A Medida Provisória nº 1.963-17/2000 Reeditada sob o nº 2.170-36/2001

AutorJosé Jorge Tannus Neto
Páginas53-63

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O presente capítulo examina o art. 5º, caput, da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 reeditada sob o nº 2.170-36/2001 que, em tese, autoriza a capitalização de juros compostos em períodos inferiores a um ano.

Aborda-se, neste tópico, a inconstitucionalidade da aludida medida provisória que buscou consagrar e legalizar o enriquecimento ilícito e a usura real repudiados desde tempos imemoriais, expressando a submissão e subversão da ordem jurídica pelo poder econômico, de sorte a aparentar, em tese, possuir profundas raízes na concepção de Direito formulada pelo materialismo histórico de Karl Marx, como um conjunto de regras a serviço da classe dominante. Não se está aqui a defender a ideologia marxista, mas sim a suscitar a probabili-dade de sua validade casuística, deixando o leitor livre para chegar às suas próprias conclusões.

A capitalização de juros compostos perpetua indevidamente a dívida por prazo indeterminado ou, ainda, determinado pela vontade de apenas um dos contratantes (a instituição financeira), assemelhando-se à punição impingida a Prometeu por Zeus, na mitologia grega, por aprisionar o devedor à iniquidade contratual, além de proporcionar impactos econômicos e sociais indesejáveis.

Anote-se, por oportuno, que a emenda constitucional nº 32/2001, em evidente contranitência à natu-

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reza efêmera da espécie normativa, atribuiu à medida provisória, ora questionada, vigência perene e indefinida, pois a regra de direito intertemporal prevista em seu art. 2º prescreveu que: "As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional".1Assim sendo, como não houve nenhuma medida provisória posteriormente editada que a tenha revogado ou deliberação definitiva do Congresso Nacional, a medida provisória nº 2.170-36/2001 mantém-se, a princípio, em vigor.

Nesse contexto e, ao que consta, com exceção das relações jurídicas contratuais regidas pelo Sistema Financeiro de Habitação2, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento sobre a matéria no sentido de que é admitida a capitalização de juros compostos nos contratos celebrados com instituições financeiras depois da edição da medida provisória em apreço, embora haja precedentes em sentido oposto, mas que com o tempo se tornaram isolados e foram abandonados3.

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Dessa forma, abriu-se espaço para a campanha de defesa das instituições financeiras deflagrada pelo Superior Tribunal que tem se comportado com indiferença aos cânones constitucionais.

A postura, no entanto, é, data venia, injustificável, porque por força do efeito translativo do recurso especial é permitido ao Superior Tribunal de Justiça, depois de verificada a abertura da instância excepcional, adentrar pelo exame da questão constitucional prejudicial ao julgamento da controvérsia, como corolário do princípio iura novit curia4, evitando-se antinomias e mantendo-se incólume a harmonia do sistema jurídico brasileiro.

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O entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal respalda a assertiva:

Ultrapassada a barreira do conhecimento do especial, o Superior Tribunal de Justiça exerce, como qualquer outro órgão investido do ofício judicante, o controle difuso, incumbido à parte, sequisosa de ver a controvérsia guindada ao Supremo Tribunal Federal, instá-lo a pronunciar-se sobre a implicação constitucional. Descabe confundir a impossibilidade de conhecer-se do recurso especial por infringência à Carta da República com a atuação inerente aos órgãos julgadores, voltada ao controle de constitucionalidade, considerado o caso concreto.5

Não se contesta que, no sistema difuso de constitucionalidade, o STJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o poder de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão a da mesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário, ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa.6

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A súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, editada na década de 1960, que reza que: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada", embora incidente à espécie deixou de ser aplicada.

Entretanto, ainda há esperança para os consumidores na seara infraconstitucional, considerando-se que, por força do art. 543-C do Código de Processo Civil, a questão foi reconhecida como repetitiva nos recursos especiais 973.827/RS e 100.3530/RS, da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, nos termos das decisões datadas de 05 de...

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