Acervo digital e sua transmissão sucessória no brasil: análise a partir da literatura jurídica e dos projetos de lei sobre o tema

AutorPablo Malheiros da Cunha Frota e João Aguirre
Páginas59-130
ACERVO DIGITAL E SUA TRANSMISSÃO
SUCESSÓRIA NO BRASIL: ANÁLISE A PARTIR
DA LITERATURA JURÍDICA E DOS PROJETOS
DE LEI SOBRE O TEMA
Pablo Malheiros da Cunha Frota
Pós-Doutorando em Direito na Universidade de Brasília (2019) e na Unisinos
(2021). Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do
Paraná (2013). Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de
Direito de São Paulo (2008). Especialista em Direito Civil pela Unisul (2006). Es-
pecialista em Filosoa do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (2013). Graduado em Direito na Universidade Católica de Brasília (2004).
Graduando em Filosoa na Universidade Católica de Brasília (2018). Professor
Adjunto em Direito Civil e Processo Civil da Universidade Federal de Goiás, (UFG)
e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da
UFG. Cofundador da Rede de Pesquisas Agendas de Direito Civil Constitucional.
Líder do Grupo de Pesquisa Realizando o Direito Privado na Universidade Federal
de Goiás. Diretor de Publicação do IBDCONT. Diretor do IBDFAM/DF. Membro
do IBDFAM, do BRASILCON, do IBDCIVIL, da ABDCONST, da ABEDI, da ALDIS, do
IAB, do Instituto Luso-brasileiro de Direito e do IBERC. Pesquisador do Grupo
Virada de Copérnico (UFPR) e do Grupo Constitucionalização das Relações
Privadas (UFPE). Assessor Jurídico na Terracap (DF). Advogado. Código ORCID:
0000-0001-7155-9459. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0988099328056133.
João Aguirre
Pós-Doutor em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, sob a supervisão da Professora Livre-Docente Associada Patrícia Faga
Iglecias Lemos. Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Univer-
sidade de São Paulo, sob a orientação da Professora Titular Doutora Teresa
Ancona Lopez. Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2004) sob a orientação do Professor Doutor Francisco José Cahali.
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(1994). Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Macke-
nzie. Foi coordenador da pós-graduação em Direito de Família e Sucessões da
Universidade Anhanguera Uniderp- MS. Presidente da Comissão de Direito de
Família e das Sucessões da OAB/SP. Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos
do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Foi presidente do Instituto Brasileiro
de Direito de Família em São Paulo – IBDFAMSP. Foi coordenador dos cursos
Jurídicos da Rede LFG. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. Função do direito sucessório, categorização jurídica do acervo
digital e a discussão sobre os bens que compõem o objeto da herança – 3. Pressupostos para
o diálogo entre a RAC e o direito civil na legalidade constitucional – 4. Crítica aos PLS sobre a
transmissibilidade do acervo digital – 5. Conclusão – 6. Referências.
EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 59EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 59 04/09/2022 20:26:3704/09/2022 20:26:37
PABLO MALHEIROS DA CUNHA FROTA E JOÃO AGUIRRE
60
1. INTRODUÇÃO
A proteção de dados pessoais e de outros direitos da personalidade no am-
biente digital e não digital tem preocupado o Direito e quem nele atua, tanto que os
Tribunais têm sido instados a se manifestarem sobre os limites e as possibilidades
de pessoas humanas e coletivas e alguns entes despersonalizados acessarem dados
pessoais em qualquer ambiente.
Não por acaso que a Emenda Constitucional n.º 115, publicada no Diário
Ocial da União em 11.02.2022, alterou a Constituição Federal de 1988 (CF/88)
enquadrou como direito fundamental a “proteção dos dados pessoais, inclusive
nos meios digitais” (art. 5º, LXXIX), cabendo à União “organizar e scalizar a
proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei” (art. 21, XXVI)
e legislar de forma privativa sobre a proteção e o tratamento de dados pessoais
(art. 22, XXX), o que reforça a importância da Lei Geral de Proteção de Dados
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) “acolhendo recurso de um
provedor de internet, limitou uma requisição judicial de informações apenas aos
dados relativos ao IP dos usuários. Para o colegiado, a amplitude da requisição
original violou o princípio da proporcionalidade, ao trazer determinação genérica
sobre as pessoas investigadas e exigir informações que, em tese, não são impor-
tantes para as investigações”.1
Nesse contexto é que se debate sobre a transmissibilidade do acervo digital
de quem falece, já estudada em 2018 por nós, juntamente com Maurício Muriack
de Fernandes e Peixoto,2 e, agora, passados quase cinco anos daquele estudo, os
subscritores deste artigo novamente reetem sobre o tema, mormente diante
da existência de novos projetos de lei (PLs) sobre o assunto – nº 5.820/2019, nº
3.050/2020, nº 3.051/2020, nº 410/2021 e nº 1.144/2021, 2.664/2021, 1689/2021 e
703/2022, já que outros, PL nº 4.099-B, de 2012, PL nº 4.847/2012, PL nº 7.742/2017
e PL nº 8.562/2017, já foram arquivados sem terem sidos transformados em lei.
Nessa senda, o presente texto analisa os fundamentos dos mencionados
PLs, que pretendem regular a transmissibilidade do acervo digital da pessoa
que falece, por meio de alteração de artigos do Código Civil (CC), o que enseja
1. Processo em segredo de justiça. BRASIL. STJ. Sexta Turma limita requisição de dados genérica feita a
provedor de internet em investigação criminal. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/
Paginas/Comunicacao/Noticias/29092021-Sexta-Turma-limita-requisicao-de-dados-generica-feita-
-a-provedor-de-internet-em-investigacao-criminal.aspx Acesso em: 11 abr. 2022.
2. FROTA, Pablo Malheiros da Cunha; AGUIRRE, João Ricardo Brandão; PEIXOTO, Maurício Muriack
de Fernandes. Transmissibilidade do acervo digital de quem falece: efeitos dos direitos da personalidade
projetados post mortem. Revista Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 10, p.
564-607, jul./dez. 2018.
EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 60EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 60 04/09/2022 20:26:3804/09/2022 20:26:38
61
ACERVO DIGITAL E SUA TRANSMISSÃO SUCESSÓRIA NO BRASIL
o seguinte problema: as referidas propostas legislativas de alteração do CC para
admitir a transmissibilidade do acervo digital podem conduzir a uma resposta
adequada à Constituição (RAC)3 que seja acorde com um direito civil na legali-
dade constitucional?4
Duas hipóteses emergem do problema acima: (i) os PLs estão em desacordo
com a RAC e com o a ordem constitucional e infraconstitucional brasileira; (ii) os
PLs estão, totalmente ou parcialmente, em desacordo com a ordem constitucional
e infraconstitucional brasileira.
O objetivo geral deste artigo consiste na análise crítica do texto e dos funda-
mentos atribuídos pelos PLs e no confronto deles com a literatura jurídica brasi-
leira e com julgados de tribunais brasileiros, a m de pesquisar como a tradição
jurídica brasileira tratou da principiologia constitucional e infraconstitucional
em direito sucessório e se ela se encontra observada nos PLs.
Consiste em objetivos especícos deste artigo estudar se os PLs podem trazer
uma resposta adequada à Constituição, tendo por prius os requisitos que advêm
da RAC em diálogo com a principiologia constitucional e infraconstitucional que
funda o direito civil brasileiro aplicável ao caso.5
Os marcos teóricos do artigo são as ideias postas em nossa reexão prece-
dente, aliadas à resposta adequada à Constituição posta por Lenio Streck e a ideia
de direito civil na legalidade constitucional de Fachin, dialogada com a RAC.6
Do ponto de vista metodológico, o método fenomenológico-hermenêutico
serve para realizar esse revolvimento de sentido da ideia de interpretar:
o método fenomenológico, pelo qual se reconstrói o problema jurídico a partir de sua história
institucional, para, ao nal, permitir que ele apareça na sua verdadeira face. O Direito é um
fenômeno que se mostra na sua concretude, mas sua compreensão somente se dá linguis-
ticamente. Por isso, compreender o fenômeno jurídico signica compreendê-lo a partir de
sua reconstrução. Não existem várias realidades; o que existe são diferentes visões sobre a
realidade. Isto quer dizer que não existem apenas relatos ou narrativas sobre o Direito. Existem,
sim, amplas possibilidades de dizê-lo de forma coerente e consistente.
3. TRECK, Lenio Luiz. Resposta adequada à Constituição (resposta correta). In: STRECK, Lenio Luiz.
Dicionário de hermenêutica: 50 verbetes fundamentais de acordo com a crítica hermenêutica do direito.
2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2021. p. 401-426.
4. FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Compreendendo o direito civil constitucional prospectivo. In:
MENEZES, Joyceane Bezerra de; DE CICCO, Maria Cristina; RODRIGUES, Francisco Luciano Lima
(Org.). Direito civil na legalidade constitucional: algumas aplicações. Indaiatuba: Foco, 2021. p. 341-352.
5. Sobre a principiologia do direito sucessório veja LOBO, Paulo. Direito civil: sucessões. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2021.
6. FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Interpretação do direito privado: o direito civil constitucional
prospectivo em diálogo com a crítica hermenêutica do direito. In: TEPEDINO, Gustavo; MENEZES,
Joyceane Bezerra de (Org.). Autonomia privada, liberdade existencial e direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Fórum, 2019. p. 309-329.
EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 61EBOOK HERANCA DIGITAL_1ED_TOMO 2.indb 61 04/09/2022 20:26:3804/09/2022 20:26:38

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT