A seguridade precisa ser biopsicossocial: apontamentos para uma construção inter e multidisciplinar

AutorJosé Ricardo Caetano Costa
Páginas23-27

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José Ricardo Caetano Costa 1

Introdução

Parece consenso que o modus operandi do sistema pericial realizado no âmbito da Previdência Social, especialmente no que respeita à concessão dos benefícios por incapacidade, está desde muito fracassado. Não dá conta de uma realidade altamente complexa e mutante, que é o adoecimento dos segurados, especialmente dos trabalhadores e trabalhadoras, diante de um mundo do trabalho também complexo e fluido.

O sistema pericial mantido pela Previdência Social, de per si, não possui condições de dar respostas aos pleitos dos segurados e seguradas que buscam a proteção social no âmbito da política pública de seguridade.

Não é diferente com os que buscam os benefícios assistenciais, subcidadãos que foram excluídos do “mundo do trabalho”, dele não participando, relegados à condição de subcidadãos2. Para com estes, este sistema pericial, pois é o INSS que faz o processo de avaliação aos pretendentes do BPC da LOAS (triagem, gestão e pagamento),

Com efeito, se a arquitetura constitucional de 1988 apontou, ou pelo menos acenou, para um conceito integral e integradouro de “seguridade social”, as suas três áreas deveriam ser pensadas conjuntamente. Porém, ao longo destas três décadas, parece ter-se per-dido essa perspectiva (SERAU JR.; CRESPO BRAUNER; COSTA, 2015).

Este artigo se propõe justamente a pensar sobre a implementação de política pública para a integração das três áreas que compõem a seguridade social: previdência, saúde e assistência social.

Para tanto, propomos a instituição de um procedimento operacional interdisciplinar e integrador destas áreas, quando do encaminhamento dos pedidos de auxílios-doença e dos benefícios de prestação continuada da LOAS (Lei n. 8.742/1993).

Segundo esta nova metodologia procedimental, os segurados e pretendentes dos benefícios assistenciais seriam avaliados pelas equipes multidisciplinares já atuantes nas UBS, especialmente pelas equipes da Estratégia da Saúde da Família (ESF), bem como dos Centros de Atendimento Psicossociais (CAPs). O laudo multidisciplinar emitido por estas equipes seriam suficientes para a validação dos pedidos iniciais dos auxílios-doença, comum ou acidentário (B-31 e B-91, respectivamente), bem como para a concessão inicial dos benefícios assistenciais, por idade ou por incapaci-dade douradoura/deficiência (B-88 e B-87).

Frise-se, de inicio, que não se está a propor a substituição do sistema pericial do INSS, uma vez que todos os Pedidos de Recursos (PR), de Prorrogações (PP), bem como dos demais recursos administrativos, serão examinados pelo Corpo Pericial da Autarquia. Somente os pedidos iniciais serão feitos por estas equipes

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multidisciplinares, como pretende-se demonstrar no decorrer deste artigo.

A sobrecarga do sistema pericial na avaliação inicial dos pedidos de benefícios por incapacidade

Parece incontroverso o fato de o sistema pericial, há muito tempo, não dar conta mais da grande quanti-dade de benefícios por incapacidade, especialmente no que respeita aos auxílios-doença comum (B-31). Não há dúvida de que as perícias médicas são as que mais movimentam o sistema previdenciário, congestionando as agências, ocupando em demasia os servidores com os trâmites burocráticos os mais diversos, do ingresso do pedido aos recursos interpostos.

Com efeito, os usuários do sistema apresentam os mais variados argumentos, que começam com as queixas subjetivas das patologias e suas consequências, até a falta da avaliação dos exames levados ao ato pericial. Por outro lado, os médicos peritos justificam o diminuto tempo das avaliações em decorrência do grande fluxo de pedidos. O que vale dizer, amiúde, que o sistema não está a contento.

Quiçá as medidas provisórias (MP ns. 639/2016 e 767/2017, convertidas na Lei n. 13.457/2017), que buscaram a avaliação dos benefícios concedidos há mais de dois anos, inclusive aqueles implantados por ordem judicial, tenham trazido à tona essa problemática de forma mais visceral: segundo os dados oficiais, em torno de 84% dos benefícios revisados foram cessados, o que importou em um valor em torno de um bilhão e meio, pagos nestes benefícios somados.

A grande questão pode ser assim resumida: caso o sistema pericial funcionasse, não haveria a necessi-dade desta revisão em massa, com todos os problemas que traz à política pública quando feita às pressas, com um sistema deficiente de material humano (médicos, assistentes sociais, servidores, além de estrutura física propriamente dita).

Não temos dúvida, portanto, de que o alívio das perícias iniciais tornaram o sistema mais célere, eficiente e justo (dando mais credibilidade e confiabilidade ao sistema).

Ao depois, como tentaremos demonstrar adiante, entendemos que tanto o sistema de saúde, especialmente por meio das ESF, bem como dos CAPs relacionados à Assistência Social, podem dar conta destas avaliações iniciais.

A necessidade da avaliação biopsicossocial ou multidisciplinar

Os conceitos de deficiência e incapacidade laboral sofreram alterações profundas a partir da

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