Do what you love, love what you do: impactos do lema de Steve Jobs na proteção trabalhista globalizada

AutorLília Carvalho Finelli
Ocupação do AutorMestranda em Direito do Trabalho pela UFMG. Pesquisadora pela FAPEMIG. Advogada
Páginas45-52

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1. Introdução

Na atualidade, o Direito do Trabalho sofre influências de novas mentalidades, provenientes da aplicação tecnológica aos meios de produção. Dentro desse contexto, as novas gerações (denominadas comumente de Y e Z) almejam de diversas formas a reconstrução do conceito de trabalho, trazendo impactos para a proteção justrabalhista.

A título de esclarecimento, as gerações supramencionadas podem ser classificadas como uma evolução do trabalhador tradicional (atuante no mercado até 1945, tendo enfrentado guerras e inclusive a Grande Depressão, passando pela mudança no processo de trabalho, com o combo taylorismofordismo), do baby-boomer (de 1946 a 1964, com rompimento de padrões e ênfase em valores pessoais) e dos trabalhadores da Geração X (de 1965 a 1977, enfáticos sobre a necessidade de aumento de quali-dade de vida e liberdade no trabalho, coincidentes com a introdução em larga escala do toyotismo e com crises econômicas).1

No momento imediatamente posterior, surge a geração Millenium, também chamada de Geração Y, identificada como sendo relativa aos seres nascidos entre o final da década de 1970 a meados de 1990 (embora existam controvérsias que apontam o final do período como sendo os anos 2000), hoje comandando ou sendo introduzidos no mercado de trabalho, sob a forte influência dos avanços tecnológicos e econômicos.

Mais recente, mas não menos importante, está a Geração Z (nascidos totalmente inseridos no meio tecnológico, com grande facilidade e habilidade nas áreas afeitas, mas com problemas de desenvolvimento social), que em breve ingressará no universo e na proteção justrabalhista.

É importante ressalvar que tais conceituações são genéricas e provocam alterações que muitas vezes afetam pequena parcela dos trabalhadores lato sensu, embora objetivem ditar normas a toda a coletividade, como é o caso do lema em análise: do what you love, love what you do (DWYL), feito especialmente para atingir as gerações Y e Z, assim como a School of Life.

Veremos a seguir um histórico sobre o surgimento do lema e da escola e como a ideia que lhes serve de base vem sendo utilizada para produzir mudanças no universo do trabalho, especialmente em stricto sensu, ou seja, no contrato empregatício.

2. Origem do lema dwyl e surgimento da school of life

A origem de diversos lemas que vêm aparecendo na atualidade em geral é desconhecida. No entanto, seja por fragmentos de verdade ou pura adivinhação, o faça o que você ama é atribuído ao pensador chinês Confúcio, que em tese teria afirmado: "ache um

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trabalho que você ama e nunca mais trabalhará um dia em sua vida"2.

Largamente propagada, a ideia de que o trabalho pode ser extremamente revigorante e feliz - a ponto de sequer ser considerado trabalho - evoluiu nos últimos anos, compartilhada por grandes ícones das gerações Y e Z, ocupantes de posições de destaque e direção em multinacionais.

Foi o caso de Steve Jobs. Embora já adepto da ideia anteriormente, ficou a ela associado após a grande repercussão de um discurso motivacional por ele feito aos formandos da Stanford University, nos EUA, em 2005.3 Nesta apresentação, trouxe fatos de sua vida, passando pela decisão de abandonar a faculdade, comparecer apenas a aulas que o interessavam, até fundar sua companhia, a Apple, ser dela demitido e depois a ela voltar, sempre tocando em um ponto fundamental, o de se amar o que faz:

Eu tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple. Foi um remédio amargo, mas acho que o paciente precisava. Algumas vezes a vida te atinge na cabeça com um tijolo. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me manteve seguindo em frente foi o fato de eu amar o que fazia. Você tem que achar o que ama. E isso é tão verdadeiro para o seu trabalho quanto para seus amantes. Seu trabalho preencherá uma grande parte da sua vida e o único jeito de estar verdadeiramente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E o único jeito de fazer um ótimo trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não encontrou isso, continue procurando. Não se acomode. Como em tudo que concerne o coração, você saberá quando achar. E, como em todo bom relacionamento, só fica melhor e melhor enquanto os anos passam. Então continue procurando até encontrar. Não se acomode.4

A ideia de que só se pode estar totalmente satisfeito se se fizer um excelente trabalho e que a única forma de fazer isso é amando o que se faz logo se transformou em um lema para as gerações Y e Z, sedentas por novidade e por um sentido superior para a própria vida.

Com o aumento da demanda, considerando ainda a utilização das redes sociais como nova forma de aprendizado para tais gerações, Alain de Botton, escritor, produtor e mestre em Filosofia, se uniu a outros na criação da School of Life, plataforma virtual que busca trazer uma aplicação prática para a Filo-sofia no campo da autoajuda. Reportagem da Revista Época assim definiu o funcionamento da escola:

Ela é sediada em Londres e propõe reunir entusiastas da filosofia (e, por que não?, da autoajuda) para discutir e colocar em prática os conselhos dados por Botton em seus textos. Os eventos mais comuns são aulas para classes de 15 a 20 alunos, que discutem suas aflições sob a orientação de palestrantes especialistas numa grande variedade de temas cotidianos. Há também os sermões, que reúnem cerca de 400 pessoas para ouvir lições de vida baseadas no cânone do pensamento ocidental. Os eventos mais cobiçados são as refeições, em que grupos de tamanhos variados se reúnem para comer e conversar. No cardápio, há grandes temas filosóficos que devem ser discutidos em grupo, com a participação de um palestrante de renome. "A maioria das faculdades organiza suas disciplinas de acordo com temas abstratos, como ‘a literatura do século XVIII’ ou ‘sociedades agrícolas’. Na School of Life, o título do evento é sempre baseado em assuntos como carreira, relacionamentos, viagens, política, família", afirma Botton. "Quem participa de um de nossos eventos reflete sobre questões muito concretas, como ‘o que posso fazer por minha ex-mulher’ ou ‘como superar a crise

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na minha vida profissional’, entre outros assuntos."5

Com relação ao último tema mencionado - crise na vida profissional -, surge como proposta da School of Life repensar o trabalho em si, tanto em termos filosóficos quanto em termos práticos, com a obra associada de Roman Krznaric, Como encontrar o trabalho da sua vida.

Segundo este autor, se mostra como principal ponto de reflexão das gerações atuais a realização/ satisfação que se tem com o trabalho:

[...] Durante séculos, a maior parte da população do mundo ocidental estava tão ocupada lutando para atender às suas necessidades de subsistência que não tinha tempo de se preocupar se o seu emprego era ou não estimulante e se aproveitava seus talentos além de promover seu bem-estar. Mas, hoje, a difu- são da prosperidade material liberou nossas mentes, fazendo-nos esperar muito mais da aventura da vida.

Entramos em uma nova era de realização, em que o grande sonho é trocar dinheiro por um sentido na vida. [...]6

No estilo de passos, Krznaric propõe a introspecção para descobrir os efeitos do trabalho atual na vida do leitor, seu poder de escolha da vida profissional, receios quanto a mudanças na vida profissional, desafios a serem enfrentados, dentre outros.

Fazer o que você ama se encontra na base da School of Life. No entanto o entendimento de Krznaric é o de que é necessário encontrar um sentido para o trabalho e que esse pode estar compreendido em cinco aspectos diferentes: ganhar dinheiro, alcançar status, fazer a diferença, seguir nossas paixões e...

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