A face oculta da conciliação

AutorRafael Chiari Caspar
Ocupação do AutorMestre em Direito do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Advogado trabalhista
Páginas35-44

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1. Introdução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), anualmente, promove a Semana Nacional da Conciliação. Segundo o site oficial do órgão, essa campanha em prol da conciliação tem por objetivo reduzir o grande estoque de processos da justiça brasileira. No período em que a semana acontece, a Justiça do Trabalho interrompe o seu funcionamento normal para que sejam realizadas audiências de conciliação de processos que estejam em andamento. Segundo as estatísticas do CNJ, a campanha de 2013, apenas na Justiça do Trabalho, realizou, em todo o Brasil, 76.637 audiências, com um resultado de 27.622 acordos.1

A título de curiosidade, citam-se os títulos das campanhas conciliatórias promovidas pelo CNJ nos últimos cinco anos: em 2009, "Conciliação. Ganha o cidadão. Ganha a Justiça. Ganha o país"; em 2010, "Conciliando a gente se entende" e "Conciliar é legal"; em 2011, "Conciliar é a forma mais rápida de resolver conflitos"; em 2012, "Quem concilia sempre sai ganhando"; em 2013, "Eu concilio. Você concilia. Nós ganhamos". Em Minas Gerais, O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região intitulou a sua própria campanha de "Conciliar é a nossa missão".2

Contrariando essa tendência de idolatria à conciliação, nesta pesquisa, os acordos realizados na Justiça do Trabalho foram examinados sob um viés crítico. Dedicou-se especialmente à investigação das razões que, algumas vezes, levam a parte (em geral, o demandante) a concordar em celebrar um acordo que lhe seja notoriamente prejudicial. Será que existem interesses que extrapolam os dos litigantes, mas que, mesmo assim, são capazes de influenciar decisivamente o ato de celebração do acordo? E mais, há razões capazes de motivar as partes a conciliarem, apesar da consciência de que estão a firmar um mau negócio?

2. Fatores de inibição à celebração de acordos
2. 1 Aspectos ambientais da sala de audiência

Minutos antes do horário designado, as partes costumam se encontrar do lado de fora da sala de audiência. Regra geral, formam-se dois pequenos grupos: o primeiro, composto com as testemunhas convidadas pelo autor, pelo advogado do autor, além de pelo próprio autor; e o segundo, formado pelas testemunhas do réu, pelo advogado do réu e pelo réu ou seu preposto. Observa-se que esses dois grupos quase sempre se localizam em posições antagônicas, a uma distância segura que não permita que a parte contrária e seu respectivo grupo escute a conversa do outro. Dada a tensão da atmosfera do local, raras são as vezes em que se trocam cumprimentos.

O ambiente hostil é mantido após o alto-falante chamar o nome das partes. Assim como anterior-mente, dentro da sala de audiência, são raríssimos os casos em que as partes trocam um aperto de mão

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ou qualquer outro cumprimento amistoso. Da mesma forma, o juiz que as recebe não costuma lhes dar boas-vindas. Não lhes é oferecido um copo de água, tampouco disponibilizado um "cafezinho". Conforme bem acentua o Manual de Mediação Judicial criado por iniciativa do Ministério da Justiça, "outros fatores ambientais como a cor das salas, música ambiente e aromas podem ser úteis para melhorar a qualidade ambiental"3, mas, infelizmente, a realidade das audiências mostra que não existe preocupação em acalmar os ânimos das partes, tampouco em deixá-las mais confortáveis. Nada relacionado ao ambiente da audiência, apesar das relevantes sugestões inscritas no manual citado, é colocado em prática.

Para o reclamante, a sala de audiência chega a ser ainda mais incompatível com a finalidade conciliatória. Isso porque, além da qualidade ambiental desfavorável, os trajes (roupa social, blazer, terno e gravata) são intimidadores, e o linguajar é de difícil compreensão. É precisa a lição de Márcio Túlio Viana, para quem a desigualdade tão presente enquanto vige o contrato de trabalho se reproduz na sala de audiência, que mais parece uma extensão do escritório do patrão cujo ar solene e sagrado "contamina as falas do juiz, que soam familiares para um, mas quase um mistério para o outro, perpassa os depoimentos das partes e de suas testemunhas, facilitando mentiras ou às vezes dificultando verdades".4

Ademais, não se toma o cuidado de perguntar às partes se elas já estiveram presentes na Justiça do Trabalho. O magistrado ou o advogado geralmente não explicam, ainda que de forma simplificada, a sequência dos atos que serão praticados. É muitíssimo comum que, ao fim da audiência, as partes questionem os seus advogados: "E aí, doutor? O que aconteceu?".

Ainda no que se refere ao ambiente da sala de audiência, é criticável a posição em que as partes, os advogados e o juiz se assentam. As partes não deveriam se assentar em posições antagônicas (opostas), afinal um dos objetivos da conciliação é

[...] tentar evitar um sentimento de rivalidade ou polarização, o que, no caso da disposição das mesas, é melhor conseguido ao não colocar as partes de frente uma para a outra, mas, sim, lado a lado, no caso de mesa retangular, ou em posição equidistante, no caso de mesa circular.5

Merecedora de comentário também é a posição em que o magistrado se coloca. Será que é conveniente que a pessoa encarregada de envidar esforços para que as partes consigam entrar em acordo (vide art. 764, § 1º, da CLT) se assente sobre um tablado e que tenha para si uma mesa independente que a separa das partes e dos advogados? A formatação da sala de audiência e a distribuição dos móveis exacerbam a autoridade do magistrado sem necessidade, o que faz com que as partes temam o juiz, agrava a tensão e a sensação de desconforto no ambiente judicial e, consequentemente, prejudica o intento conciliatório. Muito mais eficiente para fins de se alcançar um acordo seria se o magistrado se assentasse junto das partes, sem tablado ou mesa que o separasse.

Ademais, menor dose de solenidade e formalismo poderia ser alcançada com a mudança da forma da mesa na Justiça Trabalhista. Uma mesa circular ou mesmo a sala sem mesa contribuiria para suavizar o desconforto do ingresso em juízo.6 A opção da sala de audiência sem mesa, apenas com cadeiras, apesar de gerar certo estranhamento, é plenamente viável, sendo apenas necessário que as cadeiras sejam equipadas com apoio para o braço, permitindo, dessa forma, que as partes e os operadores do Direito possam escrever confortavelmente.

Interessante observar que, em vários aspectos, a sala de audiência se aproxima da sala de espera para a audiência. A falta de privacidade da sala de espera é reproduzida, senão agravada, na sala de audiência. Não há como os litigantes manterem uma distância segura que impeça a parte contrária de escutar aquilo que se está a dizer com o advogado. Se o advogado tivesse um pouco mais de liberdade para conversar com o seu cliente, poderia levá-lo a racionalizar e perceber que a proposta de acordo é interessante (ou não). Isso porque, se quiser não se fazer ouvido por seu ex adverso na sala de audiência, o advogado precisará cochichar com o seu cliente. Portanto a existência de uma sala apartada, próxima à de audiência, facilitaria o diálogo entre patrono e parte, por vezes essencial para a celebração de acordos. Cumpre elogiar, todavia, a postura de alguns juízes que permitem, quando necessário, que

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advogado e parte conversem dentro da secretaria da Vara, o que, apesar de não ser o ideal, supre a carência ora denunciada.

2. 2 Demandas de caráter psicológico

Durante o curso de graduação, o estudante é treinado para se tornar um técnico, um cientista conhecedor de normas de direito material e de direito processual. As faculdades de Direito, regra geral, dão pouca importância às disciplinas com conteúdo reflexivo, tais como Filosofia, Sociologia, Psicologia, Hermenêutica e Ética Jurídica. Por isso, é incomum que as suas grades curriculares contemplem as referidas matérias e, quando o fazem, raramente dispensam carga horária suficiente para conferir formação humanista aos estudantes, futuros candidatos ao concurso da magistratura.7

Quanto à formação dos juízes, Maria Cecília Máximo Teodoro identifica que, salvo em casos excepcionais, exige-se, para a aprovação no concurso da magistratura, que o aspirante a juiz frequente cursos preparatórios. Contudo tais cursos, assim como as universidades, "enfatizam a técnica e se descuidam de temas fundamentais como valores sociais, filosóficos e políticos."8

Márcio Túlio Viana, em aula ministrada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, relatou situação que ilustra bem a apontada deficiência na formação dos juristas brasileiros. Certo dia, na Justiça do Trabalho, aberta a audiência, a empresa ofereceu montante que alcançava aproximadamente 70% (setenta por cento) do que o trabalhador havia pleiteado na petição inicial. Frente à negativa do autor, a empresa optou por tornar o acordo mais atraente chegando a oferecer 90% (noventa por cento) do valor dos pedidos. Foi quando o magistrado interveio e questionou, impressionado, por qual razão o autor não queria aceitar a proposta de acordo. Naquele momento, o autor se levantou enfurecido e saiu da sala de audiência, dizendo que não aceitaria dinheiro algum do réu, afinal não estava ali para isso.9 - 10

Evidencia-se que a prioridade do autor não se relacionava ao recebimento do montante pleiteado. Tal como no episódio narrado,

"pode acontecer, por exemplo, que a indenização que o autor pede seja apenas um pretexto, e nem mesmo ele o perceba muito bem: o que o seu coração quer é trazer o réu àquele ambiente...

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