O Processo como Garantia Fundamental de Defesa do Cidadão

AutorEduardo Rodrigues Dos Santos
Ocupação do AutorMestrando em Direito Público Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas159-198

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Neste último capítulo pretende-se demonstrar a existência, bem como os principais contornos da garantia fundamental ao processo, enquanto instrumento constitucional e democrático de defesa do cidadão sob a égide da atual Carta Magna brasileira, sobretudo em face do Modelo Constitucional de Processo por Ela estabelecido.

5. 1 A distinção entre Direitos e Garantias Fundamentais: uma discussão quase desnecessária

Os direitos fundamentais estabelecidos pelas Cartas Constitucionais consistem, sem dúvida alguma, em um dos pilares mais importantes do Estado Democrático de Direito. Em razão disso estão protegidos na Constituição brasileira por uma cláusula de proibição de retrocesso (art. 60, § 4º). Não obstante, esta não é a única proteção que lhes é conferida. Em razão de sua elevada importância, o Constituinte cuidou de estabelecer toda uma sistemática protetiva dos direitos fundamentais, sobretudo mediante garantias, também fundamentais, pois não basta dizer que tais direitos existem, isto é, não basta meramente declarar sua existência, é necessário, em um Estado Constitucional, protegê-los e efetivá-los.

Nesse sentido o professor André Ramos Tavares ensina que os direitos fundamentais do homem, após serem positivados nas Constituições, passaram “a desfrutar de uma posição de relevo” no ordenamento jurídico. Contudo, essa mera declaração é insuficiente, vez que não os protege em situações de violação, comprometendo assim sua eficácia.

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Nesse cenário as garantias fundamentais emergem como instrumentos de alta relevância para toda a sistemática dos direitos fundamentais (TAVARES, 2010, p. 885).

No mesmo sentido, o professor José Afonso da Silva afiança que “a afirmação dos direitos fundamentais do homem no direito constitucional positivo reveste-se de transcendental importância” e, citando Maurice Hauriou, completa dizendo: “não basta que um direito seja reconhecido e declarado; é necessário garanti-lo, porque haverá ocasiões em que será discutido e violado” (SILVA, 2010, 186).

Nessa perspectiva é de suma importância a diferenciação entre direitos e garantias fundamentais; entretanto, como observa José Afonso da Silva, a referida distinção é objeto de grandes controvérsias na doutrina, vez que não são tão “nítidas” as linhas que os dividem, o que torna sua diferenciação dificultosa. Há, inclusive, aqueles que não admitem uma diferença entre direitos e garantias, como Antônio Sampaio Dória, para quem “‘os direitos são garantias, e as garantias são direitos’, ainda que se procure distingui-los” (SILVA, 2010, p. 186). Nessa mesma linha, advoga o professor José Gomes Canotilho, como se confere em seus dizeres in verbis:

Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o carácter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade. (CANOTILHO, 2003, p. 396)

Apesar de apresentar-se como uma tarefa árdua, nos empenharemos em traçar uma distinção entre direitos e garantias fundamentais, por acreditarmos, em consonância com a maior parte da doutrina, que a referida diferenciação é possível e é de grande relevância para toda e qualquer abordagem que se faça acerca dos direitos e garantias fundamentais. Desse modo, passemos a ver algumas das distinções propostas pela doutrina.

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O professor Paulo Bonavides destaca, dentre os doutrinadores de língua castelhana, os trabalhos dos professores Carlos Sánchez Viamonte, Rafael Bielsa e Juan Carlos Rébora. Conforme demonstra o mestre brasileiro, para Carlos Sánchez Viamonte, “garantia é a instituição criada em favor do indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais que constituem em conjunto a liberdade civil e política”. Já segundo Rafael Bielsa as garantias são “normas positivas – e, portanto, expressas na Constituição ou na lei –, que asseguram e protegem um determinado direito”. Por sua vez, Juan Carlos Rébora ensina que “as garantias funcionam em caso de desconhecimento ou violação do direito” (BONAVIDES, 2003a, p. 527).

No que se refere à doutrina constitucionalista portuguesa, os Professores Paulo Bonavides (2003a, p. 528) e Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 715) reproduzem texto de extrema precisão científica do notável Jorge Miranda, o qual, por sua relevância, também transcrevemos:

os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos possuem declaram-se, as garantias estabelecem-se (MIRANDA, 1988,
p. 89).

Na doutrina nacional, a distinção entre direitos e garantias fundamentais ganha relevância com Rui Barbosa, como narram Alexandre de Moraes (2011), Kildare Gonçalves Carvalho (2009), José Afonso da Silva (2010), Paulo Bonavides (2003a), entre outros. Nesse sentido, conforme Rui escreve em A República: Teoria e Prática, deve-se separar, “no texto da Lei Fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e

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as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder” (BARBOSA, 1978, p. 121). Já em A Constituição e os Atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, o nobre jurista brasileiro, inspirando-se no grande dicionarista da Academia Francesa, Littré, afirma:

A confusão que irrefletidamente se faz muitas vezes entre direitos e garantias, desvia-se sensivelmente do rigor científico, que deve presidir à interpretação dos textos, e adultera o sentido natural das palavras. Direito “é a faculdade reconhecida, natural, ou legal, de praticar ou não praticar certos atos”. Garantia ou Segurança de um direito, é o requisito de legali-dade, que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados de ocorrência mais ou menos fácil (BARBOSA, p.193-194).

Dando sequência à discussão na doutrina nacional, citado por Kildare Gonçalves, Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que “as garantias consistem nas prescrições que vedam determinadas ações do Poder Público que violariam direito reconhecido: são barreiras erigidas para a proteção dos diretos consagrados” (CARVALHO, 2009, p. 713) Já Rosah Russomano, conforme explica Kildare Gonçalves, afiança que as garantias “consistem nas determinações e nos procedimentos mediante os quais os direitos à pessoa obtêm uma tutela concreta” (CARVALHO, 2009, p. 714). Por sua vez, Pinto Ferreira, também citado por Kildare Gonçalves, afirma:

Os direitos do homem nenhuma validade prática têm caso não se efetivem determinadas garantias para sua proteção. As declarações enunciam os principais direitos do homem, enquanto as garantias constitucionais são instrumentos práticos ou os expedientes que asseguram os direitos enunciados. Trata-se de uma maneira prática de proteger o indivíduo contra o poder, a pessoa humana contra o abuso de autoridade pública, nesta luta histórica e secular que se trava na sociedade (CARVALHO, 2009,
p. 714).

Os professores Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, em sua Teoria Geral dos direitos Fundamentais, lecionam que os direitos fundamentais consistem em “direitos público-subjetivos de pessoas

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(físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual”, enquanto as garantias fundamentais “correspondem às disposições constitucionais que não enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir uma violação de direitos” (DIMOULIS; MARTINS, 2011, p. 49, 75).

Já Paulo Bonavides ensina que as garantias constitucionais são garantias que disciplinam e tutelam o exercício dos direitos fundamentais, não se confundindo com eles. Para demonstrar seu posicionamento, o mestre brasileiro busca as origens etimológicas da palavra garantia nas explicações de Geleotti e Liñares Quintana, segundo os quais o termo deriva de “garant, do alemão gewähren-gewähr-leistung, cujo significado, acrescentam eles, é o de Sicherstellung, ou seja, de uma posição que afirma a segurança e põe cobro à incerteza e à fragilidade”, de modo que “existe a garantia sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve conjurar”, pois a garantia consiste em um meio de defesa que se coloca diante do direito, mas que com ele não se confunde (BONAVIDES, 2003a, p. 525-526).

Ronaldo Brêtas...

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