Testamento como última chicana

AutorKarina Nunes Fritz
Páginas85-86
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TESTAMENTO COMO ÚLTIMA CHICANA
Ao contrário do Brasil, onde poucas pessoas se preocupam em fazer em vida dis-
posições para depois da morte, na Alemanha há uma cultura em se fazer testamento.
O problema lá tem sido algumas exigências e condições que os autores da herança têm
imposto aos herdeiros e legatários. Não raro, procura-se vincular a herança ou legado a
condições consideradas inadmissíveis pela ordem jurídica40.
Com efeito, em alguns testamentos o autor da herança condiciona seu recebimen-
to à visita periódica do herdeiro ou a um número mínimo de visitas por ano ou àquele
f‌ilho que dele cuidar na velhice. Também surgem promessas de deixar um pedaço maior
do bolo hereditário se a f‌ilha se separar ou se o f‌ilho deixar a vida errante e se casar. As
situações da vida fornecem material suf‌iciente para a produções de grandes comédias
hollywoodianas.
A coisa tem ganhado tamanha proporção que o Fórum de Direito Sucessório de
Munique divulgou, em 2019, que a maioria dos testamentos no país contém condições
a serem preenchidas pelos herdeiros e legatários. Eles alertam, contudo, que essas con-
dições não podem signif‌icar um mecanismo de pressão e, principalmente: não se pode
pretender “comprar” afeto, atenção ou cuidado dos herdeiros. Isso vale principalmente
quando há a explosiva combinação de “coação” e altas cifras.
A jurisprudência tem benef‌iciado os herdeiros sempre que as condições impostas
pelo de cujus restringem consideravelmente sua liberdade de decisão, colocando-os
quase em uma situação de coação. Nesses casos, em regra, essas cláusulas impostas são
declaradas nulas por contrariedade aos bons costumes (§ 138 I BGB), preservando-se
o direito fundamental à herança dos herdeiros, previsto no art. 14 da Lei Fundamental
(Grundgesetz).
Condicionar o recebimento da herança à conclusão dos estudos ou ao alcance de
determinada idade (maioridade) são cláusulas consideradas válidas pelos tribunais.
Há pouco, entretanto, o Tribunal de Justiça de Frankfurt am Main considerou nula a
condição imposta por um avô aos netos, segundo a qual esses só fariam jus à herança se
o visitassem, no mínimo, seis vezes por ano.
Trata-se do processo OLG Frankfurt a.M Az. 20 W 98/18, julgado em 05.02.2019.
No caso, o avô dispôs em testamento que sua esposa e o f‌ilho do primeiro casamento
deveriam f‌icar com 25% cada um da herança. O restante f‌icaria para os dois netos me-
nores, descendes de outro f‌ilho do falecido, que nada receberia. Pressuposto, contudo,
para o recebimento da herança era a visita regular do avô, que morava em outra cidade.
Essa condição era conhecida da família e, por isso, os pais pressionavam os meninos
a visitar o avô, mas eles se recusavam a ir na frequência exigida. Após a morte do avô,
a viúva e o f‌ilho do primeiro casamento requereram que a parte destinada aos menores
40. Artigo publicado na coluna German Report, em 05.11.2019.
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