A alienação fiduciária em garantia; natureza jurídica; conceito; objeto; natureza jurídica dos direitos das partes

AutorMarcos Mello Ferreira Pinto
Páginas67-87
8
A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA;
NATUREZA JURÍDICA; CONCEITO; OBJETO;
NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DAS PARTES
Delineado de uma forma geral o gênero, qual seja, o negócio duciário,
mesmo sem se esgotar o tema ou aprofundar-se demasiadamente nas preli-
minares, passa-se ao estudo da alienação duciária em garantia, como espécie
de negócio duciário (cap. 5). Espera-se que os capítulos anteriores tenham
sido sucientemente claros, apresentando-se sucintos, para compreensão do
instituto e da lógica do negócio duciário, da propriedade duciária e do pa-
trimônio de afetação.
A alienação duciária em garantia típica do Direito brasileiro é um contra-
to de efeitos reais pelo qual o duciante transfere ao duciário a propriedade
duciária e a posse indireta do bem para m de garantia real, mantendo-se o
duciante como possuidor direto da coisa (artigo 22 c/c parágrafo único do
artigo 23 da Lei nº. 9.514/97).
A alienação duciária enquadra-se entre garantias reais que têm como fun-
ção assegurar o pagamento do contrato de mútuo. A causa do contrato não é a
compra e venda a prazo, o que a diferencia das formas ou contratos análogos,
como venda com reserva de domínio e compra e venda a prestações. O Direito
positivo brasileiro vincula a alienação duciária à existência de um mútuo,
sendo esse elemento integrante do próprio contrato (art. 1.362 do CCB).
Entretanto, a alienação duciária em garantia difere substancialmente das
formas tradicionais de garantia real, hipoteca, penhor e anticrese. A principal
diferença decorre da titularidade do bem dado em garantia. No citado insti-
tuto, o devedor aliena o bem ao credor, transferindo-lhe uma propriedade re-
solúvel e condicionada à execução da garantia. Nas demais formas de garantia
Book 1-SistemaFinanceiro.indb 67 1/11/18 1:10 PM
MARCOS MELLO FERREIRA PINTO
68
real, a propriedade do bem permanece com o devedor, tendo o credor apenas
um direito real sobre coisa alheia.
A natureza jurídica da alienação duciária depende da posição em que se
enquadrará o negócio jurídico em si. Orlando Gomes1 e Chalhub2 defendem,
como mencionado no capítulo 5, que a alienação duciária é espécie de ne-
gócio duciário, tendo a mesma natureza jurídica dos negócios duciários.
Argumentam que permanece no negócio a obrigação do duciário agir com
lealdade, devendo devolver a propriedade quando do advento da condição re-
solutiva e, em segundo plano, a transmissão da propriedade permanece, con-
gurando-se o exagero do meio sobre o m almejado. Acresce-se aos argumen-
tos dos autores o fato de persistir a conança, mesmo que de uma forma mais
restrita do que seria demandada de uma dúcia atípica. O duciante cona
plenamente no instituto jurídico celebrado e na execução do contrato com -
delidade pelo duciante.
Para Saad, a alienação duciária em garantia consiste em negócio autô-
nomo, não sendo espécie de negócio duciário em decorrência de a tipica-
ção afastar o risco ou dispensar a existência de dúcia.3 Tal entendimento é
1 A alienação duciária em garantia é negócio jurídico consistente na transmissão de
propriedade, limitada por uma relação obrigacional que distorce o m natural do contrato
translativo. A alienação é meio para alcançar o m de garantia. Desnatura-se, porque
se destina a um m menor do que decorre de sua causa e constitui uma propriedade
temporária.” p. 34.
“Da inserção desse negócio translativo no instituto da propriedade resolúvel, não se pode
inferir, entretanto, que se sacricou inteiramente a sua estrutura. Não deixa de ser atuação
da autonomia privada, na qual empregam as partes um instrumento jurídico por via do
qual visam a resultado mais estreito do que deveria ser alcançado com a sua utilização. A
conguração legal afeta-lhe, sem dúvida, a pureza, nunca, porém, ao ponto de o desarticular,
ou o converter em outro tipo, como querem alguns escritores dentre os quais Rubino.” p. 42
A vantagem da tipicação nos termos da lei pátria nos trouxe, entretanto, grave inconveniente
sob o aspecto dogmático. Tal como se acha delineada, a alienação duciária em garantia
foi desgurada. Conserva muitas características do negócio duciário. Desde, porém,
que o legislador preferiu o mecanismo da propriedade resolúvel e determinou a reversão
indeclinável da propriedade ao duciante, com o implemento da condição resolutiva, o fator
conança (dúcia) desaparece de cena: O negócio duciário o pressupõe, como o próprio
nome indica. Se o duciante se dispõe a realizá-lo é porque cona no duciário, e certo
está de que lhe restituirá a propriedade. Outra não é a razão por que transfere ao credor
posição jurídica muito mais energética e extensa do que a necessária para lhe dar segurança.
Investe-o, verdadeiramente, na propriedade do bem arriscando-se a jamais recuperá-la.” p.
40 todos em ORLANDO GOMES, Alienação em garantia. SP: RT, 1975.
2 Ob. cit., p.135 a 151.
3 “A dúcia, como bem ensina José Carlos Moreira Alves, calca-se em sua essência em
Book 1-SistemaFinanceiro.indb 68 1/11/18 1:10 PM

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT