Sistema nacional de unidades de conserv ação (snuc)

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas473-512
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SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO (SNUC)
31.1 CONCEITO
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei nº 9.985, de 18-7-
2000,1 não apenas fixa critérios e regras para a criação e implantação desses espaços, como
também estabelece as condições para sua gestão, com vistas a dar efetividade à sua proteção.
A Lei do SNUC não é o primeiro diploma legal a tratar das unidades de conservação e, com
exceção da Reserva de Fauna, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável e do Refúgio de
Vida Silvestre, não as criou. Apenas sistematizou a matéria, agrupando os diversos tipos em
duas categorias e dispondo sobre os vários temas que lhes dizem respeito.
Segundo Herman Benjamin, a experiência internacional reconhece quatro finalida-
des principais às unidades de conservação: conservação da natureza, aproveitamento (=
gozo) público, pesquisa científica e uso econômico sustentável de seus componentes.2
A Unidade de Conservação (UC) é conceituada na lei como:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características na-
turais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites de-
finidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.3
Em se tratando de uma manifestação do princípio da supremacia do interesse públi-
co sobre o particular, o Poder Público é competente para instituir, alterar e mesmo extin-
guir as Unidades de Conservação, em áreas de domínio público ou privado.
As denominadas características naturais relevantes reportam-se aos bens ambientais
a serem protegidos. Para cada tipo de Unidade de Conservação é definida a respectiva
finalidade, em função da natureza dos bens a serem protegidos.
No que se refere à definição da área, é imperativa a fixação de seus limites, para per-
mitir a sua identificação em mapas, estabelecendo-se, com clareza, o espaço que será ob-
jeto de proteção especial e seu entorno.
O regime jurídico das UC diz respeito ao conjunto de regras impostas pela lei, re-
gulamentos de uma forma geral e pelos planos de manejo para cada espaço específico, de
acordo com a categoria e o tipo de Unidade de Conservação. Essas normas devem deter-
minar as finalidades de proteção, o regime do domínio – público ou privado – e as regras
1. Regulamentada pelo Decreto nº 4.340, de 22-8-2002.
2. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos e. Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC). In: Direito ambiental das áreas protegidas. Coord. Antonio Herman Vasconcelos e Benjamin. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2001, p. 298.
3. Lei nº 9.985/00, art. 2º, I.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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de gestão, considerando, inclusive, o tratamento a ser conferido às populações tradicionais
que habitam o local.
O regime administrativo especial inclui também as atribuições dos órgãos públicos,
os conselhos, a possibilidade de gestão compartilhada entre os órgãos e entidades da Ad-
ministração Pública e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP),
assim como as obrigações dos gestores com o objetivo de tornar efetiva a proteção dos
bens ambientais e culturais de que se ocupa a Lei do SNUC.
O ponto central de discussão a respeito das Unidades de Conservação refere-se à sua
gestão, que está intimamente ligada à efetividade da Lei. A implantação do espaço é fun-
damental, tanto quanto o desenvolvimento de mecanismos administrativos relacionados
com a proteção do espaço, no que se refere às atividades de gestão, como, por exemplo, as
condições de uso da área, quando cabível, a comunicação junto às populações tradicionais,
a fiscalização, a imposição de penalidades, a educação ambiental.
Todas essas atividades implicam despesa. Por um lado, não há proteção ambiental de
espaços sem a decisão política de implementar administrativa e tecnicamente uma Unida-
de de Conservação, aplicando recursos financeiros e disponibilizando pessoal capacitado.
Por outro lado, a criação de uma Unidade de Conservação origina oportunidades
de desenvolvimento sustentável e geração de renda para o ente federativo e para a comu-
nidade local.4 Tem-se, em alguns estados do Brasil, o Imposto sobre Circulação de Mer-
cadorias e Serviços - ICMS Ecológico, que proporciona uma espécie de compensação fi-
nanceira no repasse de valores arrecadados por este imposto aos municípios que possuem
restrições para expandir atividades econômicas devido à presença de UC.5
Outra iniciativa nesse sentido é a declaração de UC como Sítios Ramsar,6 que possi-
bilitam obtenção de apoio para o desenvolvimento de pesquisas, o acesso a fundos inter-
nacionais para o financiamento de projetos e a criação de um cenário favorável à coopera-
ção internacional.7Ainda assim, observa-se que há um desafio para a gestão de Unidades
de Conservação, seja do ponto de vista da otimização de recursos, seja pela dificuldade de
se estabelecer mecanismos administrativos para a proteção do espaço.
Esses problemas não são apenas brasileiros, mas fazem parte do cenário em que a
luta pela preservação ambiental ainda não foi plenamente incorporada nos setores políti-
cos e econômicos. Como já se afirmava em 1987, no Relatório Brundtland, “o desafio que
se impõe hoje às nações já não é mais decidir-se se a conservação é uma boa ideia, mas sim
implementá-la no interesse nacional e com os meios disponíveis em cada país”. 8
A Lei nº 13.668/189 incluiu na Lei nº 11.516/07 o art. 14-C, segundo o qual poderão
ser concedidos serviços, áreas ou instalações de unidades de conservação federais para a
4. Para mais informações “Contribuições do Turismo em Unidades de Conservação Federais para a Economia Brasileira
- Efeitos dos Gastos dos Visitantes em 2015” – ICMBio, 2017. Disponível em: -
ges/stories/edital/contribuicoes_do_turismo_em_ucs_federais_para_a_economia_brasileira.pdf>
5. ICMS ECOLÓGICO. Na constituição brasileira. Disponível em: . Acesso em: 03
set. 2018.
6. Ver capítulo sobre Sítios Ramsar.
7. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Sítios Ramsar. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/instru-
mentos-de-gestao/s%C3%ADtios-ramsar. Acesso em 03 set. 2018.
8. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p.
162.
9. Conversão da Medida Provisória nº 809/2017.
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exploração de atividades de visitação voltadas à educação ambiental, à preservação e con-
servação do meio ambiente, ao turismo ecológico, à interpretação ambiental e à recreação
em contato com a natureza, precedidos ou não da execução de obras de infraestrutura,
mediante procedimento licitatório regido pela Lei nº 8.987/1995. Trata-se de uma forma
de transferir à iniciativa privada a exploração de atividades em unidades de conserva-
ção, desonerando a estrutura administrativa, que ficará obrigada, todavia, a proceder à
gestão dos contratos.
31.2 CRIAÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
A criação de espaços protegidos é um dos instrumentos estabelecidos pela Lei nº
6.938/81, que não previa a necessidade de lei para sua supressão e alteração.10 A Consti-
tuição Federal avançou nessa matéria, determinando que somente a lei poderá suprimir a
proteção ou alterar o regime jurídico dos espaços protegidos, em que se incluem as Uni-
dades de Conservação.11
A expressão Unidades de Conservação foi instituída pela Resolução CONAMA nº 11,
de 3-12-1987,12 que declarou como Unidades de Conservação as seguintes categorias de
Sítios Ecológicos de Relevância Cultural, criadas por atos do Poder Público: (1) Estações
Ecológicas; (2) Reservas Ecológicas; (3) Áreas de Proteção Ambiental, especialmente suas
zonas de vida silvestre e os Corredores Ecológicos; (4) Parques Nacionais, Estaduais e
Municipais; (5) Reservas Biológicas; (6) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais; (7)
Monumentos Naturais; (8) Jardins Botânicos; (9) Jardins Zoológicos; e (10) Hortos Flo-
restais. Posteriormente, a Lei nº 7.797, de 10-7-1989, que instituiu o Fundo Nacional do
Meio Ambiente,13 estabeleceu as Unidades de Conservação como uma das prioridades na
aplicação de seus recursos financeiros.
A Lei nº 9.985/00 sistematizou de modo definitivo a matéria. Note-se que os Jardins
Botânicos, os Jardins Zoológicos e os Hortos Florestais não foram contemplados na Lei do
SNUC, o que não significa que tenha sido revogada a proteção desses espaços. O entendi-
mento é que eles encontram-se adstritos a regras específicas, em vigor, caracterizando-se
como áreas de proteção especial.
José Afonso da Silva, ao conceituar os Jardins Botânicos como “espaços fechados
onde se cultivam plantas e flores seletas para estudo e exposição, pondera que esses espaços
possuem um “objetivo conservacionista na medida em que constituem terrenos de cultivo
de espécies florísticas que tendem à extinção ou que mereçam especial referência.14
Os Jardins Zoológicos constituem “qualquer coleção de animais silvestres mantidos
vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública”. 15 Embora caiba ao
Poder Público instalar e manter esses espaços, excepcionalmente poderão funcionar jar-
dins zoológicos pertencentes a pessoas jurídicas de direito privado ou físicas.16
11. CF/88, art. 225, § 1º, III.
12. Revogada pela Resolução CONAMA nº 428/10.
13. Lei nº 7.797, de 10-7-1989, art. 5º, I.
14. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 261.

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