O projeto de novo CPC e os recursos excepcionais

AutorArruda Alvim
Páginas27-38

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1. Considerações iniciais

O aguardado Código de Processo Civil visa modernizar o processo e adaptá-lo às exigências do direito substancial. Neste contexto, observa-se uma dedicação especial à chamada jurisprudência defensiva dos tribunais superiores, traduzida pelo extremo rigor na admissibilidade dos recursos. O assoberbamento desses colegiados tem como contraponto a imposição de requisitos rigorosos à análise de recursos constitucionais, tais como a necessária ratificação dos recursos interpostos antes dos embargos de declaração, o formalismo no preenchimento de guias de preparo recursal e a impossibili-dade de se corrigirem vícios sanáveis.

Os recursos constituem, como se sabe, uma forma de aperfeiçoar a justiça das decisões, provocada pelo inconformismo natural da parte interessada na modificação dos ucasses judiciais. No caso dos recursos de natureza excepcional, todavia, colima-se, primordialmente, “o prevalecimento da ordem constitucional (no extraordinário) e a unidade e a integridade do direito federal, infraconstitucional, em todo o território nacional (no especial)”2.

De todo modo, espera-se, a partir da interposição de quaisquer recursos – ordinários ou excepcionais –, um aprimoramento do que se deliberou. Porém, como se demonstrará, é um equívoco crer que o rigorismo formal na disciplina recursal possa propiciar uma revisão mais justa das ordens judiciais ou conduzir ao melhor entendimento acerca da interpretação da Constituição da República ou da lei federal3.

O grande desafio do legislador do novo CPC foi elaborar um sistema recursal simplificado, célere e apto a atender às exigências do direito material.

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Os principais aspectos deste difícil equilíbrio podem ser observados na disciplina dos recursos excepcionais, guardadas suas peculiaridades, como recur-sos de estrito direito4 que são.

2. Os recursos de direito estrito e a uniformização da jurisprudência

É sabido que os recursos especial e extraordinário, de competência do STJ e do STF, são instrumentos excepcionais destinados a conferir correta inter-pretação à lei federal e à Constituição. As exigências formais à sua admissão são muitas vezes justificáveis.

Trata-se de recursos com a finalidade precípua de resguardar a aplicação “correta” e uniforme das normas jurídicas federais. Eduardo Arruda Alvim expressa bem este objetivo ao abordar a importância da hipótese de cabimento do recurso especial prevista na alínea “c” do art. 105, III, da Constituição Federal:

Uma norma jurídica é vocacionada a comportar um único entendimento, durante um dado ou expressivo período ou segmento temporal palpável, pois que a norma jurídica é norma de conduta (=norma é o que determina a conduta daqueles aos quais é dirigida) e, por isso mesmo, os seus destinatários (jurisdicionados) terão dificuldade de conduzir-se se há entendimentos diferentes (vale conduta a, b, ou c?) e o próprio Judiciário terá menos segurança na aplicação do direito.

Por isso é que, se existe unidade de entendimento no plano lógico-normativo, esta se desfaz no plano da atividade judicante ou aplicação múltipla da lei, por diversos órgãos, porque várias são as cabeças dos julgadores. Dessa forma, o confronto dos julgados, e a ‘opção’ pelo que é tido como o correto, expressada no julgamento concreto de recurso especial (art. 105, III, c, CF de 1988), procura refazer a unidade de inteligência entre os comandos normativos e, com isso, reconduzir o direito à unidade para a qual nasceu5.

Nesse passo, as inovações propostas para os recursos no novo CPC orientam-se pela necessidade de uniformizar a aplicação do direito, em nome da realização da igualdade de todos perante a lei e também igualdade perante decisões judiciárias, em que a lei é aplicada, e ainda com o escopo de estabilizar a jurisprudência6.

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Trata-se de um objetivo geral7 mas que deve ser particularmente perseguido nos recursos especial e extraordinário, bem como nos embargos de divergência em recurso especial e extraordinário. No bojo dos recursos excepcionais é que se formam os precedentes mais importantes, realizando-se, deste modo, o princípio da segurança jurídica8.

O novo CPC estabelece as bases para uma nova mentalidade acerca do valor da jurisprudência – e, em especial, para o valor da jurisprudência dos tribunais superiores –, a qual já vem sendo construída, gradativamente, sob a égide do CPC atual, a partir das sucessivas reformas legislativas9 e constitucionais10, em grande maioria pertinentes, direta ou indiretamente, à disciplina recursal. O que o projeto faz é conferir maior organicidade às normas que tratam da matéria, bem como erigir mais claramente a uniformização e estabilização da jurisprudência a um dos objetivos principais do processo civil brasileiro. A otimização do julgamento dos recursos é, nesse contexto, facilitada à proporção em que o entendimento dos tribunais é sedimentado de modo uniforme.

Não é possível exigir do magistrado um trabalho de artesão para enfrentar a enormidade de ações e recursos repetitivos, com objetos semelhantes ou praticamente idênticos11. Por outro lado, como já se enfatizou, a existência de decisões díspares, consignando variados e contraditórios entendimentos sobre temas similares, além de abalar a segurança jurídica, viola o princípio da igualdade na medida em que se confere tratamento diverso a jurisdicionados em situações semelhantes.

Quanto a esse particular, previu-se, nos mesmos moldes do sistema já existente, destinado aos recursos com fundamento em idêntica questão de direito (recursos repetitivos) perante o STJ (art. 543-C, § 1º a 9º, do CPC vigente), uma disciplina para o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.049 a 1.054 do novo CPC). Mas o texto simplifica as disposições contidas nos arts. 543, 543-A, 543-B e 543-C do CPC ainda vigente, por unificar a regulamentação aplicável aos recursos extraordinário e especial (arts. 1.049 a 1.054 do projeto). Essa unificação se afigura salutar12.

Os tribunais, em linha de princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante; os juízes e tribunais seguirão: a) as decisões e precedentes do STF em controle concentrado de constitucionalidade; b) os enunciados das súmulas vinculantes, os acórdãos e os precedentes em incidente de assunção de competência

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ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extra-ordinário e especial repetitivos; c) os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem. Não se tratando da aplicabilidade destas hipóteses (a, b e c), os juízes e tribunais seguirão os precedentes: (i) do plenário do STF, em controle difuso de constitucionalidade; (ii) da Corte Especial do STJ, em matéria infraconstitucional (art. 521, caput e incisos, do novo CPC).

Dessas disposições já se pode extrair a magnitude da atuação dos tribunais superiores, em sede de recursos excepcionais, para a uniformização da jurisprudência.

Por outro vértice, ao considerar que a jurisprudência pode – e, em reali-dade, muitas vezes precisa – mudar, mas que isso pode acarretar transtornos, o § 10 do art. 521 estabelece, com o propósito de atenuar esses inconvenientes, que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos”. O § 11 do art. 521, por sua vez, diz: “A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.” Este último texto é essencial, porquanto essa fundamentação adequada, i.e., mais minudente, visa demonstrar que a modificação se operou por necessidade de reinterpretar a lei, e não por razões alheias a essa necessidade que socialmente se tenha imposto.

O objetivo que informa tais regras é exatamente o de concretizar melhor os princípios da legalidade e da isonomia, no sentido de que se diz que, se a lei é igual para todos, necessário também que as decisões judiciais que inter-pretem a lei sejam iguais para todos.

3. Os recursos de direito estrito e a flexibilização dos requisitos de admissibilidade

Como salientado na introdução, além da...

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