A prova ilícita no processo civil constitucional: a admissibilidade relativa da prova ilícita e consequências jurídicas

AutorWendel De Brito Lemos Teixeira
Ocupação do AutorMestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor de Pós-graduação da PUC Uberlândia. Professor Convidado da Escola Superior da Advocacia da OAB/MG. Advogado
Páginas159-201
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A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL
CONSTITUCIONAL: A ADMISSIBILIDADE
RELATIVA DA PROVA ILÍCITA E CONSEQUÊNCIAS
JURÍDICAS
No presente estudo, entende-se que ambas as teorias tradicionais so-
bre a admissibilidade da prova ilícita do processo civil são insucientes para
atender ao escopo do processo justo e às exigências de um processo civil
constitucional.
A teoria da admissibilidade absoluta da prova ilícita tem como ponto ne-
gativo a possibilidade de estimular o Estado e os particulares a promoverem
toda a sorte de ilícitos para obterem a prova que desejarem. Tal medida acerta-
ria frontalmente a dignidade da pessoa humana. Além disso,
[...] os cidadãos, por sua vez, sem limites para a obtenção de provas,
perderão o respeito recíproco, o que será um grande estímulo ao cres-
cimento da violência no seio social, e a impunidade decorrente do uso
abusivo do direito à privacidade obstacularizará a materialização dos
ns do Estado413.
Outrossim, faria letra morta do art. 5º, LVI da Constituição Federal,
que proíbe a utilização da prova ilícita. Ademais, é cediço que a Constituição
(como norma fundamental de um país) não possui palavras inúteis414. Inspira-
ções de um povo e conquistas seculares constam de disposições expressas na
Constituição, não podendo simplesmente ser ignoradas.
413 CARNAúBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 85.
414 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa
divisio. Direito Público e Direito Privado por uma nova summa Divisio constitu-
cionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 336.
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Wendel de Brito Lemos Teixeira
A inadmissibilidade absoluta da prova ilícita também sofre críticas por fa-
zer prevalecer, algumas vezes, a segurança jurídica sobre outros valores mais ca-
ros em determinados casos concretos. Como ensina Barbosa Moreira, “a melhor
forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em santicar
o excesso oposto”415. Ademais, pode, em muitas situações, fazer prevalecer a im-
punidade e a injustiça sobre a justiça. O prevalecimento absoluto da proibição
de provas obrigará o magistrado a agir como se não conhecesse os fatos devida-
mente comprovados, tão somente pela ilicitude da prova. Outrossim, há situa-
ções em que a parte não é responsável pela ilicitude como ensina Dinamarco416.
Como defende Humberto eodoro Júnior, constata-se
que entre os princípios de direito, inclusive os de ordem constitucional,
é impossível evitar conitos e que, não raro, instalam-se contraposições
graves, a exigir do intérprete e aplicador da lei delicada operação para
harmonizar os comandos principiológicos e denir o ponto de equilí-
brio entre eles417.
Relembre-se as palavras de Marinoni, atestando que o fato de o constituinte
ter feito uma primeira ponderação, no caso do art. 5º, LVI da Constituição Fede-
ral, não impede que seja feita uma segunda pelo intérprete e aplicador do direito:
Como se vê, é necessária a percepção de que a eleição de um valor, pela
norma, não exclui a possibilidade de realização de outra ponderação, a ser
feita pelo juiz diante do caso concreto. A resposta a essa argumentação seria
no sentido de que a norma constitucional, ao proibir a prova ilícita, não
fez restrição a qualquer espécie de processo e, assim, considerou também
o processo civil. Essa objeção não impressiona, pois a proibição da prova
ilícita não exclui – e nem poderia – a radical diferença entre os bens que
compõem os diferentes processos. Por isso, a norma que proíbe a prova
ilícita, ainda que tenha feito uma ponderação – como fazem aliás, várias
415 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas.
Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 84, 1996; p. 144.
416 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III.
São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 51.
417 THEODORO JúNIOR, Humberto. Prova – princípio da verdade real – poderes
do juiz – ônus da prova e sua eventual inversão – provas ilícitas – prova e coisa
julgada nas ações relativas à paternidade (DNA). Revista Brasileira de Direito
Família do IBDFAM, nº 3, outubro-dezembro de 1999, p. 15.
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A prova ilícita no processo civil
outras normas que consagram direitos fundamentais –, não se libertou da
sua reserva imanente de ponderação com outros bens e direitos418.
Isso porque não é raro acontecer de parâmetros abstratos não consegui-
rem solucionar adequadamente conito normativo de um caso em concreto,
seja porque nenhuma formulação em tese, dentre as existentes, se adapte, seja
pertinente, ou contenha todas as peculiaridades fáticas antes não cogitadas, ou
por qualquer outra razão não antecipada419. Segundo defende Fredrich Muller
a interpretação da norma deve se dar conjuntamente com a análise de casos
concretos.420 Como se não fosse suciente, tais formas engessadas seriam in-
capazes de atender, com ecácia e senso de justiça, toda innidade de casos
concretos que possam ocorrer.
Diante da insuciência das teorias tradicionais sobre a admissibilidade
da prova ilícita no processo civil, surgiu uma terceira corrente, de cunho in-
termediário, prevendo sua admissibilidade relativa, capitaneada por Barbosa
Moreira421, Humberto eodoro Júnior422 e Vicente Greco Filho423.
Essa teoria, compatível com o neoprocessualismo e com a visão atual de
prova, defende que, via de regra, não se admite a prova ilícita, por força do art. 5º,
418 MARINONI, Luiz Guilherme. Prova ilícita in Constituição Federal: avanços, con-
tribuições e modicações no processo democrático brasileiro. In: MARTINS, Ives
Gandra e REZEK, Francisco (Orgs.). Constituição Federal. São Paulo: Editora Re-
vista dos Tribunais: CEU-Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 203.
419 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 151.
420 MÜLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito – Introdução à teoria e me-
tódica estruturantes do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; p. 241.
421 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas.
Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 84, 1996; p. 144.
422 THEODORO JúNIOR, Humberto. Prova – princípio da verdade real – poderes
do juiz – ônus da prova e sua eventual inversão – provas ilícitas – prova e coisa
julgada nas ações relativas à paternidade (DNA). Revista Brasileira de Direito
Família do IBDFAM, nº 3, outubro-dezembro de 1999, p. 15.
423 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Sarai-
va, 1989, p. 112.

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