Direito previdenciário e direitos fundamentais: autoritarismo, estado democrático de direito e dignidade da pessoa humana

AutorMarco Aurélio Serau Junior
Páginas28-32

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Marco Aurélio Serau Junior 2

Introdução

Há momentos históricos em que se deve extrapolar o estudo e a análise do Direito que ainda estejam presos ao simples Positivismo Jurídico. Deve-se muitas vezes superar o aspecto meramente dogmático, pois há quadros históricos em que há necessidade de avançar para o estudo da Ciência Política, da Sociologia ou de outras áreas jurídicas com forte diálogo com essses campos externos ao Direito, como é o caso do Direito Constitucional e, dentro desse ramo, em particular da Teoria dos Direitos Fundamentais.

Existem situações em que é imprescindível desvincular-se do meramente normativo e voltar a “pensar” o Direito, de modo livre e astuto.

Tal é o momento pelo qual estamos passando, caracterizado por intensa instabilidade político-institucional, recém-saídos que estamos de um polêmico processo de impeachment, e de toda alteraçao da ordem político-jurídica que lhe sucedeu.

Em resumo, um cenário turbulento no qual se desenham duas profundas reformas legislativas no campo dos direitos sociais, a trabalhista, já consolidada na Lei n. 13.467/2017 e outras pequenas leis que lhe seguiram, e a reforma previdenciária, consubstanciada na PEC n. 287/2016, ainda em trâmite no Congresso Nacional, embora suspensa em razão da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro, nos termos do art. 60, § 1º, da Constituição Federal.

Esse texto não se destina a discutir, diverso do que seria de se esperar, a provável reforma previden- ciária.

Além do aspecto normativo indicado há pouco, a Reforma Previdenciária também se encontra paralisada em razão de ausência de quórum político e direcionamento dos parlamentares às respectivas agendas eleitorais e tentativas de reeleição, visto se tratar de ano eleitoral.

Há outros problemas de ainda maior gravidade a afligir a militância de direitos previdenciários e, ainda mais, os destinatários destes importantes direitos sociais, isto é, os milhares de segurados e pensionistas brasileiros.

Com esta perspectiva e este alerta, passamos a analisar o tema de fundo desta Conferência, que é a constatação da derrocada do Estado de Direito e o florescimento do autoritarismo e de variadas violações à dignidade da pessoa humana, de que não se encontra alheio o Direito Previdenciário.

Previdência social como direito fundamental

Em 2009, defendi minha dissertação de Mestrado perante a Faculdade de Direito da USP, com uma pioneira tese sobre os direitos previdenciários como direitos fundamentais, destacando a íntima vinculação deste grupo de direitos com a dignidade da pessoa humana,

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amarrando todas as políticas públicas e toda a atividade estatal para sua plena concretização.

Também tive oportunidade de deduzir importantes consequências desse raciocínio. A primeira delas reside no fato de que as normas jurídicas infraconstitucionais, bem como a conduta das autoridades administrativas responsáveis pela política pública e serviço público previdenciário não poderão confrontar os ditames constitucionais (SERAU JR., 2011).

Da mesma maneira, a premissa com a qual concluí meu trabalho de Mestrado apontava para a plena exigibilidade judicial dos direitos fundamentais previdenciários, bem como indicava a vedação do retrocesso social nesse campo.

Abandonei o tema da jusfundamentalidade dos direitos previdenciários considerando que se tratava de algo já bastante arraigado na cultura jurídica brasileira, tendo migrado minha atenção acadêmica para outros alvos, como a resolução do conflito previdenciário (SERAU JR., 2015) e o exame da jurisdição de direitos sociais.

Até esse momento o principal ataque aos direitos sociais previdencíarios parecia vir, unicamente, do campo econômico: os argumentos da reserva do financeiramente possível, da primazia da regra da contrapartida e a própria hermenêutica jurídica contaminada pelo viés economicista (SAVARIS, 2011; SERAU JR., 2015) pareciam ser os principais inimigos à concretizaçao dos direitos fundamentais sociais.

Entretanto, atualmente, volta à baila a atualidade desse temário dos direitos previdencíarios como direitos fundamentais, sobretudo diante do acentuado grau de autoritarismo e desrespeito aos primados do Estado Democrático de Direito porque estamos passando em nosso país – sem prejuízo da permanência do discurso dominado pelo neoliberalismo econômico.

Esse cenário de autoritarismo que regressa será o objeto de nosso próximo tópico.

Abusos e atos de autoritarismo em relação ao campo do direito previdenciário

Atualmente, além do ataque neoliberal (viés econômico), podemos identificar uma série de investidas ao cumprimento e à eficácia dos direitos sociais, em particular os direitos previdenciários, de viés autoritário/antirrepublicano.

É de se assinalar que esse tipo de atuação autoritária se espraia pelos 3 Poderes da República: Legislativo, Executivo e Judicíario.

Iremos tratar, doravante, desses exemplos de atuação estatal abusiva separadamente conforme ocorrem isoladamente em cada uma dessas esferas públicas, compondo, todavia, um único quadro de abandono dos postulados constitucionais.

3.1. Abusos e atos de autoritarismo com origem no Poder Legislativo
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