Psicopatologia forense

AutorNeusa Bittar
Páginas255-271
CAPÍTULO 10
PSICOPATOLOGIA FORENSE
Para que se entendam os diferentes processos psicopatológicos e suas repercussões
no direito, torna-se necessário não apenas estabelecer o signif‌icado de normalidade
mental, mas tecer inicialmente algumas considerações sobre avaliação da imputabili-
dade e intervalo lúcido.
1. IMPUTABILIDADE
Imputar signif‌ica atribuir algo a alguém.
Para que um indivíduo seja responsabilizado penalmente, tem de ser imputável
à época do fato.
Quando se faz necessário avaliar a imputabilidade, o psiquiatra forense vai se basear
não apenas na capacidade de imputação jurídica, mas também na imputação do fato.
Capacidade de imputação jurídica é a capacidade psicológica de entender o caráter
ilícito do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento.
Nesse aspecto, avalia-se a presença de razão e livre arbítrio, isto é, se o indivíduo
raciocina e se tem capacidade de escolher entre cometer ou não o delito, ou seja, de se
autodeterminar.
Essa capacidade pode ser total, parcial ou nula.
Entretanto, no Estado Democrático de Direito vigora o Direito Penal do Cidadão,
isto é, o Direito Penal do fato e da culpabilidade do seu autor.
Dessa forma, não basta que o indivíduo esteja, por exemplo, em surto de doença
mental à época do fato para ser considerado inimputável. Deve ser também analisada
a imputabilidade do ato.
Enquanto a capacidade de imputação jurídica é uma capacidade psicológica que
faz parte do indivíduo, o qual pode apresentá-la, ou não, a imputabilidade do ato não
faz parte do indivíduo, mas do ato.
Então, para que um indivíduo seja considerado inimputável, além do comprome-
timento total da razão e do livre arbítrio (capacidade de imputação jurídica nula), o
ato deve ter relação com a doença mental constatada. Em outras palavras, o indivíduo
praticou o ato em função da doença, como manifestação ou sintoma desta.
Inexistindo tal relação, esse indivíduo pode ser dado como imputável caso não se
exija conduta diversa.
EBOOK MEDICINA LEGAL E NOCOES DE CRIMINALISTICA.indb 255EBOOK MEDICINA LEGAL E NOCOES DE CRIMINALISTICA.indb 255 30/04/2021 15:20:0430/04/2021 15:20:04
MEDICINA LEGAL E NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA • NEUSA BITTAR
256
Entender de forma diferente seria julgar o indivíduo pelo que ele é e, não, pelo
que ele fez.
Isso nos aproximaria do Direito penal do inimigo, que se baseia no autor e na sua
periculosidade.
2. INTERVALO LÚCIDO
É o retorno ao estado de sanidade mental por um período longo de tempo.
São fundamentais na conf‌iguração do intervalo lúcido:
• Ausência de sintomas da doença, inclusive de qualquer manifestação do defeito
psíquico que se exteriorize nas atitudes do indivíduo;
• Período longo de tempo sem qualquer manifestação da patologia.
Não basta um período de acalmia da doença, isto é, não basta que o indivíduo esteja
tranquilo e com escassas manifestações. Tem de haver sanidade mental, constatada por
várias avaliações psiquiátricas.
Os intervalos lúcidos podem ocorrer em certas patologias como neuroses, toxicoma-
nia e alcoolismo moderados, enquadrados como perturbação da saúde mental, entretanto,
jamais ocorrerão quando a doença mental for de nascença ou tiver aparecido precocemente.
3. NORMALIDADE MENTAL
A conceituação de normalidade mental é tarefa bastante difícil, ainda mais quando
se está diante do autor de um delito. Entretanto, devemos considerar que o crime não
é apenas um fato humano, mas também um fenômeno social.
Assim, os fatores criminógenos, oriundos da própria constituição do indivíduo ou
do meio em que ele vive, podem vencer fatores crimino-repelentes como a educação, o
senso ético e o sobrenatural, gerando a conduta desviante.
Nesse sentido, normalidade seria a condição de quem é capaz de realizar um ato
com pleno discernimento, mesmo que antissocial, e esse ato lhe pode ser imputado.
Não há um padrão de normalidade psíquica, sendo insuf‌iciente a alegação de au-
sência de doença mental, uma vez que os limites são imprecisos.
Essa ausência de limites nítidos entre o normal e o patológico torna relativo o
conceito de normalidade mental, além de que esta não depende apenas da avaliação
médica, mas também de padrões sociais, culturais e estatísticos.
A normalidade pode ser vista sob quatro perspectivas.
A primeira seria a normalidade como equivalente à saúde mental, estando a conduta
dentro dos padrões normais quando não existisse nenhuma psicopatologia (doença
psíquica) manifestada.
A segunda perspectiva concebe a normalidade como a combinação adequada dos
diferentes elementos da mente que culmina com um funcionamento ótimo, próprio de
um ser ideal.
EBOOK MEDICINA LEGAL E NOCOES DE CRIMINALISTICA.indb 256EBOOK MEDICINA LEGAL E NOCOES DE CRIMINALISTICA.indb 256 30/04/2021 15:20:0430/04/2021 15:20:04

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT