Art. 818

AutorCarlos Eduardo Oliveira Dias - Guilherme Guimarães Feliciano - José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva - Manoel Carlos Toledo Filho
Páginas205-210

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"Art. 818. O ónus da prova incumbe:

I — ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II — ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ónus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ónus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão referida no § 1º deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido.

§ 3º A decisão referida no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil." (NR)

Comentários de Guilherme Guimarães Feliciano

O NOVO ART. 818 DA CLT: APROXIMAÇÃO COM O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Dentre as restritíssimas inovações processuais elogiáveis da Lei n. 13.467/2017, a principal talvez esteja justamente na alteração do art. 818 da CLT. Da anódina e lacunosa redação anterior — a dizer simplesmente que "[a] prova das alegações incumbe à parte que as fizer" —, evoluiu-se para redação muito próxima à do atual art. 373 do Código de Processo Civil de 2015. In verbis:

"Art. 373. O ónus da prova incumbe:

I — ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II — ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ónus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ónus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

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§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I — recair sobre direito indisponível da parte;

II — tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo."

Vê-se, pois, que as duas redações são praticamente idênticas (com exceção da previsão temporal inserta no § 2º do art. 818 da CLT, no sentido de que "[a] decisão referida no § 1º [...] deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido"). Essa aproximação trouxe, para o Direito Processual do Trabalho, dois grandes ganhos: (a) incorporou finalmente o modelo baseado na teoria das normas de Leo Rosenberg para a repartição estática do ônus da prova (conquanto, na prática, esse modelo já fosse observado pelas varas e tribunais do trabalho); e (b) disciplinou, em termos gerais, o "Leitmotiv" das hipóteses de repartição dinâmica do ônus da prova (que já eram exploradas pelo próprio TST em sua súmula de jurisprudência, sem obviar, contudo, os critérios de inflexão). Vejamos tudo isto com mais vagar.

O MODELO DE REPARTIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO ART. 818. Tal como dispõe o art. 373, I e II, do CPC de 2015 (e como já previa, antes, o art. 333 do CPC de 1973), a distribuição básica do ônus da prova na CLT passa a seguir, também na lei processual trabalhista, o modelo derivado da teoria das normas ("Normentheorie" ou "Satzbautheorie") de Leo Rosenberg, no sentido de que o ônus da prova, assim como o próprio ônus da alegação, deve ser distribuído de acordo com os pressupostos das normas de direito material, já que "o direito objetivo, como ordenamento das relações exteriores recíprocas entre os homens, refere-se a acontecimentos exteriores cuja realização se imagina" (ROSENBERG, 2002, p. 15). Logo, esses "acontecimentos" devem ser provados pela parte a quem aproveitam, do ponto de vista do efeito jurídico esperado. Nessa linha, também no processo do trabalho, atribui-se ao autor (de regra o empregado ou ex-empregado) a prova dos fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao réu (de regra o empregador ou tomador de serviços) cabe provar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor. Cabe registrar, como já pontuado acima, que, embora o modelo rosenberguiano somente agora se incorpore à CLT, seus termos já vinham sendo, na prática, usualmente observados pela jurisprudência trabalhista nacional; veja-se, e. g., o teor da Súmula n. 6, VIII, do TST, e, antes dela, o teor da ex-Súmula n. 68: aprovada pela Resolução Administrativa n. 9 (publicada no DJ de 11.2.1977), que já pontuava ser do réu o ônus da prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de equiparação salarial.

A rigor, porém, não era isso o que dizia o antigo art. 818 da CLT, como insistentemente preconizava Teixeira Filho (v. II, 2009, p. 974-976) e outros grandes. Com efeito, a regra originária do art. 818 da CLT remontava aos direitos romano e medieval, em que a distribuição do ônus da prova resolvia-se de modo mecânico — se não ingênuo — com o emprego de máximas latinas como semper onus probandi incumbit qui dicit ou ei incumbi probatio qui dicit non qui negat (PAULO, D. 22, 3, 2; a derradeira máxima é precisamente aquela reproduzida, um milênio e meio depois, no texto original do art. 818), ou ainda per rerum naturam factum negantis probatio nulla est (D. 2, 20, 3); reus excipiendo fit actor (amenizando, numa fase posterior, a máxima do Digesto); iudex debet iudiccare secundum allegata et probata; alegatio et non probatio quasi non allegatio; negativa non sunt probanda; e outras de menor relevância ou racionalidade. Adotá-las, porém, sempre significou padronizar o pensamento e a técnica...

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