe
a sua argumentação do porquê de não ter acatado o pedido de registro, o qual será
apreciado pelo magistrado. Entendendo este que não procede a fundamentação
do Ocial de Registro, o Registrador deverá recepcionar o título, realizando o
61
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
ato pretendido: somente será proce dido ao registro após o trânsito em julgado
da sentença. No Estado do Rio Grande do Sul, este recurso é julgado por uma
Câmara Cível do Tribunal de Justiça; no Estado de São Paulo, as apelações são
julgadas pelo Conselho Superior da Magistratura.
Cabe salientar que a sentença de Dúvida que for contrária ao interesse da
União, do Estado ou do Município está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Não há
que se negar que o Magistrado diz o Direito quando julga um procedimento desta
natureza; portanto, deve ser observada a regra do art. 496, I, do CPC. Alerta-se
ainda, que o prazo para a Fazenda Pública apelar conta-se em dobro.
Sabe-se, entretanto, que este não é um posicionamento único. Pelo contrário,
há, como no caso do Des. Ricardo Dip, lição de que não cabe a remessa obrigatória
prevista no artigo supramencionado, tendo em vista a natureza administrativa
do procedimento.
5.11.2 Embar gos de declaração
Sendo omissa, obscura ou apresentando contradição a sentença que julgou
a Dúvida, entende-se que cabem embargos de declaração, conforme autorizam
os arts. 1.022 e seguintes do CPC. Neste sentido, a ementa que segue:
Registro de Imóveis – Dúvida – Apresentação de cópias autenticadas – Títulos inaptos – Re-
gistros inviáveis – Matéria incidente relativa à averbação – Impossibilidade de apreciação,
ante a solução prejudicial42.
5.11.3 Agravo de instrumento
Segundo Ceneviva “o agravo é recurso inadequado no processo de dúvida
porque a lei especíca só prevê a apelação43. Porém, há entendimento jurispru-
dencial que admite o agravo de instrumento – recurso previsto nos arts. 1.015
e seguintes do CPC – contra decisão que denegue o seguimento do recurso de
apelação44.
Por oportuno, colaciona-se a s eguinte ementa:
42. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Embargos Declaratórios 028611-0/5-01. Registro de Imóveis,
thesaurus jurisprudencial, acórdãos e decisões do Conselho Superior da Magistratura e Corregedoria
Geral da Justiça de São Paulo, 1996, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 270-272.
43. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. atual. até 1º de outubro de 2002.
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 414.
44. Ver Agravo de Instrumento 022418-0/9, Piracicaba, 31-5-1996, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, e
Agravo de Instrumento 034719-0/5, Catanduva, 26-8-1996, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha. Registro
de Imóveis, thesaurus jurisprudencial, acórdãos e decisões do Conselho Superior da Magistratura e
Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, 1996, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997,
p. 138-139 e 266-268, respectivamente.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
62
Registro de imóveis – Dúvida – Agravo de instrumento interposto contra decisão que dene-
gou seguimento a apelação, por intempestiva – Fazenda Pública – Prazo em dobro – Recurso
provido para determinar o processamento do recurso.45
5.11.4 Recurso especial e extraordinário
Por ser a Dúvida um procedimento de natureza administrativa, via de regra,
não cabe a interposição de recurso especial, nem de recurso extraordinário46.
Na exceção, admite-se este o Recurso Especial quando car estabelecido
o contraditório, assim entendido no aspecto jurisdicional. Quando se deixa de
discutir teses sobre a registrabilidade de um título e se passa a discutir direitos
nasce a oportunidade do Recurso Especial. Neste sentido, REsp 1.570.65547.
Segundo De Bona, citando decisão publicada na Revista Trimestral de
Jurisprudência 109/1163, temos que
no procedimento de dúvida, enquadrado na modalidade da jurisdição voluntária, são
admitidos apenas os seguintes recursos, além de apelação: agravo de instrumento, se for
negado seguimento do apelo; embargos de declaração, nas hipóteses de dúvida, obscuri-
dade, contradição ou omissão na sentença ou acórdão; recurso extraordinário, se houver
contraditório entre as partes interessadas (terceiros), congurando a espécie em causa,
na acepção constitucional. Se houver apenas dissensão entre o apresentador do título e o
registrador não cabe o recurso extraordinário porque, no caso, o processo de dúvida não
possui caráter de causa48.
Seguindo esta linha, Dip registra que
Prevalece no STJ o entendimento de que não cabe a interposição de reuso especial contra
acórdão em dúvida registrária: p. ex., REsp 119.600, 4ª Turma, Min. Aldir Passarinho Júnior,
j. 14.12.2000; [...] REsp 336.996, 4º Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 27.06.2002:
“Em processo de dúvida, havendo apenas dissídio entre o requerente e o Ocial do Registro
Imobiliário, não resta congurada a existência de uma ‘causa’, conforme exigido no art. 105
da Constituição para o cabimento do recurso especial.49
E segue: “Não cabe recurso especial contra decisão colegiada de conselho da
magistratura proferida em processo administrativo” (AgR no Ag 118.874, Min. Me-
45. SÃO PAULO. Conselho Superior da Magistratura. Agravo de Instrumento 62.467-0/4. Relator Ministro
Celso de Mello. Disponível em: rg.br/boletins/detalhes/3713>. Acesso em: 30 ago. 2022.
46. BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 254.497-ES. Relator : Ministro Celso
de Mello. Disponível em: .stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo177.
htm>. Acesso em: 18 ago. 2022.
47. BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.570.655/GO, publicado no DJ em 23-11-
2016. Disponível em: njur.com.br/dl/voto-registro-resp.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2022.
48. DE BONA, Avelino. Títulos judiciais no registro de imóveis. Porto Alegre: Sagra DC, Luzzato, 1996,
p. 78.
49. Lei dos Registros Públicos comentada: Lei 6.015/1973. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
63
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
nezes Direito)50.” De outra banda, no Supremo Tribunal Federal é possível encontrar
decisões para ambos os lados, ou seja, pelo não cabimento do recurso extraordinário
de decisões no Procedimento de Dúvida (AgR no Ag 93.947, 2ª Turma, Min. Décio
Miranda, j. 16.09.1983; RE 105.079, 1ª Turma, Min. Oscar Corrêa, j. 12.04.1985; RREE
77.966, 2ª Turma, Min. Aldir Passarinho, j. 13.05.1983), como, também, decisões
favoráveis ao manejo do referido recurso (RE 84.151, 1ª Turma, Min. Rodrigues Al-
ckmin, j. 08.03.1977; AgR no Ag 131.235, 2ª Turma, Min. Célio Borja, j. 20.03.1980).
5.12 MANDADO DE SEGURANÇA
Outro instrumento, agora no âmbito dos chamados remédios constitu-
cionais51, para atacar a decisão do Corregedor ou do Conselho da Magistratura
é o Mandado de Segurança, devendo o impetrante demonstrar que ta l decisão
ofendeu direito líquido e certo.
Salienta-se, por oportuno, que esse instrumento constitucional deve ser
impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça52, tendo natureza subsidiária.
Somente se não houver outra ação que possa proteger o direito do apresentante
é que essa medida constitucional é admissível. Ademais, o poder coercitivo deve
ser contra pessoa física que exerça atividade pública.
No caso dos Registradores e dos Tabeliães, embora estes exerçam função
pública em caráter privado (art. 236 da CF), a qualicação negativa sobre um
título não enseja, em princípio, mandado de segurança, pois o próprio sistema
vigente disponibiliza uma ação própria para contestar o entendimento do O-
cial: o Procedimento de Dúvida. Não obstante isso, a impetração de mandado
de segurança – diante da negativa de realizar o registro do título em algumas
situações, como, por exemplo, falta de apresentação de certidões atualizadas em
relação ao INSS e Receita Federal – vem sendo utilizada.
Agora, diante da negativa da suscitação de dúvida ou sendo o Ocia l arro-
gante, prepotente etc., entendo cabível o mandado de segurança.
Nesses casos, segundo posição de Desembargador Roberto Pacheco Rocha,
de Curitiba,
será indispensável que, na forma do art. 47 e parágrafo único do CPC, seja promovida a cita-
ção dos litisconsortes necessários (INSS e União), bem como, para resguardar a segurança
50. Idem, ibidem.
51. Silva, José Afonso da. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, Mandado de injunção,
“habeas data”, 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
52. ANOREG/BR. Pr imeira seção é competente para julgar recurso sobre bloqueio de registro imobiliário.
Disponível em: eg.org.br/site/imported_10017/>. acesso em: 30 ago. 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
64
do negócio jurídico, que a prenotação do título permaneça hígida até o julgamento nal do
mandamus. [grifo nosso]53.
Mais:
Mandado de segurança. Ocial de Registro de Imóveis não é autoridade cujo ato possa ser
impugnado via mandamus. Possibilidade de recurso administrativo ao Diretor do Foro, para
revisar o ato objurgado, na forma da lei. Precedentes. Apelo improvido54.
Mandado de segurança contra ato do Ocial do Registro de Imóveis. Os Tabeliães e Registra-
dores exercem suas funções em caráter privado, por delegação do Poder Público, e praticam
os atos notariais e registrais que entendem poder praticá-los, fazendo-o, inclusive, sob pena
de responsabilidade pessoal. A recusa à prática do ato notarial ou registral, cuja prática o
interessado pretende, não ocasiona o surgimento de direito líquido e certo invocável, em
consequência do que não cabe mandado de segurança, embora possa caber providência
de outra natureza jurídica55.
5.13 CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Na resolução de Procedimentos de Dúvida, quando envolver discussão
sobre matérias especializadas, como direito trabalhista ou participação de entes
públicos ou pessoas jurídicas que determinem competência diferenciada para
julgamento, com remessa dos autos à Justiça Federal, eventualmente poderá
ocorrer Conito de Competência, procedimento previsto no art. 66 do CPC, que
será decidido por uma autoridade superior.
A seguir, são citados dois expedientes desta natureza determinando como
competente para julgamento de Dúvidas a Justiça Estadual através dos juízos
correicionais dos serviços de registros e de notas.
Conito de competência. Dúvida. Procedimento de natureza administrativa. Cartório de pro-
testo. 1. Cabe ao juízo correcional, no exercício de função meramente administrativa, decidir
o procedimento de dúvida suscitado pelo Tabelião de Protestos. 2. Conito conhecido para
declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Volta Redonda/RJ, o suscitado56.
53. ROCHA, Roberto Pacheco. Ofício Circular 034/2004. Curitiba, 12 de fevereiro de 2004. Disponível em:
.jus.br/legislacao-atos-normativos/-/atos/documento/1155>. Acesso em: 20 ago. 2022.
54. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Apelação Cível 70019681170, Relator Des. Má-
rio José Gomes Pereira, julgada em 13-11-2007. Disponível em: tps://www.tjrs.jus.br/novo/bus-
cas-solr/?aba=jurisprudencia&q=70019681170&conteudo_busca=ementa_completa>. Acesso em 30
ago. 2022.
55. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Apelação Cível 70015722614, Relator Des. Car-
los Cini Marchionatti, julgada em 25-7-2006. Disponível em: ttps://www.tjrs.jus.br/novo/bus-
cas-solr/?aba=jurisprudencia&q=70019681170&conteudo_busca=ementa_completa>. Acesso em: 30
ago. 2022.
56. BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Conito de Competência 35.484/RJ, Relator Ministro Fer-
nando Gonçalves, publicado no DJ, p. 138, em 13-10-2005. Disponível em:
com.br/jurisprudencia/stj/884389151/decisao-monocratica-884389161>. Acesso em: 31 ago. 2022.
65
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Competência. Registro de imóveis. Dúvida suscitada pelo ocial de registro imobiliário. Em
face de sua natureza administrativa, o procedimento de dúvida deve ser decidido pelo Juízo
Estadual corregedor do Cartório de Registro de Imóveis, que o formulou. Conito conhecido,
declarado competente o suscitado57.
No primeiro caso, foi discutida a competência para julgar Dúvida suscitada
em virtude de apontamento de título de crédito cuja credora era a Caixa Eco-
nômica Federal. O Juízo Estadual declinou da sua competência alegando que,
nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, são da competência da Justiça
Federal as causas em que houver interesse da União, de entidade autárquica ou
de empresa pública federal.
Decidiu, então, a Ínsita Turma que:
tratando-se de procedimento de natureza meramente administrativa, cujo esclarecimento
cabe legalmente ao juízo correcional, e não gurando a Caixa Econômica Federal como
interessada, nem como quaisquer das outras posições processuais contidas no art. 109, I, da
Constituição Federal, a competência é do juízo suscitado58.
No segundo, caso em que expedida, pela Junta de Conciliação e Julgamento
de Nova-Iguaçu-RJ, carta de arrematação, o Ocial do Registro de Imóveis daquela
Comarca suscitou Procedimento de Dúvida perante o MM. Juiz de Direito da 6ª
Vara Cível da mesma Comarca, assinalando que o imóvel em questão não mais
se encontrava registrado em nome do executado, desde que vendido a terceiro.
O Dr. Juiz de Direito, todavia, entendeu que não competia a este Juízo a decisão,
declinando a competência em favor da JCJ referida.
O Superior Tribunal de Justiça determinou a competência da Justiça Estadu-
al, com atribuição de scalização dos serviços de notas e de registros, para julgar
Dúvida suscitada envolvendo título expedido pela justiça laboral:
Consoante anotou o parecer do Ministério Público Federal, em regra, é da Justiça Estadual
a competência para julgar o procedimento administrativo de dúvida, não se aplicando à
Justiça do Trabalho a preceituação invocada da Lei de Organização Judiciária Estadual e
isto pela simples razão de que a Justiça Laboral possui competência denida e delimitada
57. BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Conito de Competência 4.840-0/RJ, Relator Ministro Barros
Monteiro, publicado no DJ, p. 20491, em 4-10-1993. Disponível em:
jurisprudencia/stj/884389151/decisao-monocratica-884389161>. Acesso em: 31 ago. 2022.
58. BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Conito de Competência 35.484/RJ, Relator Ministro Fer-
nando Gonçalves, publicado no DJ, p. 138, em 13-10-2005. Disponível em:
com.br/jurisprudencia/stj/884389151/decisao-monocratica-884389161>. Acesso em: 31 ago. 2022.
59. BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Conito de Competência 4.840-0/RJ, Relator Ministro Barros
Monteiro, publicado no DJ, p. 20491, em 4-10-1993. Disponível em:
jurisprudencia/stj/884389151/decisao-monocratica-884389161>. Acesso em: 31 ago. 2022.
PROCEDIMENTO DE DÚVIDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS • João Pedro Lamana Paiva
66
Como se pode constatar, o Super ior Tribunal de Justiça arma que a compe-
tência para decidir o Procedimento de Dúvida é da Justiça Estadual. Nestes termos,
acompanho este entendimento que já possui robusto acervo jurisprudencial.
5.14 EFEITOS DA SENTENÇA
Transitada em julgado a decisão d a dúvida, conforme art. 203 da LRP, pro-
ceder-se-á do seguinte modo:
– Julgamento de procedência:
I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente
de translado, dando-se ciência da decisão ao ocial, para que a consigne no Protocolo e
cancele a prenotação;”
– Julgamento de improcedência:
II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos,
com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que carão arquivados, para que, desde
logo, se proceda ao registro, declarando o ocial o fato na coluna de anotações do Protocolo.
– Julgamento como prejudicado:
Perda do objeto: o título impugnado foi refeito.
Exemplo: O Registrador impugnou por falta de pagamento de imposto e, após a instauração
da dúvida, a parte realizou o pagamento.
– Desistência da parte:
Formulado o pedido de desistência pelo apresentante, o Registrador deve anuir ao pedido,
como ocorre no processo civil? Não, pois ele não é parte interessada.
– Coisa Julgada
Impõe-se vericar se a sentença proferida num Procedimento de Dúvida pro-
duz coisa julgada a ponto de permitir – ou não – a alteração do que fora decidido.
Para isso, é de se lembrar que este Procedimento tem natureza administrativa,
não judicial; portanto, a sentença da Dúvida não faz coisa julgada. Inclusive porque,
após a sentença da Dúvida, pode – a parte interessada – ingressar com ação própria,
na via judicial, para tentar defender seu interesse, conforme lhe faculta o art. 204 da
LRP. Nesta esfera, sim, após o trânsito em julgado, tornará a matéria indiscutível.
Quanto às espécies de coisa julgada,
trânsito em julgado de sentença de dúvida não produz coisa julgada material ou formal, à
vista da amplitude de sua decisão – restrita à declaração de existência de exigência legal
incumprida –, da sua natureza administrativa, do poder dever de autotutela administrativa,
e da possibilidade do uso de processo judicial contencioso60.
60. MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2003, p. 506.
67
5 • PRoCEDIMENTo DE DÚVIDA
Meirelles, citado por Melo Jr., arma que
a denominada coisa julgada administrativa (...) é apenas uma preclusão de efeitos internos,
não tem o alcance de coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administração
não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato
jurisdicional do Poder Judiciário61.
5.15 CONCLUSÃO
Este trabalho se propôs a analisar o Procedimento de Dúvida no Registro de
Imóveis, o qual sofreu recentes alterações por meio da Lei 14.382/2022 e, segundo
visto, serve para resolver as dissidências entre o suscitante – que é sempre o Regis-
trador, podendo ser o substituto nas suas ausências e em seus impedimentos – e
o interessado de um título que pretende acessar o Álbum Imobiliário.
Para se chegar ao entendimento dos motivos que podem gerar uma Dúvida,
foram estudados – sucintamente – os princípios registrais e as espécies de títulos
que aportam no Registro Predial. Vericou-se, então, que este Procedimento
pode ser suscitado por outros serviços registrais e notariais, mas nunca pelo
Tabelião de Notas.
Este, por sua vez, como digno representante do Estado na sua C omarca e
autor do título notarial, após colher e sanear a vontade das partes, poderá vir a
integrar o Procedimento da Dúvida, como assistente simples, defendendo o ato
por ele lavrado, tendo em vista que apresenta conhecimentos jurídicos sucientes
para tanto, bem como pode vir a ser responsabilizado no caso de o título não
atender aos princípios registrais, até para justicar o trabalho elaborado com a
sua convicção.
Espera-se que a apresentação dos conteúdos, com remises a doutrinas
e aos entendimentos que alguns Tribunais têm utilizado para as resoluções de
expedientes desta natureza, tenha contribuído para o esclarecimento do assunto.
Foi importante este estudo para bem poder informar o cidadão que tem de
se socorrer do Poder Judiciário para a resolução de conitos de ideias diversas
originárias da qualicação documental feita pelo Registrador, não acatadas pela
parte interessada no ato registral – inclusive pelo Tabelião de Notas – e, por isso,
submetidas ao Poder de Equilíbrio.
61. Idem, ibidem.

Para continuar a ler

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