Prefácio

AutorMárcio Túlio Viana
Ocupação do AutorPós-Doutor pela Universidade de Roma I La Sapienza e pela Universidade de Roma II TorVergata
Páginas9-11

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Dizem que nos tempos muito antigos, bem antes dos espanhóis e mesmo antes das primeiras tribos, Naainuema, o grande deus, já reinava sobre os rios e as terras que depois se chamariam Colômbia.

Na verdade, como contam as mesmas histórias, o seu reino se espraiava por todos os lugares e as coisas, já que tudo era obra sua, construída com o seu próprio corpo:

"Una vez controlada la nada, Naainuema creó el agua: transformó en agua la saliva de su boca. Luego se sentó en esta parte del universo, que es nuestra tierra, para crear el cielo: tomó una parte de esa tierra y con ella formó el cielo azul y las nubes blancas.1"

É bem verdade que essas antigas histórias não falam dos outros entes - igualmente poderosos - conhecidos fora dali, como os que habitavam as terras e os rios que depois se chamariam Brasil.

Mas é provável que esses outros entes - como Iara ou Tupã - fossem na verdade o próprio Naainuema, que também tinha poder sobre os nomes e os usava, talvez, para brincar, ou quem sabe para nos confundir.

Já do lado oposto do mar, entre os espanhóis e portugueses, o deus não tinha nome - era só deus - mas talvez fosse outra vez Naainuema, pois certamente não haveria outro capaz de criar o céu com a própria terra ou de fazer a água do mundo com as gotas de sua saliva.

O fato é que Naainuema reinava tranquilo, com seus arco-iris e passarinhos, e embora já visse guerras e outras maldades, foi só muito tempo depois, quando os portugueses e os espanhóis chegaram, que ele conheceu os canhões e as caravelas, as espadas e as mortes em série.

E foi também então que - talvez com grande surpresa - Naainuema presenciou crueis disputas em torno de seu nome, assim como veio a perceber a cobiça dos homens pelo ouro, o mesmo ouro que ele havia copiado do sol para enfeitar a terra.

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Contam que a partir desse tempo, e com o andar dos séculos, surgiu uma variedade infinita de outros nomes, coisas, gentes, plantas e bichos, que também foram se misturando entre si. E dessa mistura nasceu um novo povo - ele próprio misturado - que passou a ser conhecido como o povo latino-americano.

Esse povo, que somos nós, é um povo da floresta, mas é também europeu e africano; e são tantos e tão variados os seus pais, que seria mesmo impossível nomeá-los um a um. Entre eles estão, por exemplo, o índio, o jesuíta, a mucama, o camponês, o escravo, o senhor do escravo, o conde, o visconde, o alcaide, o professor, a grande dama, o mascate, o mendigo, o cantador...

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