O recurso especial no incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC

AutorEstefânia Viveiros
Páginas46-62

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Ver Nota1

1. Introdução

Justiça tardia não é justiça2, já dizia Rui Barbosa. A efetividade das decisões judiciais tornou-se o algoz do cidadão que busca na justiça a solução do seu litígio. A exiguidade do tempo não pode estar na contramão da prestação jurisdicional a ponto de o tempo se tornar seu inimigo.

A conscientização dos direitos por parte do cidadão e outros fatores aumentaram, naturalmente, o número de ações no Poder Judiciário, sobrecarregando-o3. As estatísticas divulgadas são alarmantes e não há nenhuma perspectiva diminuta do número de ações4. A preocupação inicial do legislador foi o “acesso à justiça”5. Hoje, pode-se dizer que parte desse objetivo foi alcançada, pois um grande número de pessoas busca o Judiciário, principal-mente com a criação dos juizados especiais. Por sua vez, a legislação atual não detém mais instrumentos suficientes e eficazes para resolver os litígios agrupados e intitulados “processos de massa” (carga de repetição).

É verdade que o legislador paulatinamente inseriu, aqui e acolá, no ordenamento jurídico instrumentos processuais para assegurar respeito às súmulas e à jurisprudência6 dominante, ampliando, inclusive, os poderes do relator para julgar os recursos de forma monocrática (CPC, art. 557). Também o legislador concedeu poderes ao juiz de primeiro grau para extinguir o feito com resolução de mérito ao receber a inicial, dispensando a citação do réu na hipótese de “a matéria controvertida ser unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos” (CPC, art. 285-A), criando-se, assim, uma técnica de aceleração da atividade jurisdicional de primeiro grau7.

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O recurso especial no incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC

O recurso especial repetitivo também foi criado para combater os processos com a mesma questão de direito (processos de massa) com o intuito de o Superior Tribunal de Justiça8 decidir o caso, interpretando a lei e determinando sua aplicação aos recursos especiais sobrestados na origem, de acordo com o § 7º, incisos I e II, do art. 543-C9. No momento em que o relator do recurso especial nominá-lo como repetitivo, afetando-o, ou no caso de o presidente do tribunal de origem admitir recurso representativo de controvérsia, os recursos e “as ações”10 em trâmite na justiça que versam sobre a mesma matéria de direito ficarão com o curso do processo suspenso até o julgamento final pelo Superior Tribunal de Justiça (CPC, art. 543-C, §§ 1º e 2º). O Código de Processo Civil aprovado traz novas regras para o recurso especial repetitivo, atribuindo à decisão o efeito vinculante e também estendendo a suspensão de todos os processos e ações, inclusive nos juizados especiais, até o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (novel CPC, art. 1.050, II). O objetivo é ter um instrumento que solucione o litígio individualmente, mas, ao formá-lo como precedente válido, solucionará também os demais casos presentes e futuros.

Tais mudanças primam pelo encurtamento do tempo no julgamento das ações, eliminando etapas de procedimento na aplicação das decisões consubstanciadas em súmula e jurisprudência dominante, assegurando isonomia entre as partes e segurança jurídica. É uma forma também de racionalizar o julgamento dos processos repetitivos e trazer o esforço de eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos11.

O novo CPC inova com institutos processuais para combater os processos em massificação e decidi-los isonomicamente, (i) criando o incidente de resolução de demandas repetitivas e atribuindo regras específicas ao recurso especial originário desse incidente, (ii) ampliando o alcance do recurso especial repetitivo e aperfeiçoando seu rito procedimental, e (iii) embora com outro enfoque, criou-se também o incidente de assunção de competência12.

Neste espaço, a abordagem do tema está consubstanciada nas peculiaridades do recurso especial originário do incidente de resolução de demandas repetitivas, cuja lei dispensará vários requisitos exigidos no recurso especial individual e até no atual repetitivo em prol de uma decisão com efeito vinculante que atinja o maior número de ações e cidadãos em todo o Brasil, que estarão à espera da decisão do tribunal para solucionar o seu caso concreto. De igual forma, a análise se estenderá às regras desse incidente que trazem reflexos para o julgamento a posteriori pelo Superior Tribunal de Justiça. É, com certeza, uma adaptação às novas tendências processuais e à inteireza no

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cumprimento constitucional pelo Superior Tribunal de Justiça de por último interpretar o direito federal brasileiro e determinar a sua aplicação nos processos em tramitação e futuros, garantindo a autoridade da decisão proferida em julgamento de casos repetitivos.

O recurso especial interposto em incidente é diferenciado e tem regras próprias e específicas. A quebra ou a dispensa de algumas regras técnicas justifica-se pelo grande número de processos com o mesmo objeto em todo o Brasil que estarão aguardando a palavra final do Superior Tribunal de Justiça para aplicar a tese do direito individualmente em cada um deles (CPC em aprovação, art. 1.05313).

O estudo buscará exatamente analisar as alterações e especificidades do recurso especial interposto em face do acórdão que julgou o incidente de demandas repetitivas pelos tribunais de segundo grau e, ainda, as peculiaridades no julgamento desse incidente que trarão reflexos nos julgamentos pelo STJ. É algo novo no ordenamento jurídico brasileiro, que prestigia o direito material e a coletividade consumidora da justiça e, ainda, compatibiliza dois ideais – a estabilidade e a mudança14.

2. As regras específicas para o recurso especial originário de incidente de resolução de demandas repetitivas

O CPC em andamento inova trazendo regras específicas e procedimento diferencial para o recurso especial originário de incidente de resolução de demandas repetitivas, tais como: dispensa do primeiro juízo de admissibilidade, atribuição de efeito suspensivo ao recurso, ampliação do alcance do efeito vinculante e outras regras processuais peculiares a essa hipótese.

Nesse caso, a dispensa de requisitos do recurso especial demonstra a preocupação do Superior Tribunal de Justiça em cumprir o seu papel de inter-pretar e aplicar isonomicamente o direito federal com extensão em todo o Brasil, com o plus que trará o novo Código de Processo Civil, do efeito vinculante decorrente dos julgamentos repetitivos (leia-se: recurso especial repetitivo e recurso oriundo de incidente de resolução de demandas repetitivas), e, também, no caso do incidente de assunção de competência. Enfim, é a necessidade de se aplicar efetivamente o direito material para alcançar todos os consumidores da justiça, trazendo segurança e isonomia, pilares constitucionais aplicáveis à prestação jurisdicional.

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2. 1 Ausência do primeiro juízo de admissibilidade

O juízo de admissibilidade do recurso especial é bipartido e antecede cronologicamente o juízo de mérito. O juízo de admissibilidade é composto dos requisitos intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer e o interesse em recorrer) e extrínsecos15 (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo e extintivo do poder de recorrer e preparo), constitucionais e, atualmente, também nele se inclui a jurisprudência dominante e as súmulas do próprio Superior Tribunal de Justiça16.

O primeiro juízo de admissibilidade é realizado pelo presidente ou vice--presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, ou quem o regimento interno indicar para tal função17. O segundo será realizado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, que não fica restrito nem vinculado ao primeiro juízo de admissibilidade, independentemente de ser positivo (admite recurso) ou negativo (não admite recurso). Ao ultrapassar o juízo de admissibilidade, o STJ passará à análise do mérito do recurso especial (preliminares ou mérito da ação), decidindo-o. Essa é, portanto, a regra e o ritual procedimental do recurso especial.

O futuro CPC inova, e muito, dispensando o primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial interposto em face do acórdão que julgou o incidente de demandas repetitivas nos tribunais de segundo grau. A tecnicidade do recurso abre caminho para a importância e alcance da matéria discutida no recurso pela autoridade e uniformização da aplicação de lei federal, que compete constitucionalmente ao Superior Tribunal de Justiça. Tudo isso em prol de decisões com eficácia vinculante efetiva, que alcançará o destino dos demais recursos e ações18 pendentes (e até futuras) que cuidam da mesma questão de direito, até porque, como diz Cândido Rangel Dinamarco, “a divergência de julgados é elemento extremamente comprometedor dessa segurança e desagregador da harmonia social”19.

O novel CPC atribuiu competência aos tribunais de segundo grau para julgarem o incidente de resolução de demandas repetitivas quando preen-cher os requisitos: “questão unicamente de direito” e “repetição de processos que contenha controvérsia sobre a mesma questão” (CPC projetado, art. 988). O legislador não mensurou o número de processos necessários para o cabimento do incidente de demandas repetitivas, mas, ao mencionar a expressão...

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