Aposentadoria especial ? Reforma da previdência e o princípio constitucional do direito adquirido

AutorMaria Helena Carreira Alvim Ribeiro
Páginas33-42

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Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro 1

Conceituação do benefício da aposentadoria especial

A melhor interpretação que devemos dar ao benefício da aposentadoria especial é a que privilegia os princípios constitucionais do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e a saúde, que permitiram ao legislador, ao tratar da Previdência Social no art. 2012 da CF, manter o instituto da aposentadoria especial.

Ao longo dos anos, os direitos humanos, positivados na Constituição Federal, têm sido fortalecidos, ampliando-se sua garantia, e resguardando a dignidade dos brasileiros e estrangeiros (residentes no País3) para protegê-los, inclusive, frente ao Estado.

Vários dispositivos da Constituição Federal tiveram como objetivo a proteção da dignidade da pessoa humana.

Consta no caput do art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Tratando-se de fundamento da República Federativa do Brasil, consta no inciso III do art. 1º da Constituição Federal:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Fe-

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deral, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana; (...)

Luís Roberto Barroso ensina: “A dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais.4

Daniel Machado da Rocha e José Antonio Savaris destacam em obra de sua autoria5:

Com a Constituição da República de 1988, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e o valor social do trabalho passaram a ser considerados fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito.6 (...)

Fundada na dignidade da pessoa humana, a Constituição da República assume como fundamentais diversos objetivos dos quais somente tem sentido falar segundo uma perspectiva que visualize a fundamentalidade dos direitos sociais, que, desde sua emergência, constituem objeto de intensos debates ideológicos.

Tão intima é a conexão do direito à seguridade social com o princípio da dignidade da pessoa humana que se torna inegável sua natureza de direito humano e fundamental.7

Para Flávia Piovesan, infere-se dos dispositivos constitucionais:

Quão acentuada é a preocupação da Constituição em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, com um imperativo de justiça social.8

Ainda que a dignidade da pessoa humana não seja um conceito jurídico, mas “filosófico”, não é admitida qualquer restrição ou supressão, nem possibilidade de qualquer interpretação no sentido de limitá-la.

Ana Paula Fernandes destaca que em “um Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais servem de norte para a ação dos poderes constituídos, impondo limites e servindo-lhes de diretrizes”9.

Ressalta que:

as dimensões, objetiva e subjetiva, revelam um binômio de poder-dever, pois impedem o legislador de restringir os direitos fundamentais e exigem, por outro lado, a edição de normas que garantam a efetivação desses mesmos direitos, exigindo do Estado, ora condutas positivas, ora negativas, ou seja, de ação ou abstenção, respectivamente.

Os Tribunais Superiores têm fundamentado decisões no princípio dignidade da pessoa humana:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. VALORES INDEVIDOS RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM FUNDAMENTADO EM INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, ao decidir a vexata quaestio, consignou (fls. 148-150/e-STJ): “(...) Discute-se sobre a possibilidade de cobrança de valores pagos pelo INSS por força de antecipação de tutela posteriormente revogada. Não obstante tenha sido revogada a antecipação dos efeitos da tutela é incabível a restituição dos valores recebidos a esse título. Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, seja por erro da Administração, seja em razão de antecipação de tutela, não é cabível a repetição das parcelas pagas. Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Trata-se de benefício de caráter alimentar, recebido pelo beneficiário de boa-fé. Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/1991 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado. Não

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se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v. g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia. Um dos precedentes, da relatoria da Ministra Rosa Weber, embora não vinculante, bem sinaliza para a orientação do STF quanto ao tema:” (...) “Não bastasse essa última decisão, o STF, quando instado a decidir sobre o tema, vem entendendo pela inaplicabilidade do art. 115 da Lei 8.213/1991 nas hipóteses de inexistência de má-fé do beneficiário. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v. g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia.” 2.

Extrai-se do acórdão objurgado que a quaestio iuris foi decidida sob o enfoque constitucional, razão pela qual descabe ao Superior Tribunal de Justiça se manifestar sobre a matéria, sob pena de invadir a competência do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso Especial não conhecido. (REsp 201702291373. REsp – RECURSO ESPECIAL – 1.694.702. Relator Herman Benjamin, 2ª T., DJE DATA: 11.10.2017).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. ART. 16 DA LEI N. 8.213/1990. MODIFICAÇÃO PELA MP N. 1.523/1996, CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/1997. CONFRONTO COM O ART. 33, § 3º, DO ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. 1. Tem-se no presente feito como questão de fundo a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA sobre norma previdenciária de natureza específica, ou seja, sobre o art. 16, § 2º da Lei n. 8.213/1991, alterada pela Lei n. 9.528/1997. 2. Havendo plano de proteção em arcabouço sistêmico constitucional e comprovada a guarda, em face da prevalência do disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA sobre norma previdenciária de natureza específica, ao menor sob guarda deve ser assegurado o benefício de pensão por morte, mesmo se o falecimento do instituidor se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/1997 na Lei n. 8.213/1990. Precedente: EREsp 1.141.788/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 16.12.2016. 3. Embargos de divergência providos. (EAG 200800809585. EAG – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO – 1.038.727. Relator Benedito Gonçalves. Corte Especial. STJ. DJE DATA:27.10.2017.)

A Constituição tem enorme importância na preservação dos direitos do segurado pela impossibilidade de uma legislação infraconstitucional tutelar todas as situações concretas que poderiam ocorrer em relação ao ambiente laboral.

Ressalta-se a importância do direito adquirido nesse contexto, pois os direitos adquiridos devem ser preservados quando editadas novas leis ou revogadas aquelas em vigor; quando suprimida totalmente a norma anterior (ab-rogação), ou tornada sem efeito parte da norma anterior (derrogação).

A Constituição Federal e o ordenamento brasileiro referem-se expressamente ao princípio do direito adquirido:

Art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

O enquadramento do tempo de atividade especial exige o estudo de uma sucessão de leis, de normas que foram revogadas, mas continuam, e continuarão, a ser aplicadas em relação ao tempo trabalhado durante a sua vigência, em razão do direito adquirido, ainda que venha a ocorrer uma nova regulamentação da matéria por qualquer instrumento legal.

Comecemos pela expressão direito.

A pergunta “o que é o direito?” pode causar perplexidade.

Trata-se de questão tratada nos cursos de Introdução e de Filosofia do Direito, para a qual não há apenas única resposta, pois a palavra direito possui mais de um significado.

Não se confunde direito com as suas fontes, como a lei que é a positivação do direito.

Nesse sentido, Koogan/Houaiss Enciclopédia e Dicionário define como “complexo de leis ou normas que regem as relações entre os homens. Ciência que estuda essas normas”10.

Para Marcus Paulo Acquaviva:

A palavra direito provém do latim directu, que suplantou a expressão jus do latim clássico por

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ser mais expressiva”. “Significa remotamente, portando guiar, conduzir”, acrescenta que, “as acepções da palavra direito variam grandemente” e que “a palavra apresenta acepções várias, embora análogas”. 11

Direito pode se referir à...

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