Artigo 477 do Código Civil: a exceção de inseguridade

AutorRicardo Dal Pizzol
Páginas375-401
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ARTIGO 477 DO CÓDIGO CIVIL:
A EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE
Examinada a exceção de contrato não cumprido, regulada no art. 476 do Código
Civil, é hora de analisar a disposição seguinte, o art. 477, que consagra o que vários
autores – entre os quais Pontes de Miranda, Araken de Assis, Gustavo Tepedino e
Anderson Schreiber1291 – convencionaram chamar de “exceção de inseguridade”,
mesmo nome atribuído pela doutrina italiana:1292
Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição
em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou,
pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete
ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
No §321 do BGB, ela aparece com o nome de Unsicherheitseinrede, que bem
pode ser traduzido por “exceção de inseguridade” ou “exceção de incerteza”. Com
efeito, ambos os termos – inseguridade e incerteza – bem sintetizam a hipótese de
fato que torna oponível essa exceção: diminuição patrimonial que enseje dúvida
fundada quanto à capacidade da parte adversa cumprir sua obrigação no momento
f‌ixado no contrato.1293
Trata-se de forma de defesa complementar à exceção de contrato não cumprido.
Ambas servem à mesma f‌inalidade (preservar o sinalagma funcional de contratos
bilaterais), possuem mecanismos semelhantes (atuam como exceções dilatórias),
porém com hipóteses de cabimento e requisitos diversos, como se verá. Onde uma
é cabível, a outra não é.
1291. Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. t. XXVI.
p. 109; Assis, Araken. Comentários ao Código Civil brasileiro, v. 5. do direito das obrigações (arts. 421 a
578). Alvim, Arruda; Alvim, Thereza (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 698; Tepedino, Gustavo;
Bodin de Moraes, Maria C.; Barboza, Heloísa H., Código Civil interpretado, v. II. Rio de Janeiro: Renovar,
2011, p. 108-109; Schreiber, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. Saraiva: São Paulo, 2018, p.
500.
1292. Gabrielli, Enrico. Il contratto e i rimedi: La sospensione dell‘esecuzione. Jus Civile, 2014, p. 28; Addis,
Fabio. La sospensione dell’esecuzione: dalla vendita con dilazione di pagamento alla Unsicherheitseinrede.
In: Addis, Fabio [a cura di]. Ricerche sull’eccezione di insicurezza. Milano: Giuffrè, 2006, p. 1-23.
1293. Outro nome pelo qual costuma ser conhecida essa defesa é o de exceptio timoris (Araújo, Fernando. Prefácio.
In: João Pedro de Oliveira de Biazi. A exceção de contrato não cumprido no direito privado brasileiro. Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2019).
EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO • RicaRdo dal Pizzol
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O presente capítulo está dividido em três itens. O primeiro é dedicado ao estu-
do das hipóteses de cabimento e das f‌inalidades da exceção de inseguridade, com
destaque para suas semelhanças e diferenças em relação à exceção de contrato não
cumprido. No segundo, examina-se o requisito da diminuição patrimonial capaz de
comprometer ou tornar duvidoso o cumprimento da obrigação, aspecto que cons-
titui o núcleo do instituto. No terceiro, a proposta é analisar se o art. 495 do Código
Civil, disposição específ‌ica do contrato de compra e venda,1294 traz regulamentação
que seja em alguma medida diversa daquela do art. 477, aplicável aos contratos
bilaterais em geral.
5.1 HIPÓTESES DE CABIMENTO. RAZÃO DE SER DO INSTITUTO.
DIFERENÇAS EM RELAÇÃO À EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO
CUMPRIDO (ART. 476 DO CÓDIGO CIVIL)
No Código Civil de 1916, a exceção de inseguridade já estava prevista no art.
1.092, alínea 2a, que assim dispunha:
Art. 1.092. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro.
Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu
patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode
a parte, a quem incumbe fazer prestação em primeiro lugar, recusar-se a esta, até que a outra
satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la. (grifo nosso)
A redação do art. 1.092, alínea 2a, do Código Civil de 1916 tinha, inclusive,
algumas vantagens, nesse ponto, frente àquela atualmente em vigor (art. 477).
Primeiro, deixava claro que a exceção de inseguridade, a exemplo da exceção de
contrato não cumprido, era aplicável, em princípio, apenas aos contratos bilate-
rais, na medida em que isso constava expressamente da alínea 1ª do art. 1.092,
estendendo-se, por conseguinte, também à alínea 2ª.1295 No art. 477 do Código
Civil de 2002, por sua vez, a exceção de inseguridade está regulamentada em artigo
diverso da exceção de contrato não cumprido (art. 476), sem menção expressa
aos contratos bilaterais. Outrossim, o art. 1.092, alínea 2ª, também especif‌icava
que a exceção de inseguridade somente poderia ser manejada pela parte “a quem
incumbe fazer prestação em primeiro lugar”, expressão que foi subtraída da redação
do art. 477 atual. A supressão desses dois pontos não causa, em rigor, prejuízo sig-
nif‌icativo, pois ambos – aplicabilidade apenas aos contratos bilaterais e utilização
1294. Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em
insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar
no tempo ajustado.
1295. Com as ressalvas de outras situações excepcionais, analisadas no tópico 5.2 (contratos plurilaterais;
obrigações restitutórias oriundas de resolução, anulação ou declaração de nulidade do contrato; contratos
coligados; etc.), em que a exceção de contrato não cumprido é aplicável (e também, por que não, a exceção
de inseguridade), por caracterizar-se o sinalagma.

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