Juros Compostos e os Princípios Contratuais

AutorJosé Jorge Tannus Neto
Páginas75-88

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Longe de se aprofundar sobre as especificidades dos princípios contratuais, almeja-se, neste capítulo, contemplá-los na perspectiva dos juros compostos.

Em homenagem ao princípio da conservação dos contratos, os juros compostos não conduzirão, normal-mente, à extinção contratual, mas sim à redefinição do débito, caso sejam afastados, em busca do justum pretium, cujo conteúdo vem sendo lapidado desde a Grécia antiga1e que, hoje em dia, pode ser alcançado "pela aplicação exata do binômio interesse do credor e proporcionalidade do adimplemento da obrigação pelo devedor"2, aferível no caso concreto por obra do prudente arbítrio do juiz ao enfrentar a questão da justiça contratual corretiva ou comutativa.

Excepcionalmente, extinguir-se-á o contrato pelo pagamento se com o afastamento dos juros compostos verificar-se a inexistência de saldo devedor remanescente, o que poderá ensejar, ainda, a restituição da

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quantia paga a maior ou, se o caso, a repetição do indébito em valor igual ao dobro do que se pagou em excesso (art. 940, CC e art. 42, parágrafo único, CDC3).

A sanção do art. 940 do Código Civil exige a existência de uma ação proposta pelo credor visando à satisfação do crédito dentro do prazo prescricional incidente na espécie e a comprovação de sua má-fé4.

A penalidade imposta pelo art. 42, parágrafo único, CDC, por sua vez, na opinião de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:

... rege-se por três pressupostos objetivos e um subjetivo (= engano justificável).

No plano objetivo, a multa civil só é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser extrajudicial; finalmente, deve ela ter por origem uma dívida de consumo.

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Sem que estejam preenchidos esses três pressupostos, aplica-se, no que couber, o sistema geral do Código Civil.5

Retornando ao assunto central deste capítulo, as-severe-se que a confrontação entre juros compostos e os princípios contratuais ganha maior interesse quando existe convenção estipulada pelas partes contratantes a esse respeito, ou seja, além do permissivo legal, há que ser expressamente convencionada a capitalização de juros pelo regime composto. Caso contrário, não será admitida a composição do saldo devedor mediante o repugnado cálculo exponencial de juros.

A premissa pacta sunt servanda soluciona eventual controvérsia instaurada sobre a possibilidade de referida capitalização em contratos que não a prevejam de modo expresso.

A cláusula contratual, por seu turno, deve ser redigida com clareza, a fim de possibilitar que o contratante, em regra, mero aderente, compreenda o seu conteúdo e alcance.

Não raras vezes, observa-se que nos contratos celebrados com instituições financeiras a estipulação de capitalização de juros compostos não se encontra suficientemente inteligível.

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Muitos contratos mencionam que os juros serão calculados de acordo com a Tabela Price6e outros apenas indicam a fórmula correspondente ao cálculo exponencial de juros em item contratual específico.

Nessas duas hipóteses exemplificativas, a cláusula contratual é deliberadamente confeccionada com o objetivo de inviabilizar a compreensão do contratante que, em consequência, não assume conscientemente a obrigação que ali é implantada e obscurecida por termos técnicos que escapam ao seu crivo, ao passo em que reclamam conhecimentos especializados.

Assim sendo, a cláusula contratual é abusiva, ineficaz e deve ser desconsiderada, portanto.

Tal solução respalda-se no princípio da boa-fé objetiva (art. 422, CC) e nos princípios da informação e da transparência (arts. 4º, caput, e 46, CDC) que impõem ao credor o dever de informar.

É, inquestionavelmente, reprovável, sob o enfoque da eticidade e da socialidade, a conduta da instituição financeira que elabora cláusula contratual incompreensível ao homem médio, revelando-se inelutável a abusividade da obrigação que dela resulta implicitamente.

O comportamento é manifestamente desleal e, consequentemente, implica em ofensa à cláusula geral

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da boa-fé, em suas faces objetiva e subjetiva, e da função social do contrato.

Certamente, a lealdade representa um dos pilares sobre os quais se assenta o princípio da boa-fé objetiva. Ao tratar do assunto, Flávio Tartuce aponta as virtudes fundantes do instituto:

Voltando à análise do art. 422 do atual Código Civil, o dispositivo consagra a necessidade de as partes manterem, em todas as fases contratuais, sua conduta dentro da mais estrita boa-fé. Como afirma Teresa Negreiros, esse comando legal traz especializações funcionais da boa-fé objetiva: a equidade, a razoabilidade e a cooperação. Essas três expressões estão próximas daquelas apontadas por Orlando Gomes: lealdade, confiança e colaboração.

Portanto, a partir dos ensinamentos de Teresa Negreiros e de Orlando Gomes, pode-se apontar uma relação do princípio da boa-fé objetiva com seis palavras-chave para a compreensão do instituto: leal-dade, confiança, equidade, razoabilidade, cooperação e colaboração.7De toda sorte, afastar-se a capitalização de juros na forma composta, nestas circunstâncias, significa cumprir os mandamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade (arts. 1º, III e 3º, I, da CF), relativizando o princípio da força obrigatória

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dos contratos com vistas a permitir a tutela constitucional das relações privadas.

É o Direito fundado na solidariedade social, conforme antiga e sensível percepção de Léon Duguit em sua clássica obra Fundamentos do Direito8.

Aí, aliás, também se aplica o instituto da lesão (art. 157, CC) ou, ainda, da lesão enorme correlata à vantagem exagerada (art. 51, § 1º, I e III do CDC), subjacente a esta ideia de desequilíbrio no ajuste e, por isso, representativo de manifesta contranitência ao princípio da justiça contratual resultante da tutela constitucional da autonomia privada em prestígio de uma ordem econômica fundada na justiça social, na função...

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