Traumatologia forense

AutorNeusa Bittar
Páginas145-194
CAPÍTULO 7
TRAUMATOLOGIA FORENSE
Trauma é a atuação de uma energia externa (exógena) sobre o indivíduo, suf‌icien-
temente intensa para provocar desvio perceptível da normalidade ou apenas alterar o
funcionamento do organismo.
Lesão é a alteração estrutural proveniente de agressão ao organismo, visível ma-
croscopicamente (a olho nu) ou apenas ao microscópio, seja qual for a etiologia (causa).
Lesão violenta é a causada por traumatismos.
Agentes de lesão são todos os instrumentos ou meios que atuam no organismo
produzindo lesão.
As energias vulnerantes (que afetam o organismo) podem ser de três ordens:
• Física: mecânica, barométrica, térmica, elétrica e radiante.
• Química: cáusticos, venenos.
• Físico-química: asf‌ixias (ver capítulo 8).
As lesões serão estudadas pelo modo de ação dos instrumentos.
1. ENERGIAS DE ORDEM FÍSICA
1.1. Energia mecânica
Agentes mecânicos são os que transferem energia cinética (de movimento) para a
parte do corpo com que entram em contato.
Se uma pequena pedra for colocada sobre a cabeça de uma pessoa, certamente nada
ocorrerá. Entretanto, se essa mesma pedra for atirada, a energia gerada pelo movimento,
transmitida ao organismo no ponto de impacto, provocará uma lesão.
Como a energia (E) é igual à metade da massa (m) multiplicada pela velocidade (V)
ao quadrado, a intensidade da agressão dependerá da massa do objeto e da velocidade
com que ele atinge o corpo.
E = m.V²
2
Assim, objetos com pequena massa podem causar lesões importantes se atingirem
o corpo com grande velocidade.
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MEDICINA LEGAL E NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA • NEUSA BITTAR
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1.1.1. Ação contundente
Resulta da transferência da energia cinética para o corpo por meio de uma super-
fície, produzindo lesão contusa.
Ocorre de modo ativo, quando o corpo é atingido pela superfície do objeto (casse-
tetes, arcadas dentárias, pedra, pedaço de pau), ou de modo passivo, quando o corpo é
lançado contra a superfície (solo ou parede).
Algumas vezes, quando o agente é bem def‌inido, torna-se possível identif‌icá-lo,
como no caso dos cassetetes e dos dentes (mordida), pois a lesão toma a sua forma. São
as lesões com assinatura.
Entretanto, na maioria das vezes, isso não ocorre nas lesões contusas, daí falar-se
em ação contundente, e não em instrumento contundente, quando não houver padrão
lesional.
A transmissão de energia pode se dar por compressão (mais comum), descompres-
são, tração, deslizamento (ação tangencial), percussão, explosão e torção.
A ação pode ser direta, quando lesa os tecidos no ponto de contato com o corpo,
ou indireta (contragolpe), quando a lesão ocorre no lado oposto, como nas contusões
na cabeça, em que o cérebro ainda está parado quando a parte óssea (calota craniana) se
desloca por força do golpe. O cérebro ricocheteia nessa caixa óssea, rompendo os vasos
do lado oposto ao da incidência do golpe.
Lesão por contragolpe:
Quando antebraços, mãos, pernas e pés são usados para evitar golpes desferidos
com algum instrumento portado pelo agressor, tornam-se alvos desses golpes, resultando
nas denominadas lesões de defesa, identif‌icadas na vítima.
Surge, porém, a indagação: seria a localização das lesões critério suf‌iciente para
qualif‌icá-las como lesões de defesa?
Em outras palavras, bastaria que as lesões se localizassem nos antebraços e pernas
para serem qualif‌icadas como lesões de defesa?
Entendemos que não, especialmente quando a ação é contundente, pois as regiões
citadas também servem para ataque.
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CAPítulo 7 • trAumAtologIA forENSE
De acordo com Hilário Veiga de Carvalho (Compêndio de Medicina Legal, 1978, p.
102), os instrumentos contundentes se caracterizam como: meios naturais, a mão mormen-
te se fechada, os pés, a cabeça, o joelho etc.; meios usuais, a bengala, o bastão etc.; meios
eventuais, uma pedra, um tijolo, o martelo, o cabo de um utensílio, a face de uma pá etc.
Dessa forma, se o agressor utiliza seus braços ou pernas no ataque (meios natu-
rais), a oposição da vítima pode produzir sérias lesões neste agressor, na proporção
da intensidade do golpe rebatido. Tem-se, como exemplo, a fratura dos ossos da perna
de um famoso lutador brasileiro de MMA decorrente da oposição ao seu ataque.
Nesse caso, apesar de terem a mesma localização, as lesões não são de defesa, pois
estão presentes em quem agrediu.
Deve-se então analisar se há compatibilidade dos achados periciais com o histórico,
e valorizar a intensidade das lesões, principalmente quando há desproporção de forças,
antes de atribuí-las a um dos oponentes.
As lesões contusas podem ser fechadas ou abertas.
• Lesões contusas fechadas
São as lesões em que a pele da região atingida mantém-se íntegra, porque a força
do golpe não foi capaz de vencer sua elasticidade. Entretanto, os tecidos abaixo da pele
são menos elásticos, sendo então lesados.
São espécies de lesões contusas fechadas:
1) Rubefação
É a hiperemia (vermelhidão) que surge no local do trauma pouco intenso, devido
à dilatação de pequenos vasos, desaparecendo em dez minutos.
É um processo funcional, pois inexiste ruptura dos vasos, não conf‌igurando lesão
corporal, como ocorre na bofetada.
2) Tumefação
É a palidez e elevação da pele no local do impacto por edema (inchaço), com
hiperemia ao redor, consequente de trauma pouco mais intenso (aspecto parecido ao
da urticária). Desaparece em tempo pouco maior que a rubefação, não constituindo
verdadeira lesão corporal.
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