Trabalho da mulher

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Páginas351-367
CAPÍTULO XV
TRABALHO DA MULHER
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A mulher sempre foi vista como produto do homem, como subserviente, como patrimônio de seu senhor
maior. Sexo frágil, como por longo tempo se costumou dizer, ligou-se sempre ao lar, às atividades caseiras, à vida
doméstica, e, por isso, por sua presumida debilidade física, foi considerada mão de obra secundária(436). Consta dos
livros sagrados que Deus, expulsando os seres viventes que criara no Jardim do Éden, dirigiu-se à mulher, dizendo:
multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu
marido e ele te governará (Gn. 3.16). Pelo texto sagrado, vê-se que, à luz da religião, se iniciou com o surgimento
da espécie a discriminação que iria caminhar séculos e atravessar milênios.
Na antiga Roma, a mulher, qualquer que fosse a sua situação, estava sempre submetida a um poder; se era solteira,
alieni júris submetia-se à patria potestas; se era casada cum manu, impunha-se-lhe a manus maritalis; sendo solteira,
sui juris, ou viúva, ficava sob a tutela permanente(437), o que lhe gerava uma incapacidade de fato, que só se atenuou
com o fim da República e o começo do Império (Ulpiano e Gaio)(438).
Essa situação persistiu ao longo da Idade Média, e, com a Revolução Industrial, a partir do surgimento da
máquina a vapor, esta serviu para equilibrar o desnível existente entre o homem e a mulher, porque menor a for-
ça física a ser despendida, iniciou-se o processo de exploração do trabalho da mulher, como na Alemanha, onde
cumpria jornadas absurdas de dezessete horas/dia.
No século XIX, surgiram as primeiras normas de proteção da mulher. Na Inglaterra, a 19 de agosto de 1842,
o Coal Mining Act limitou em doze horas o seu trabalho e proibiu-lhe o noturno na faixa dos dezoito aos 35 anos;
e, em 1878, o Factory and Workshop Act vedou-lhe o trabalho insalubre e perigoso.
Na França, várias leis seguiram os passos ingleses: a de 19 de maio de 1874, proibindo o trabalho em minas
e pedreiras e o noturno à mulher menor de 21 anos; a de 2 de novembro de 1892, limitando a jornada em onze
horas; a de 31 de dezembro de 1900, introduzindo cadeiras nas empresas conforme o número de mulheres; a de
28 de novembro de 1909, garantindo repouso não remunerado às mulheres grávidas e proibindo-lhes de carregar
objetos pesados; os decretos de 21 de junho de 1913, vedando o trabalho na parte exterior das lojas, e de 21 de
abril de 1914, proibindo o trabalho em confecção e distribuição de escritos e objetos de circulação vedados por lei
penal porque contra os bons costumes.
Na Alemanha, o Código Industrial de 1891 indicou medidas para proteger o trabalho da mulher, e a Consti-
tuição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, igualou o seu trabalho ao do homem (art. 119, 1ª parte) e protegeu a
maternidade (arts. 119, in fine, em 161).
(436) RUSSOMANO, M. V. Comentários... cit., p. 349.
(437) MEIRA, Sílvio Augusto de Bastos. Instituições de direito romano. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1968. p. 58.
(438) MEIRA, S. A. de B. Ob. cit., p. 58.
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Curso de Direito do Trabalho
Georgenor de Sousa Franco Filho
No Brasil, a primeira norma escrita sobre a situação da mulher obreira, altamente protecionista, foi o Decreto
n. 21.417-A, de 17 de maio de 1932, decorrente de projeto do então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio
Lindolfo Collor, projeto esse que consulta as exigências primordiais do amparo ao trabalho feminino no Brasil(439). Aliás,
na exposição de motivos ao Chefe do Governo Provisório, Collor analisa o trabalho da mulher no início da década
de 30, registrando que
os salários, as condições e o horário de trabalho variam, não só de atividade como, também, de região para região. Redu-
zido a £ 800 no extremo norte, nos castanhais ou na separação de sementes oleaginosas, o trabalho feminino tem remu-
neração que chega a ser dez vezes menor nas fábricas do centro do país, predominando, em regra, o dia de oito horas de
trabalho(440).
A partir do século XIX, cada Estado passou a se preocupar internamente com o trabalho da mulher, fundado
em dois aspectos: o fisiológico e o social. O primeiro decorreria de uma presumida menor resistência física da mu-
lher, porque os biólogos e fisiologistas demonstram que a mulher, em confronto com o homem, possui menor resistência
a trabalhos extenuantes, por isso recomendam cautelas do ponto de vista físico e espiritual(441). O segundo derivaria da
defesa da família, fundamento de caráter moral e de maior importância que o primeiro, tendo Pio XI destacado o
papel da mãe de família em trabalhos domésticos como responsável pelo lar(442).
Ambos os fundamentos parecem superados hodiernamente, restando a necessidade de proteger a mulher na
maternidade, sobretudo porque os movimentos modernos, geralmente conhecidos como feministas, mudaram a
visão das medidas protetoras da mulher de discriminatórias para tuitivas, restando, em boa parte, superados os
raciocínios de sua inferioridade.
Com efeito, indiscutivelmente, hoje, somente nos três momentos da maternidade (gravidez, parto e amamen-
tação) é que se pode falar em tratamento discriminatório preferencial favorecendo a mulher.
2. PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER
2.1. NO DIREITO INTERNACIONAL
A Convenção de Berna (1906) protegia a mulher contra condições excessivamente duras de trabalho, especial-
mente na maternidade. O Tratado de Versalhes (1919) previa igualdade de salário e de trabalho (parte XIII, VII),
além do estabelecimento de serviços de inspeção do trabalho com mulheres, a fim de assegurar a proteção dos
trabalhadores (IX). Foram os primeiros expressivos passos do Direito Internacional a fim de proteger a mulher.
A Carta das Nações Unidas (1945) afirma, logo no início da parte dispositiva, a igualdade entre homens e
mulheres como um dos propósitos da Organização (art. 1º, 3), mediante o respeito aos direitos humanos sem
distinção de sexo (art. 55, c), extensivo inclusive aos antigos territórios em regime de tutela (art. 76, c).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948) proclama a igualdade de todos perante a lei
(art. 7), proíbe a distinção por sexo (art. 2º, 1), declara que homem e mulher fundam a família com iguais direitos
com relação ao casamento (art. 16, 1) e reconhece a isonomia salarial (art. 23, 2).
Os Pactos de Direitos Humanos de 1966 seguem a mesma linha, com a vantagem de possuírem a força vin-
culante que a Declaração de 1948 não tem e terem, ambos, sido ratificados pelo Brasil, donde consideram-se leis
internalizadas. O de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece a igualdade entre homem e mulher em
todos os direitos que contempla (art. 3º), inclusive salários (art. 7º, a, i), protegendo a maternidade (art. 10, 2),
inspirado em algumas Convenções Internacionais do Trabalho. O de Direitos Civis e Políticos garante direitos sem
discriminação por sexo (arts. 2º, 1, e 3), devendo a lei coibir qualquer distinção dessa natureza (art. 26).
Na América, a Carta da Organização dos Estados Americanos (Bogotá, 1948) adota o princípio da igualdade
entre seres humanos sem distinção de sexo (art. 43, a), ao tratar das normas sociais. A Declaração Americana dos
(439) COLLOR, Lindolfo. Exposição de motivos. Separata de Legislação social trabalhista. Rio de Janeiro, 1933. p. 456.
(440) COLLOR, L. Exposição de motivos... cit., p. 456.
(441) GOMES, Orlando & GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 385 e 387.
(442) PIO XI, Encíclica “Quadragésimo Anno”, in Textos & Documentos, II (6): 35, Brasília, jun. 1980.

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