Prova testemunhal

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas293-339
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A Prova no Processo do Trabalho
Capítulo IV
Prova Testemunhal
Considerações introdutórias
Visto sob o aspecto histórico, o testemunho constitui, juntamente com a conssão, o
mais antigo meio de prova judiciária. Alguns Códigos primitivos, como o de Manu, bem
assim como determinadas leis (egípcias, gregas, romanas) priscas continham disposições
acerca da prova testemunhal e do valor que ela representava para a demonstração da verdade
dos fatos. Mesmo com o surgimento, mais tarde, dos meios escritos, o testemunho manteve a
sua preeminência, a ponto de haver-se, como na França, estabelecido um brocardo segundo
o qual témoins passent lettres, isto é, as testemunhas valem mais do que os escritos. Tal era
a importância da prova testemunhal, nessa época, que Bentham (apud Pestana de Aguiar,
ob. cit., p. 286) a ela se referiu como sendo “os olhos e os ouvidos da Justiça”.
Os tempos, contudo, mudaram. O aparecimento de outros meios modernos de prova
fez com que se fosse restringindo, no âmbito do processo civil, o campo de atuação das
testemunhas, a ponto de torná-las até mesmo inadmissíveis em determinadas hipóteses,
conforme veremos.
Essa profunda alteração quanto à importância da prova testemunhal para o processo
proveio da constatação da sua falibilidade(88), da sua natureza condutível, plástica, segundo
seja o interesse da parte em ver provados certos fatos, ainda que não tenham ocorrido.
É possível falar-se, portanto, nos dias de hoje, em um desprestígio, um certo descrédito
(inclusive popular) nesse meio provativo, cuja causa Porras López atribui, preponderante-
mente, “a la crisis moral del régimen económico-social en el que vivimos” (ob. cit., p. 274).
No que está certo.
A despeito disso, é indubitável que, em certas situações, a prova testemunhal se
revela necessária, e até imprescindível, se levarmos em conta que ela tem por objeto os
fatos controvertidos na ação, que, por sua natureza imaterial, não podem ser apreendidos
(88) Anatole France (Crainquebille), citado por Alberto Pessoa. Prova testemunhal. Lisboa, 1931 (apud Pestana de
Aguiar. Ob. cit., p. 287), referindo-se a propósito da fragilidade da prova testemunhal, narrou: “Un jour qui Walter
Raleigh, enferme à la Tour de Londres, travaillait, selon sã coutume, à la seconde partie de son Histoire du Monde
une rixe éclata sous sã fenêtre. II alia regarder cês gens qui se querellaient, et quand il se remit au travail, il pensait
lês avoir três bien observes. Mais lê lendemain, ayant parle de cette afaire à un de sés amis qui y avait été présent
et qui même y avait pris part, il fut contredit par cet ami sur tous lês points. Rééchissant alors à la diculté de
connaítre la verité sur dês événements lointains, quand il avait pu se méprendre sur cê qui se passait sous sés
yeux, il jet ao feu lê manuscrit de son histoire. — Se lês juges avaient lês mêmes scrupules que sir Walter Raleigh,
ils jetteraient au feu toutes leurs instructions. Et ils n’en ont pás lê droit”.
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por outros meios de prova. Daí por que o lósofo González Serrano, citado por Porras
López (ibidem, p. 275), pôde armar, com razão, que “El testimonio, es la admisión, de la
experiencia propia”.
Com efeito, as testemunhas contribuem com suas percepções sensoriais a respeito de
tais fatos que interessam à causa e que não eram da cognição privada do juiz; ainda que o
fossem, aliás, ao magistrado apenas seria lícito julgar segundo seus conhecimentos pessoais
somente em casos extraordinários. Eis por que às testemunhas cabe reproduzir, perante o
juiz, a realidade que captaram; mas o descrédito que se tem manifestado quanto a esse meio
de prova reside, exatamente, na possibilidade de essa realidade ser subvertida, contrafeita, em
virtude de certas regras de conveniência da própria testemunha ou da parte que a apresentou
em juízo. Ninguém ignora a existência de testemunhas prossionais, que tanto mal causam
à honorabilidade e ao conteúdo ético do processo judiciário. Nem mesmo o compromisso
que elas prestam, ao início da inquirição, e a advertência que recebem quanto às sanções
penais que incidirão no caso de fazerem armações falsas, calarem ou ocultarem a verdade
(CPC, art. 458 e parágrafo único) produzem o efeito intimidante pretendido pelo legislador.
Foi visando a evitar, mediante a adoção de certos critérios objetivos, que a testemunha
propenda, deliberadamente, em favor do interesse da parte que a conduziu a juízo, seja por
motivos de parentesco, de anidade política ou ideológica, de interesse pessoal e outros
mais, que a lei erigiu os obstáculos do impedimento (CPC, art. 447, § 2.º) e da suspeição (art. 3.º),
a que também se refere a CLT (art. 829), embora de maneira menos técnica.
Conceito de testemunha
João Monteiro (ob. cit., p. 250, § 162) a conceituava como a “pessoa, capaz e estranha
ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso”; para Moacyr
Amaral Santos (ob. cit., p. 261), testemunha “é a pessoa distinta dos sujeitos processuais
que, convocada na forma da lei, por ter conhecimento do fato ou ato controvertido entre
as partes, depõe sobre este em juízo, para atestar sua existência”; “é a pessoa física, distinta
das partes do processo, que, admitida pela lei, vem informar o juiz — a pedido das partes
e por determinação do juiz, ou só por ordem deste — sobre fatos suscetíveis de serem
provados por esse tipo de prova” (Arruda Alvim, ob. cit., p. 280); para Paula Batista (apud
Humberto eodoro Júnior, ob. cit., p. 585), testemunhas são “as pessoas que vêm a juízo
depor sobre o fato controvertido”; “es la persona extrãna al juicio, que declara acerca de los
hechos o cosas controvertido en la relación procesal” (PORRAS LÓPEZ, ob. cit., p. 274);
Hugo Alsina (apud Amauri Mascaro Nascimento, ob. cit., p. 207) a tem como “a pessoa
capaz, estranha ao processo, que é chamada a declarar sobre fatos que caíram sob o domínio
dos seus sentidos”.
Poderíamos reproduzir, aqui, algumas dezenas de conceitos formulados pela doutrina
com relação à testemunha; os que já mencionamos, contudo, bem se prestam para demonstrar
certos elementos substanciais que devem ser observados para uma exata conceituação dessa
gura.
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Se não, vejamos. A testemunha:
a) é, necessariamente, uma pessoa física, pois apenas ela é capaz de ter percepções
sensoriais, de forma a poder narrar ao juiz, mais tarde, os fatos presenciados e que
interessam à causa; as pessoas jurídicas, embora também contribuam com o Poder
Judiciário para o descobrimento da verdade, o fazem mediante informações, e não
testemunho;
b) distinta das partes do processo. Melhor será que se diga distinta dos sujeitos do pro-
cesso, cujo conceito é mais abrangente que o de partes. Por isso, o juiz, que também
é sujeito processual, não pode servir, por princípio, como testemunha na causa que
lhe está sendo submetida a apreciação e julgamento. Um outro reparo se impõe: a
testemunha, em rigor, não é pessoa estranha ao processo, como se armou em alguns
dos conceitos transcritos; tanto não é que ela aparece, surge, no processo. O que se quis
dizer — e nos parece ser lícito supor neste sentido — é que a testemunha é estranha
à relação jurídica processual, que é coisa diversa;
c) admitida como tal pela lei, isto é, apenas podem depor como testemunhas as pessoas
que não sejam incapazes, impedidas ou suspeitas, nada obstante (e desde que seja
estritamente necessário) ao juiz seja facultado ouvir, como meras informantes, pessoas
impedidas, menores ou suspeitas (CPC, art. 447, § 4.º); nunca, porém, as incapazes;
d) que inquirida pelo magistrado. As testemunhas são sempre inquiridas pelo magis-
trado, seja o juiz da causa ou aquele a quem se deprecou a inquirição. Não é correto
dizer-se que elas sempre comparecem a juízo porque, embora em regra essa modalidade
de prova oral deva ser colhida em audiência (CPC, art. 336, parágrafo único), há casos
em que isso não acontece, pois assim permite ou determina a lei, como em virtude de
doença ou de outro motivo relevante que impeça a testemunha de vir a juízo (CPC,
art. 449), ou se se tratar das pessoas a que faz menção o art. 454 e incisos do mesmo
Código. Mesmo assim, tais testemunhas serão inquiridas pelo juiz, o que importa
também em dizer: na sua presença, conquanto não em juízo. São inquiridas pelo
magistrado porque somente a ele compete, como diretor do processo, interrogar os
litigantes (CLT, art. 848, caput), facultando-se que, por seu intermédio, as partes, seus
representantes ou procuradores formulem reperguntas;
e) voluntariamente ou em decorrência de intimação. Quer dizer, as testemunhas
tanto podem se submeter à inquirição espontaneamente (são convidadas pela parte
e depõem) quanto em virtude de intimação (porque, convidadas, se esquivaram da
inquirição ou porque foi o juiz quem, sponte sua, decidiu ouvi-las);
f) a respeito de fatos controvertidos, relevantes e pertinentes, pois o objeto da inquirição
são os fatos controvertidos. A controvérsia, contudo, por si só, não basta; os fatos
têm de ser pertinentes à sua causa e, ainda assim, relevantes para ela. Destarte, fatos
pertinentes, mas irrelevantes, não interessam, do mesmo modo que há desinteresse
em relação aos fatos relevantes, mas que não pertinem à causa. Depara-se-nos, data
venia, cerebrina a distinção pretendida por Ísis de Almeida (Curso de direito processual
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