Teorias em psicologia: uma visão geral

AutorJosé Osmir Fiorelli/Marcos Julio Olivé Malhadas Junior/Maria Rosa Fiorelli
Páginas75-105

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Este capítulo tem por objetivo propiciar uma visão geral dos principais conceitos ligados à psicologia. Skinner (1992, p. 50) registra que “o comportamento humano é, talvez, o objeto mais difícil dentre os que já foram alvo dos métodos da ciência ...”.

Nesta obra, distingue-se atitude de comportamento. Considera-se “atitude” “uma predisposição a responder cognitivamente, afetivamente e comportamentalmente a um objeto específico de modo particular” (HUFFMAN, VERNOY, VERNOY, 2003, p. 616). Predisposição, entretanto, não significa ação; ela pode, simplesmente, não se consumar.

As atitudes transformam-se ao longo da vida e a discrepância entre elas e os comportamentos podem provocar variáveis níveis de tensão psicológica. O indivíduo modifica sua atitude com o objetivo de reduzir essa tensão. A cultura influencia forte-mente nos efeitos que essa discrepância ocasiona, assim como na escolha das estratégias de mudança.

A extrema complexidade do comportamento humano ensejou o surgimento de diversas escolas de Psicologia, muitas delas iniciando-se a partir da década de 1950. Cada uma delas enfoca o comportamento humano de maneira diferente quanto à sua origem e às possibilidades de atuar sobre ele. Todas possuem pontos em comum e complementam-se, propiciando que se encontrem psicólogos utilizando diferentes procedimentos e estratégias.

Obviamente, não há como estudar e tentar compreender o comportamento humano utilizando um único modelo teórico, qualquer que seja ele. A riqueza psíquica e comportamental do ser humano sugere uma apreciação bastante ampla, desprovida de preconceitos e padrões, de todos os elementos que influenciam os comportamentos emitidos.

A Psicologia concentra-se, pois, no estudo dos fenômenos relacionados com o funcionamento de indivíduos e grupos. Sua ação estende-se a crianças, adolescentes, idosos, executivos, famílias e Organizações, sob diferentes enfoques.

Cada vez mais, os conhecimentos de Psicologia mostram-se de grande valor para a compreensão dos mecanismos mentais que se encontram presentes no conflito inter-pessoal e, por isso, apresentam interesse imediato para o profissional do Direito.

As teorias em Psicologia são apresentadas sem preocupação com a sequência histórica que marcou seu desenvolvimento e, também, sem a intenção de esgotar a variedade de abordagens teóricas, o que seria absolutamente incompatível com as possibilidades e objetivos da obra, que consistem em proporcionar uma visão ampla, relacionada com a prática e útil tanto para o profissional quanto para o estudante de Direito. Procurou-se, pois, proporcionar ao texto uma amplitude que permita, ao leitor, compreender qualitativamente a diversidade de entendimentos que cerca esse tema tão complexo: o comportamento humano.

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3.1. Abordagens psicodinâmicas

Nestas abordagens, entende-se que forças relacionadas com os mecanismos psíquicos, na relação entre o consciente e o inconsciente, impulsionam o comportamento humano. Para elas, e para a Psicologia em geral, foram marcantes as contribuições e teorias de Freud, Jung e Adler, entre outros estudiosos.

Sigmund Freud (Tchecoslováquia, 1856-1959), médico e escritor brilhante, foi a primeira grande influência nessa forma de perceber o que impulsiona e se esconde por trás do comportamento. Deve-se a ele conceitos fundamentais que orientaram seus discípulos e inúmeros estudiosos, inclusive aqueles (que foram muitos) que com ele acabaram por entrar em irreconciliáveis conflitos.

Ele conceituou a existência do inconsciente, cujas manifestações de conteúdos estudou extensamente. A compreensão da força do inconsciente e do modo como ele se manifesta apresenta grande importância para todos que interagem com pessoas.

Para Freud, os processos mentais não acontecem ao acaso (FADIMAN; FRAGER, 1986, p. 7) e um comportamento aparentemente surpreendente de um cônjuge, empregado, empregador, advogado, juiz ou testemunha tem suas razões para acontecer.

Freud percebe conexões entre todos os eventos mentais (idem, p. 7), não havendo como um indivíduo desempenhar papéis diferentes em casa, no lazer, no trânsito e no trabalho e ajustar-se a todas essas situações sem experimentar algum tipo de consequência (patológica ou não) do ponto de vista psíquico. Cônjuges não conseguirão abordar seus problemas sem que as questões do trabalho se encontrem presentes, e assim sucessivamente.

Segundo ele, a maior parte dos processos mentais é absolutamente inconsciente (FREUD, 1974, p.171). Quando o indivíduo declara, referindo-se a alguma ação por ele cometida, que “não sabia o que estava fazendo”, ele, de fato, não percebe que agia dominado pelo inconsciente, em que não existe o conceito de tempo, de certo e errado e não há contradição (FREUD, op. cit., p. 237). No sonho, isso se evidencia: o inconsciente encontra-se livre da censura e da ordenação lógica do consciente.

Esse entendimento sugere que comportamentos considerados “inaceitáveis”, “imprevisíveis”, “inusitados” podem ser frutos de forças originadas no inconsciente, das quais o indivíduo não tem a menor percepção.

Uma das contribuições teóricas de Freud que alcançou grande impacto e que possibilita uma série de interpretações é o seu modelo de estrutura do aparelho psíquico, que seria composto por três elementos: o id, o ego e o superego, sendo:

Id ou isso: a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade, constituída de conteúdos inconscientes, inatos ou adquiridos, que buscam a contínua gratificação (FADIMAN; FRAGER, op. cit., p. 10-11).

Ego ou eu: responsável pelo contato do psiquismo com a realidade externa, contendo elementos conscientes e inconscientes (FREUD, op. cit., p. 11).

Superego ou supereu: atua como um censor do ego. Tem a função de formar os ideais, a auto-observação etc. (FREUD, op. cit., p. 70-71). O superego constitui “a força moral da personalidade. Ele representa o ideal mais do que o real e busca a perfeição mais do que o prazer” (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 55).

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O comportamento, na concepção psicodinâmica, “é quase sempre o produto de uma interação entre esses três sistemas e raramente um sistema opera com a exclusão dos outros dois” (idem, p. 53).

O id não conhece juízo de valor (bem, moral), busca sempre a satisfação imediata; atua de acordo com o princípio do prazer e a ele não se aplicam as leis lógicas do pensamento. Nele podem habitar conteúdos contrários sem que um anule ou diminua o outro (FADIMAN; FRAGER, op. cit., p. 11).

O ego atua de acordo com o princípio da realidade (FREUD, op. cit., p. 39). Ele procura unir e conciliar as reivindicações do id e do superego com as do mundo externo, buscando harmonizar seus reclamos e exigências — frequentemente incompatíveis (idem, p. 99).

O ego, portanto, faz o papel de estrategista: adia exigências do id, adquire conhecimentos, avalia riscos e oportunidades; ao mesmo tempo, realiza a interação com o mundo exterior, procurando comportar-se do modo mais adequado a cada situação. Ele ajusta-se às situações, com uma flexibilidade que o id e o superego não possuem.

O superego recompensa o ego por comportamentos aceitáveis e cria sentimentos de culpa para castigá-lo por ações ou pensamentos contrários a princípios morais (DAVIDOFF, 1983, p. 521). O superego, por conseguinte, julga: censura ou aprova.

O indivíduo dominado pelo id ou pelo superego tem o senso de realidade prejudicado — estará mais propenso, por exemplo, a cometer crimes e delitos, para auto-gratificação, ainda que em prejuízo da sociedade. Levado ao extremo, poderá nem mesmo compreender porque é punido ao cometer um roubo ou um homicídio.

O caso de Nelson repete o de inúmeras crianças que desconheceram limites em suas infâncias e adolescências, protegidas pelo poder econômico dos pais. Acostumado a receber prontamente tudo o que sempre pediu, sem critérios de escolha e de valor, deparou-se com seu primeiro limite na escola — quando um colega tomou-lhe à frente na conquista da primeira namorada. Com o revólver do pai, assassinou o colega à saída da aula. Na concepção de Freud, trata-se de uma criança totalmente dominada pelo princípio do prazer. A recuperação desse indivíduo para a sociedade será extremamente difícil e a fragilidade dos sistemas educativo e penitenciário contribuem para torná-lo um desafio para a sociedade.

Deve-se também a Freud o conceito de “mecanismos psicológicos de defesa”, empregados de maneira “mais ou menos consciente” (SILLAMY, 1998, p. 70), para diminuir a angústia nascida dos conflitos interiores. Constituem uma forma, adotada pelo psiquismo, de enfrentar situações estressantes por meio da distorção da realidade (HUFFMAN; VERNOY; VERNOY, op. cit., p. 478).

Eles são utilizados pelas pessoas para adaptar-se a uma situação provocadora de conflito, real ou percebido. Alguns dos mecanismos descritos na literatura, encontráveis com muita frequência em relações interpessoais no ambiente de trabalho e familiar, são os seguintes:

deslocamento: a pessoa transfere a emoção ligada a uma ideia de difícil ou impossível aceitação para outra, desviando “sentimentos emocionais de sua fonte original a um alvo substituto” (WEITEN, 2002, p. 351); pode ser uma estra-

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tégia, por exemplo, para lidar com uma paixão inaceitável do ponto de vista social — o indivíduo bebe para esquecer;

distração: o indivíduo desloca a atenção, inconscientemente, para objeto diferente daquele com o qual se ocupava (SILLAMY, op. cit., p. 81); a testemunha jurado pode perder a concentração para não enfrentar o tema tratado...

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