O codicilo como instrumento de planejamento sucessório da herança digital

AutorRodrigo Mazzei e Bernardo Azevedo Freire
Páginas29-57
O CODICILO COMO INSTRUMENTO
DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
DA HERANÇA DIGITAL1
Rodrigo Mazzei
Doutor (FADISP) e mestre (PUC-SP), com pós-doutoramento (UFES). Professor
da UFES (graduação e mestrado) e da FUCAPE Business School. Líder do Núcleo
de Estudos em Processo e Tratamento de Conitos (NEAPI-UFES). Advogado
e consultor jurídico.
Bernardo Azevedo Freire
Especialista em Direito Civil e Processo Civil (EPD) e LLM em Direito Societário
(FGV). Advogado.
Sumário: 1. Notas introdutórias acerca do planejamento sucessório e do objeto do ensaio – 2.
Codicilo x testamento – 3. Codicilo: capacidade para elaborá-lo – 4. Codicilo e o seu objeto – 5.
Codicilo e as suas formalidades – 6. A abertura e o registro (judicial) do codicilo7. Aplicabili-
dade do codicilo à herança digital: forma exível e caráter híbrido das disposições de última
vontade – 8. O “pequeno valor” x herança digital – 9. O projeto de lei nº 5.820 de 2019 – 10.
Breve conclusão – 11. Referências bibliográcas.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS ACERCA DO PLANEJAMENTO
SUCESSÓRIO E DO OBJETO DO ENSAIO
Antes de tudo, é preciso rmar a ideia de que o planejamento sucessório possui
como protagonista a pessoa que se posta como titular de patrimônio passível de
herança. Trata-se de procedimento complexo, em que se analisará toda a realidade
patrimonial do seu ator principal e os seus anseios sobre a distribuição respectiva,
efetuando-se alocações planejadas, observados os gabaritos denidos na legislação.
Fundamental compreender, no entanto, que os horizontes do planejamento
sucessório são amplos, não se limitando apenas à prévia projeção de destinação e/
ou de divisão de bens (e/ou direitos) pelo titular para determinados beneciários.
Na verdade, há um cartel amplo de medidas que podem ser adotadas a partir do
1. O estudo é também resultado do grupo de pesquisa “Núcleo de Estudos em Processo e Tratamento de
Conitos” – NEAPI, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), cadastrado no Diretório
Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq respectivamente nos endereços http://dgp.cnpq.br/dgp/espelho-
grupo/7007047907532311#identicacao. O grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional
de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).
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RODRIGO MAZZEI E BERNARDO AZEVEDO FREIRE
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planejamento sucessório, tais como: (a) criação de mecanismos para a proteção
de pessoas em situação de vulnerabilidade; (b) previsão de reserva e uxo de
caixa para a subsistência familiar; (c) manutenção de negócios empresariais; e
(d) posicionamento adequado patrimonial frente às necessidades dos herdeiros. 2
Nesse sentido, não existe modelo prévio (e exato) para o desenho de plane-
jamento sucessório, porquanto as relações familiares e o acervo patrimonial de
cada pessoa são invulgares, extraindo-se peculiaridades de cada caso. O plane-
jamento sucessório, portanto, reclama desenvolvimento de trabalho detalhado
e personalizado, em que se examine concretamente a realidade patrimonial do
indivíduo e os seus anseios, sendo fundamental, ainda, que se permita a inserção
de ajustes ao longo do tempo, considerando que a dinâmica da vida pode alterar
o quadro fático inicial. No particular, como o planejamento sucessório leva em
consideração dados contemporâneos ao ato de sua elaboração, é inevitável que
ocorra a sua constante revisitação, pois não só a os vínculos pessoais podem sofrer
modicações, como também o cenário patrimonial é marcado por forte dinâmica.
Frise-se que o objeto do planejamento sucessório, de toda sorte e ainda que
com variantes, esse está ncado basicamente em bens e/ou direitos que tenham
algum valor patrimonial e que não sejam personalíssimos. Tal lógica decorre
da própria dimensão que envolve a herança, pois esta é composta de bens e/ou
direitos que tenham potência valorativa nanceira e que admitam transmissão
causa mortis, não tendo, assim, caráter personalíssimo ao seu titular (em vida).3
Com as evoluções histórias e sociais, que sofreram inuxos signicativos da era
digital, o planejamento sucessório – embora seja um tema novo no estudo do Direito
das Sucessões - necessita ser revisitado, adequando-se às necessidades atuais. Isso
porque a herança digital, a cada dia, torna-se mais presente na vida cotidiana, não
podendo se ignorar o aumento da “virtualização/digitalização” do patrimônio das
pessoas. Essa transformação necessita ser percebida, notadamente pelos advogados,
responsáveis pela condução dos planejamentos sucessórios e pelo assessoramento
das pessoas interessadas em regulamentar o modo como se dará a sua sucessão.
Importa ressaltar que, ao mesmo tempo que se faz pertinente observar o avanço
tecnológico futuro, também se releva de máxima valia lançar os olhos para o passado,
mirando institutos tidos “antigos” ou, até mesmo, “esquecidos”4. É nessa perspectiva
2. Com desenho mais amplo do que consiste o planejamento sucessório, conra-se: MAZZEI, Rodrigo
Reis; FREIRE, Bernardo Azevedo. A Covid-19, o formalismo do testamento e a reexão sobre o possível
papel da tecnologia. In: ERHARDT JR., Marcos; CATALAN, Marcos; MALHEIROS, Pablo (coord.).
Direito Civil e Tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 369-370.
3. No tema, vale conferir Maria Berenice Dias ao listar direitos e obrigações intransmissíveis pela sucessão
(Manual das Sucessões. 5. ed. São Paulo: RT, 2018, p. 245-259).
4. No detalhe, Eduardo de Oliveira Leite anota sobre o codicilo: “Sem previsão legal nos Códigos Civis
francês e português. Igualmente, no direito argentino e uruguaio. As legislações modernas, em geral,
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