O Alcance da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça

AutorJosé Jorge Tannus Neto
Páginas37-51

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No desempenho de sua missão constitucional (art. 105, III, "a" e "c", CF), o Superior Tribunal de Justiça fixou o sentido e alcance da norma contida no art. 3º, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, em matéria de direito bancário, ao aprovar, em 2004, a súmula 297 que assim dispõe: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".1Em 07 de junho de 2006, o Supremo Tribunal Federal consolidou a interpretação da matéria ao julgar a ADI 2.591, cujo legado deixado aos consumidores se encontra vazado nos seguintes termos:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2.

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"Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência...2A falsa impressão que se tende extrair da leitura da súmula 297/STJ é que o Código do Consumidor se aplica a todos os contratos celebrados entre pessoa física ou jurídica com uma instituição financeira.

Saliente-se, contudo, que a construção de qualquer opinião a respeito do tema deve ser precedida de observação cautelosa dos pensamentos doutrinários e jurisprudenciais e, principalmente do ponto de vista, hodiernamente, demonstrado pelo Superior Tribunal, que vem aplicando a súmula 297 de forma restritiva.

Colaciona-se, para exemplificar, o seguinte julgado:

1. É pacífico, no âmbito da Segunda Seção desta Corte, o entendimento de que a aquisição de bens ou a utilização de serviços por pessoa natural ou jurídica com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo, mas como uma atividade de

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consumo intermediária, motivo por que resta afastada, in casu, a incidência do CDC...3A par deste entendimento, o Código do Consumidor não é aplicável às instituições financeiras quando a discussão envolve a aquisição de capital por pessoa física ou jurídica com vistas a fomentar a produção ou atividade do tomador do empréstimo (relação de insumo).

De fato, neste âmbito, a teoria finalista é a que foi, em um primeiro momento, recepcionada pelo Superior Tribunal.

Considera-se, sob a ótica desta corrente, que o capital adquirido pelo destinatário final deve ser utilizado para a satisfação de necessidades pessoais e não para o desenvolvimento de seus negócios.

Em contraposição, a teoria maximalista entende ser mais abrangente o campo de incidência do diploma legal, bastando que o capital seja oferecido no mercado de consumo como produto para que o tomador do empréstimo, independentemente de sua qualidade, seja tutelado pelas normas consumeristas.

Cláudia Lima Marques critica, com razão, os maximalistas, enfatizando que:

Efetivamente, se a todos considerarmos ‘consumidores’, a nenhum trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-

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igual. E mais, passa a ser um direito comum, nem civil, mas sim comercial, nacional e internacional, o que não nos parece correto.4O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado o paradoxo existente entre as correntes de pensamento, considerando ser aplicável o CDC aos tomadores de empréstimo como insumo que enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade ou que sejam suscetíveis de serem equiparados à figura do consumidor stricto sensu.5

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Contudo e, apesar da polêmica que o assunto enseja na doutrina e na jurisprudência, a adoção da teoria finalista às relações de concessão e intermediação de crédito mantida entre instituição financeira e pessoa física ou jurídica, afasta a proteção do Código do Consumidor a estas últimas apenas se houver repasse do capital in natura, de conformidade com o abalizado entendimento de Luiz Antonio Scavone Junior:

Seja como for, a concessão de crédito pelas instituições financeiras encerra indubitavelmente uma relação de consumo, independentemente de se tratar de pessoa física ou jurídica. Os que entendem de forma diversa pensam que, em se tratando de capital de giro aplicado no incremento da produção ou na atividade do tomador do empréstimo, restaria afastado o destinatário final exigido pelo caput do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, esse entendimento só encontra guarida na hipótese do crédito ser repassado in natura, como sói ocorrer em relação às empresas de fomento mercantil (factoring).

A empresa toma o crédito como meio de incremento da produção, pagamento de dívidas, etc. Assim, não entendemos como poderia restar afastada a incidência da Lei 8.078/1990, até porque a instituição financeira sempre será fornecedora nos termos do § 2º do art. 3º da lei consumerista, que menciona expressamente "atividade de natureza bancária".6Na mesma esteira, posicionava-se o Ministro Ruy Rosado de Aguiar em sua judicatura:

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Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco.7Com base nesta tese que, por seu turno, se mostra mais consentânea com o ideal constitucional delineado no art. 170, V, da Constituição Federal, reservando, ademais, o estudo aprofundado da questão aos mais doutos na disciplina consumerista, ainda que prevaleça a teoria finalista, não se afigura correto o silogismo construído pela recente jurisprudência do Superior Tribunal que somente é válido no caso, já delimitado, em que haja um contrato de concessão...

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