A aplicação das tutelas de urgência, de ofício, como forma de garantir a efetividade do processo: uma análise de direito comparado dos países latino-americanos

AutorThaís Campos Silva - Thiago Moraes Raso Leite Soares
Ocupação do AutorMestranda em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Advogada - Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-MG. Auditor-Fiscal do Trabalho
Páginas25-34

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1. Introdução

O Direito do Trabalho é o ramo jurídico especializado que regulamenta as relações de trabalho em sentido amplo, sendo dotada de princípios, normas e instituições próprias. Segundo Mauricio Godinho Delgado, a função de todo direito é ser "instrumento de regulação de instituições e relações humanas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico". 1

Nesse sentido, o Direito do Trabalho é fruto de processos políticos, de manifestações sociais diver-sas, de conquistas dos trabalhadores, constituindo, em regra, um conjunto de valores socialmente considerados relevantes.

O processo é o instrumento judicial para realização do direito material não espontaneamente cumprido; por isso, as normas e os princípios a ele aplicados devem assegurar o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico.2

Essa efetividade tem sido pauta de grandes debates. Estatisticamente é possível notar que o número de demandas judiciais trabalhistas vem aumentando ao longo dos anos. Para fins apenas de elucidação, os dados constantes do sítio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região informam que somente no Estado de Minas Gerais, em 2008, foram recebidos 203.967 (duzentos e três, novecentos e sessenta e sete) processos, sendo que em 2012 foram recebidos 258.265 (duzentos e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta e cinco) processos3.

Entretanto o número de execuções frustradas no mesmo Tribunal Regional é ainda mais assustador: existem 103.282 (cento e três mil, duzentos e oitenta e dois) processos pendentes de execução relativos ao ano de 2008. Do ponto de vista prático, a grande dificuldade que se apresenta a todos os operadores do Direito do Trabalho é exatamente a fase de execução, restando, em muitos casos, reconhecido o direito,

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mas sem que a efetiva prestação jurisdicional seja entregue.

Essa realidade não é encontrada apenas no Estado de Minas Gerais: é cenário comum a todas as regiões do País. Em 2013, o Tribunal Superior do Trabalho recebeu 295.784 (duzentos e noventa e cinco mil, setecentos e oitenta e quatro) processos, sendo que, no mesmo ano, cada ministro julgou uma média de 9.673 (nove mil, seiscentos e setenta e três) deles. 4

Por que, nos últimos anos, cresce de forma tão acentuada o número de demandas ajuizadas? Essa pergunta enseja reflexões que podem gerar inúmeras respostas. Sem a pretensão de esgotar as razões, citamos a título de exemplo a maior conscientização do trabalhador atual em relação a seus direitos e obrigações, a facilitação do acesso à Justiça e o baixo índice de cumprimento espontâneo das obrigações trabalhistas por parte dos empregadores.

Esse baixo cumprimento espontâneo, embora o devedor seja citado para pagamento, enseja instauração da execução forçada, sendo que, em muitas oportunidades, são realizadas inúmeras tentativas de bloqueio do quantum debeatur, a maioria sem êxito, em que pese a existência de relevantes instrumentos como BacenJud, RenaJud, InfoJud, entre outros à disposição dos jurisdicionados.

Acresça-se a isso o fato de existirem inúmeros defensores da flexibilização dos direitos trabalhistas, que se utilizam de argumentos equivocados para sustentar que o Direito do Trabalho protege de forma demasiada o trabalhador, sendo isso o que inviabiliza a atividade econômica empresarial, em razão de salários e encargos sociais elevados.

Em meio a todo esse contexto, o Direito do Trabalho vai-se enfraquecendo, conforme explica o professor Antônio Álvares da Silva:

"a lei se transforma num ente inoperante que, embora existente e reconhecido para reger o fato controvertido, nele não incide em virtude da omissão estatal. Cria-se na sociedade a ‘síndrome da obrigação não cumprida’, revertendo-se a valoração das normas de conduta: quem se beneficia das leis é o que as descumpre e não o titular do direito". 5

A própria Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeros avanços sociais, visando assegurar aos trabalhadores conquistas cidadãs, garantindo um patamar mínimo existencial. Entretanto, também trouxe preceitos que abrem perspectivas de flexibilização dos direitos dos trabalhadores.

A título de exemplo, o art. 7º, nos incisos VI, XIII e XIV, permite a redução de salário e de jornada de trabalho, e a eventual ampliação da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento por meio de acordo ou convenção coletiva. Existem também projetos de lei em tramitação perante o Congresso Nacional que, se aprovados, ampliarão ainda mais essa flexibilização. 6

Nesse cenário, o que se vislumbra é que não basta garantir ao trabalhador o direito de ação em sentido estrito, ou seja, somente a possibilidade de ingressar em juízo. Torna-se cada dia mais necessária a aplicação dos princípios constitucionais da razoável duração do processo, da celeridade e da efetividade, na forma consagrada nos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da Carta Magna.

Os jurisdicionados anseiam sempre o reconhecimento do direito postulado, com a procedência dos pedidos, e almejam a efetivação do direito material reconhecido. Não basta, para o trabalhador, ser apenas mais um número na estatística; o que ele efetivamente deseja é o recebimento do crédito.

Nesse sentido, uma Justiça que não é capaz de dar efetividade às suas decisões mostra-se frágil e em descrédito, vez que, como dito alhures, o trabalhador não deseja somente o resultado, mas a satisfação do direito material concreto.

No caso específico da Justiça do Trabalho, a implementação do direito constante de decisão transitada em julgado é medida que se impõe, especialmente em razão da natureza alimentar dos créditos decorrentes da relação de emprego.

Um processo rápido e eficiente é garantia fundamental e constitucional, devendo os operadores do Direito buscar meios de garantir que a prestação jurisdicional seja entregue de forma satisfatória.

Nesse diapasão, José Roberto dos Santos Bedaque, em sua obra Efetividade do Processo e Técnica Processual, leciona: "Processo efetivo é aquele que,

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observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material".7.

Uma das maneiras de tornar o Direito do Trabalho mais efetivo é aplicando-se subsidiariamente as tutelas de urgência previstas no Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho.

2. Das hipóteses de tutelas de urgência previstas no cpc e sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho

A palavra tutela tem origem latina, do verbo tuere, que significa proteger, vigiar, defender alguém. O termo urgência está vinculado ao risco de perecimento, de desaparecimento dos componentes que dão efetividade ao processo. A urgência pode estar relacionada ainda a própria natureza ou função do direito invocado8.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a doutrina processual civil divide as referidas tutelas de urgência em três espécies: tutela cautelar, tutela antecipada e tutela inibitória9.

A primeira delas, tutela cautelar, está disciplinada no art. 796 e seguintes do CPC e tem por objetivo garantir a eficácia do processo, do resultado final, seja na fase de conhecimento ou de execução.

A tutela cautelar poderá ser incidental ou preparatória, sendo incidental quando for concedida nos autos de um processo principal e preparatória quando tiver por objetivo preparar ou assegurar alguma situação imprescindível para a propositura posterior da ação competente. É necessário, em ambos os casos, que haja o preenchimento dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora.

A expressão fumus boni juris é traduzida como "a fumaça do bom direito" e entendida como a plausibilidade do direito invocado. Tal plausibilidade é necessária, pois a cognição para deferimento da medida é sumária e não exauriente. Já o periculum in mora é traduzido como "o perigo da demora", ou seja, o risco de deixar de ser útil o processo, de não cumprir sua finalidade em razão da demora natural de sua tramitação.

Além dos procedimentos cautelares previstos em lei, nos termos do art. 798 do Código de Processo Civil, pode o juiz determinar outras medidas que julgar adequadas, a fim de evitar que uma parte cause lesão grave ou de difícil reparação em relação ao direito da outra.

Já a tutela antecipada, em breve síntese, encontra-se disciplinada no art. 273 do CPC, in verbis:

"O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas pre-vistas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado"10.

Essa tutela representa a...

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